O estudo da qualidade do ar interno (QAI) teve início nos anos setenta com a crise do petróleo, quando houve uma maior preocupação em reduzir o consumo de energia. Assim, melhorias no isolamento dos edifícios e, consequentemente, redução das trocas de ar entre os ambientes exterior e interior provocaram o que conhecemos como Síndrome dos Edifícios Doentes, oficialmente reconhecida em 1983 pela Organização Mundial da Saúde.

Atualmente, a QAI é um dos itens mais importantes a serem considerados quando o assunto é ar condicionado. É ela que previne doenças, garante o conforto dos usuários e mantém as condições mínimas adequadas. É importante salientar que as condições mínimas exigidas em norma nem sempre são suficientes para uma boa QAI, cabendo ao projetista avaliar caso a caso a necessidade de algo complementar. Em ambientes comerciais, uma boa qualidade do ar proporciona funcionários mais produtivos, menores taxas de absenteísmo e, consequentemente, maior retorno financeiro para empresas e funcionários. Em escolas, diversos estudos indicam que crianças possuem sua taxa de aprendizagem comprometida quando a qualidade do ar não está adequada. Além disso, graves doenças pulmonares são causadas pela inalação de contaminantes provenientes de um sistema mal projetado e com manutenção precária.  Mas, afinal, qual a definição de contaminante e o que é uma boa qualidade do ar?

A definição de contaminante, sob o ponto de vista do condicionamento do ar e da ventilação, é qualquer substância que não faz parte da composição normal do ar atmosférico. Porém, caso algum componente do ar esteja presente em uma concentração acima dos limites pré-estabelecidos, também é considerado contaminante. Os contaminantes são geralmente classificados como partículas (sólidas ou líquidas), gases ou, ainda, aerossóis – suspensões na fase gasosa de partículas. Abaixo, temos alguns exemplos e suas origens:

  • Fumos: aerossol de partículas sólidas que possuem diâmetro menor que 1 µm resultantes da condensação de vapores, geralmente após a emanação de metais fundidos e quase sempre acompanhada de oxidação.
  • Poeiras: aerossol de partículas sólidas que possuem diâmetro menor que 100 µm resultantes da desintegração mecânica de substâncias orgânicas e inorgânicas.
  • Fumaça: aerossol de partículas sólidas extremamente pequenas resultantes da combustão incompleta do fumo, lenha, carvão, entre outros materiais com carbono.
  • Mists: aerossol de partículas líquidas pequenas produzidas por atomização e pulverização.
  • Fogs: aerossol de partículas líquidas resultantes da condensação de vapores.

Pode-se dizer que um ambiente possui uma boa qualidade do ar quando o mesmo não possui nenhum contaminante em concentração acima dos limites recomendáveis para a saúde e o bem-estar dos ocupantes, assim como suas condições de umidade, temperatura, velocidade e distribuição. Apesar de parecer uma definição simples, grande parte dos ambientes climatizados possuem um ar comprometido em relação a sua qualidade, principalmente devido à projetos mal elaborados e instalações e manutenções não adequadas. Abaixo, temos alguns fatores que influenciam na qualidade do ar:

  • Premissas de projeto: grande parte dos problemas na QAI é o fato desse item não ser considerado como uma das premissas básicas de projeto. Decisões como localização e orientação da edificação, locais das tomadas de ar externo e descargas, além da concepção do projeto básico de AVAC são de extrema importância para garantir os requisitos mínimos de qualidade do ar.
  • Falta ou precariedade de comissionamento: é muito comum a concepção de que o comissionamento é um processo que se inicia após toda a instalação do sistema, porém o empreendimento se torna mais eficiente, inclusive financeiramente, quando o comissionamento é iniciado na fase de concepção do projeto, pois é nesta fase que alterações podem ser feitas sem grandes impactos. Esta avaliação pode ser facilmente observada no gráfico (Figura 1) retirado do Indoor Air Quality Guide da Ashrae.

