Histórico do controle de umidade
Quando pensamos na finalidade de sistemas de tratamento de ar aplicado a ambientes, onde se deseja proporcionar conforto humano, a grandeza que é colocada como primeira a ser controlada é usualmente a temperatura.
Mas se retornarmos à história das primeiras instalações de tratamento de ar, encontraremos Willis Carrier, um jovem engenheiro, recém-egresso da Universidade de Cornell nos USA, que trabalhava na área de ventilação, e que recebeu um importante desafio para resolver: controlar a umidade de ambientes!
A demanda foi apresentada pela empresa da área gráfica Sacket and Wilhelms Lithographing, Publishing Company, que tinha problemas nos seus resultados de impressão nos períodos de verão quando a umidade era alta nos ambientes de processo e de estocagem de papel. Especialmente a impressão em cores era prejudicada.
O desafio foi resolvido com a proposta de um equipamento de tratamento do ar destes ambientes e processos que conseguia controlar sua umidade fazendo com que ele atravessasse serpentinas nas quais internamente circulava água fria. O equipamento embrião para os atuais sistemas de ar condicionado estava sendo proposto, e seu principal objetivo era controlar a umidade do ar.
A evolução deste sistema de tratamento de ar, que demandou muitos testes em campo e medições experimentais, possibilitou a solicitação da primeira patente de um “Aparato para o tratamento de ar” pelo próprio Carrier. Este foi proposto com a finalidade de desumidificar o ar, produzir resfriamento e purificar o ar, como pode-se verificar na patente US 808.897, de janeiro de 1906.
Elementos básicos para parametrizar a umidade do ar
Quando tratamos de controle de umidade presente no ar ambiente é importante lembrar que:
- O ar de um ambiente, assim como o ar atmosférico, nos estudos sobre controle de umidade é considerado como uma mistura de dois gases: ar seco e vapor d´água. Estes comportam-se de modo independente, e esta mistura pode ser chamada de ar úmido;
- Há duas propriedades que podem caracterizar a presença de vapor d´água no ar seco: a umidade absoluta (w) e a umidade relativa (UR);
- A umidade absoluta (w) apresenta a quantidade de vapor d´água presente na unidade de ar seco, que no sistema internacional de unidade (SI) é dada por kg vapor d´água/kg de ar seco;
- A umidade relativa (UR) parametriza em termos de porcentagem (%) qual a proximidade que o estado (definido por temperatura e umidade) de determinada massa de ar úmido encontra-se da condição de saturação (UR = 100%);
- É possível relacionar a umidade relativa à umidade absoluta, utilizando uma outra grandeza, que usualmente é a temperatura de bulbo seco (TBS).
A análise das propriedades do ar úmido é realizada pela área da termodinâmica que é chamada psicrometria. Ela está parametrizada por equações que nos auxiliam a entender e a prever o que irá ocorrer com o ar úmido alterando suas propriedades. Recomenda-se que o cálculo dos valores das grandezas psicrométricas seja realizado por meio das equações da psicrometria, determinação quantitativa. A visualização dos processos de mudança de estado do ar úmido deve ser feita com o uso de diagramas, as Cartas Psicrométricas, que são úteis para perceber o “caminho” do processo que está ocorrendo com o ar de modo qualitativo.
Aplicando o controle de umidade a ambientes
As faixas de umidade são função do tipo de aplicação e da finalidade que o ambiente climatizado atende. Podemos classificar os ambientes condicionados em dois grandes grupos considerando a sua finalidade e analisar qual a importância do controle de umidade em cada grupo.
Instalações de conforto para pessoas (e algumas áreas de unidade médico assistenciais)
Nestas instalações os valores de umidade relativa adequados para os ocupantes têm intervalo amplo, este intervalo de umidade é representado por uma região de conforto, definida por normas técnicas como a ASHRAE Standard 55, e a ABNT NBR 16401-2 (parte2). Nesta região o intervalo de umidade relativa adequado para pessoas está limitado entre as curvas de 35% e 65%. É importante destacar que para os seres vivos a umidade relativa é o parâmetro que usualmente caracteriza situações de desconforto e de risco à sua saúde.
Controlar para evitar baixas umidades
Considera-se que, para os seres vivos em geral, umidades relativas abaixo de 30% devem ser evitadas, sendo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) escalona três faixas de risco:
– UR entre 21% e 30%: estado de atenção;
– UR entre 12% e 20%: estado de alerta;
– UR abaixo de 12%: estado de emergência.
Assim, o controle de umidade pode auxiliar a evitar estas situações críticas, que podem causar danos importantes à saúde, especialmente de pessoas mais frágeis, em geral crianças e idosos, e indivíduos em tratamentos de saúde.
Os sistemas de climatização para conforto tipicamente não possuem controle de umidade, ou seja, não estão preparados para enfrentar estas situações críticas. O que leva os ocupantes a adotar soluções emergenciais e independentes do sistema de ar condicionado nos dias críticos: umidificadores independentes, bacias com água, toalhas molhadas etc.
Convém observar que a umidificação realizada por meio da evaporação de água deve ser feita evitando outros riscos para a saúde, como ter presente neste vapor d´água microrganismos vivos, que são prejudiciais à saúde, como a Legionella. Por exemplo, sistemas de umidificação por ultrassom que vaporizam água sem atingir a temperatura em que os microrganismos morrem (para eliminar a Legionella, a temperatura de aquecimento da água deve ser superior a 63ºC, ou haver supercloração, adição de cloro em níveis adequados).
Em regiões onde a análise do clima indica risco alto em dias com umidade relativa muito baixa, um bom projeto e instalação podem considerar equipamentos de umidificação integrados ao sistema de ar condicionado. Há cidades no interior do estado de São Paulo em que a umidade relativa atinge valores menores que 15% com certa frequência, como Ribeirão Preto, Ourinhos, Barra Bonita, Campinas e Ibitinga.
É muito importante para a saúde humana controlar para evitar umidades relativas baixas. O médico Drauzio Varella chama atenção para o fato de que a baixa umidade resseca o muco protetor que reveste as mucosas das vias aéreas do aparelho respiratório. Este ressecamento destrói anticorpos e enzimas que atacam germes invasores.
Excesso de umidade também traz desconforto e pode contribuir para danos na saúde humana. Por exemplo, quando o ar está com umidade relativa alta, e no ambiente há superfícies com temperaturas mais baixas que a temperatura do ponto de orvalho, ocorre a condensação do vapor d´água nestes locais. Esta umidade condensada, associada a partículas de poeira, material que possa alimentar fungos e bolores, pode proporcionar uma região de formação de colônias de microrganismos que podem prejudicar a saúde.
Nas instalações atuais para conforto e salubridade humana, contudo, apenas em casos específicos são instalados controles de umidade. Como no caso de ambientes hospitalares, em que podemos citar como exemplos enfermarias em que estão internados pacientes que sofreram queimaduras graves no corpo, e que demandam controle de umidade relativa, que deve ser mantida entre 60% e 70%, para proporcionar a recuperação da epiderme
Instalações especiais
Atendem a requisitos específicos, como processos de fabricação, equipamentos determinados, produtos e áreas de laboratórios. Nestes locais podem ser encontrados requisitos de controle de umidade bastante rigorosos. Usualmente é definida uma condição para a umidade absoluta com intervalo de variação pequena, ou para umidade relativa associada a um valor de temperatura de bulbo seco, também com intervalo pequeno.
Há produtos cujos processos produtivos demandam valores com intervalos de variação pequenos, e que demandam equipamentos e programação de malhas de controle sofisticadas atuando nos equipamentos de tratamento de ar, para viabilizar bons resultados. Isto ocorre, por exemplo, na indústria têxtil para fiação de sintéticos e na indústria farmacêutica para produzir medicamentos.