Figura 01: Impactos das mudanças ao longo do tempo

  • Após toda a concepção de projeto pronta, é fundamental o acompanhamento da fase de instalação e um completo comissionamento final por agentes comissionadores, pois, caso não aconteça, todo o esforço durante a fase de projeto se torna inválido.
    • Alto índice de umidade: excesso de umidade é um dos grandes vilões para a qualidade do ar. Muitas edificações acumulam vapor d´água devido a problemas de vazamento na cobertura, penetração de água de chuva por meio de janelas não estanques, defeitos na construção do envelopamento da edificação, entre outros. Estas questões são facilmente evitadas, mas necessitam de um bom entendimento sobre movimentação de vapor d´água e cuidados em relação ao envelopamento da edificação e serviços de impermeabilização.
    • Má qualidade do ar exterior: os principais contaminantes do ambiente externo são os provenientes de descargas de automóveis e de gases de chaminés de fábricas, tais como: monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, dióxido de enxofre, ozônio, vapores de chumbo e metais pesados. A QAI é extremamente influenciada pelo ambiente externo devido às entradas de ar localizadas no nível do térreo ou próximas ao tráfego, e quando a tomada de ar externo está próxima às fontes emissoras de poluentes. Renovação de ar (para os contaminantes gasosos), filtros (para os materiais particulados), higiene e manutenção são algumas formas de controle desses contaminantes.
    • Ventilação inadequada: a ventilação é definida como a combinação do processo de fornecimento de ar externo e retirada do ar viciado (carregado de poluentes) de dentro de um ambiente fechado. A renovação de ar possui caráter decisivo na qualidade do ar, pois é ela que dilui a concentração de contaminantes gerados no próprio ambiente e que não são retidos nos filtros, como odores e gases. Entretanto, existem diversos itens importantes a serem observados durante o projeto e instalação: a captação do ar externo deve possuir proteção contra intempéries e insetos, deve estar afastada de pontos de exaustão ou outras fontes geradoras de contaminantes, os dutos de distribuição devem ser exclusivos para a condução desse ar, ser de fácil limpeza e manutenção, entre outros. É importante salientar que o ar externo pode ser uma perigosa fonte de contaminantes, pois o ar atmosférico é naturalmente contaminado por impurezas geradas por processos industriais, erosão, plantas, carros etc. Desta forma, deve-se avaliar com atenção o nível de filtragem necessário.
    • Ineficiência do sistema de filtragem: em qualquer sistema de climatização é necessário garantir a proteção de ocupantes e equipamentos dos contaminantes contidos no ar (materiais particulados contidos no ar externo e no ar recirculado). Por este motivo são utilizados filtros nas tomadas de ar, nos dutos e equipamentos. A eficiência de filtragem é determinada em função da capacidade de retenção de partículas e da vazão de ar externo. A capacidade de retenção implica em conseguir uma boa diluição dos contaminantes de modo que esses atinjam níveis aceitáveis de contaminação interna em função do número de ocupantes e da atividade desenvolvida. Já a vazão de ar externo implica em determinar a quantidade de ar externo que pode ser reduzida do fluxo inicial, ao se utilizar filtros na recirculação sem prejudicar a QAI. É sugerido que seja diferenciada a filtragem do ar externo e o de recirculação, pois a natureza das partículas são diferentes. Outro fator que influencia diretamente na capacidade de filtragem é a estanqueidade do sistema e a limpeza periódica de dutos e filtros. Desta forma, cabe ao projetista avaliar as condições específicas do ambiente e não se limitar às filtragens mínimas contidas em norma.
    • Geração de contaminantes internos: grande parte dos contaminantes contidos em um ambiente são provenientes do próprio ambiente, sendo eles gasosos e/ou material particulado. Contaminantes gasosos são gerados pela mobília e ocupantes: os ocupantes geram vapor d´água por meio da transpiração, odores e gases e liberam gás carbônico pela respiração. Apesar do CO2 ser encontrado naturalmente na atmosfera, sua elevada concentração no ambiente é um importante indicador de que é necessário uma maior renovação do ar. Em relação aos materiais particulados gerados, que ficam em suspensão no ambiente principalmente devido à atividades como varrer e tirar pó, o método mais eficiente é a filtração mecânica do ar. Infelizmente, não é possível ter um controle desses contaminantes e, por esse motivo, deve-se garantir que o ar de retorno seja corretamente tratado antes de ser insuflado no ambiente e que a taxa de renovação seja adequada para cada aplicação.
    • Manutenção precária: manutenção preventiva é uma prática que ainda necessita de conscientização no Brasil, apesar de ser ela que garante a boa funcionalidade do sistema e sua eficiência. Os problemas com manutenção se iniciam já na fase de projeto. Casas de máquinas são normalmente projetadas com dimensões reduzidas, prejudicando o acesso de pessoas, ferramentas, aberturas das portas de inspeção, a troca de motores elétricos, abertura dos painéis, além do mau posicionamento de válvulas e sensores. Além disso, a equipe responsável pela operação e manutenção deve ser devidamente capacitada e possuir um plano de manutenção pré-definido. Quando há falta de manutenção do sistema, o mesmo passa a trabalhar em condições diferentes das especificadas em projeto, comprometendo as vazões, níveis de filtragem, taxas de renovação, e aumento no consumo de energia e nos gastos com peças de reposição.