Relacionando umidade e qualidade do ar de ambientes interiores
A Qualidade do Ar de Ambientes Interiores (QAI) pode ficar muito prejudicada com excesso ou falta de umidade. Como apresentado nas minhas considerações anteriores, um bom sistema de ar condicionado para atender plenamente a QAI deveria controlar minimamente a umidade, deixando-a dentro dos intervalos estabelecidos pela região de conforto, já mencionada.
Uma situação típica de QAI prejudicada pela presença excessiva de umidade está relacionada a umidades elevadas, com condensação de vapor d´água em superfícies do ambiente, estabelecendo condições favoráveis para o crescimento de microrganismos. A associação de uma boa solução para renovação de ar, com filtragem e controle de umidade, deve garantir a QAI.
Duas soluções técnicas, que podem ajudar na obtenção de um bom controle de umidade, também com ótima QAI são:
1)Uso de solução DOAS – Dedicated Outdoor Air System (Sistema de tratamento do ar externo dedicado). Adotando esta opção, o projeto e a instalação podem tratar a umidade na sua principal origem, o ar externo de renovação. Fato que é típico para grande parte dos casos de instalações em zonas tropicais, em função do clima da região. Especialmente se a vazão de ar externo tem valores significativos, utilizar uma máquina que possibilite o tratamento do ar, controlar a sua umidade antes de ele integrar-se ao ar recirculado traz ótimas vantagens em termos de controle e de economia de energia.
2) Uso de máquinas de ar condicionado por indução. Este tipo de equipamento, que hoje está presente nas soluções identificadas como vigas frias, também pode ajudar a realizar um controle de umidade a partir do tratamento prévio e independente do ar externo, que será insuflado no ambiente.
Soluções como o DOAS e os sistemas de indução podem colaborar no controle de umidade, com uso de menor quantidade de energia, pois mesmo que retirem a quantidade de umidade por meio de um ciclo de refrigeração, reduzindo a temperatura desta massa de ar, nestas soluções, o tratamento para retirar umidade é realizado com uma quantidade menor de ar (só é tratada a vazão de ar externo). E podem não empregar estágio de reaquecimento posterior nesta massa de ar externo, pois esta será misturada com o ar de retorno para ser insuflado, e a obtenção da temperatura de projeto é alcançada nesta mistura de ar externo tratado em termos de umidade com o ar de retorno que possui significativa quantidade de calor sensível. Isto deve ocorrer para a grande parte das condições climáticas de um ano típico, provavelmente mais de 95% das horas de operação da instalação.
Comentários finais
Assim é importante verificar a utilidade do controle de umidade, especialmente evitando-se que ocorram processos de condensação de vapor d´água em superfícies. Isto irá ocorrer quando estas superfícies atingem a temperatura de ponto de orvalho, ou seja, o ar úmido próximo à esta atinge sua condição de saturação (100% de UR). Esta situação traz consequências relacionadas à Qualidade do Ar Interior, com já mencionado, e também pode trazer prejuízos para isolamentos térmicos de tubulações de ar e de água gelada. Há isolamentos térmicos de dutos e tubulações que quando dimensionados incorretamente, ou aplicados de forma inadequada, permitem que a condensação do vapor d´água ocorra na sua superfície, ou mesmo em camadas interiores. A presença deste vapor condensado traz diversos prejuízos para a instalação, desde a criação de focos de bolor, crescimento microbiológico, até a redução das propriedades térmicas dos próprios isolamentos.
Antonio Luís de Campos Mariani, professor doutor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP) e coordenador do LEQAI – Laboratório de Estudos da Qualidade do Ar Interior da POLI-USP.
Referências Bibliográficas
ASHRAE – American Society of Heating Refrigerating and Air-Conditioning Engineers. Handbook of Fundamentals, Atlanta, 2017.
ASHRAE – American Society of Heating Refrigerating and Air-Conditioning Engineers. ASHRAE Design Guide for Dedicated Outdoor Air Systems. Atlanta, 2017.
ASHRAE – American Society of Heating Refrigerating and Air-Conditioning Engineers. Indoor Air Quality Guide. Atlanta, 2010.
Carrier, Willis. US Patents 808.897. Apparatus for Treating Air. New York, 1906.
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