    Figura 02: Aspectos construtivos e de manutenção associadas à qualidade do ar interior

    Para ilustrar o quanto alguns aspectos construtivos e de manutenção afetam diretamente a qualidade do ar, a Figura 02 mostra uma avaliação realizada pelo National Institute of Occupational Safety and Health (NIOSHI) em 49 escolas. Nessa avaliação foram detectados alguns problemas associados às reclamações dos ocupantes.

    Os principais sintomas detectados em ocupantes de ambientes que possuem tais problemas de QAI são: reações alérgicas e irritantes, dores de cabeça e articulares, irritação nos olhos, nariz e garganta, tosse seca, dermatites, fadiga, sonolência, dificuldade de concentração, sensibilidade a odores, congestão, sinusite, falta de ar, rinite alérgica, asma brônquica, perda de produtividade e, por fim, a ausência frequente ao trabalho conhecida como absenteísmo. Essas doenças são denominadas Doenças Pulmonares Ocupacionais.

    Atualmente já é de conhecimento dos profissionais de AVAC os métodos existentes para garantir uma boa qualidade do ar, tanto durante a fase de projeto, quanto durante a instalação e operação do sistema. Na fase de projeto, deve-se incluir todos os envolvidos e, principalmente, um engenheiro especializado em AVAC. O mesmo deve participar da fase de concepção do projeto, pois ele será capaz de verificar se o que está sendo proposto pelas demais disciplinas é ou não viável para garantir o bom funcionamento do sistema de climatização. Além disso, é nessa fase que as condições e facilidades de manutenção são definidas, pois, após o empreendimento construído, se torna praticamente impossível realizar melhorias por falta de espaço – um dos problemas encontrados nos empreendimentos.  Em relação à instalação, a mesma deve seguir o proposto no projeto executivo, pois qualquer divergência pode afetar a eficiência do sistema. Além disso, cuidados com o armazenamento dos dutos, equipamentos e filtros são indispensáveis na fase de obra. Após a instalação e comissionamento realizados, é necessário que a equipe de manutenção esteja sempre atenta aos requisitos do PMOC – Plano de Manutenção, Operação e Controle. De modo geral, é necessário que todos os componentes como serpentinas, bandejas, umidificadores, dutos, ventiladores, filtros, entre outros, estejam sempre limpos, pois são os responsáveis pela proliferação de fungos, bactérias e contaminantes em geral. Para cada componente há uma periodicidade diferente de manutenção, mas que deve ser respeitada. Preservar as tomadas de ar externo e monitorar frequentemente a funcionalidade do sistema são serviços indispensáveis para uma boa QAI.

    Outro fator importante para a QAI é conscientização das limitações dos sistemas tipo split. Esse sistema pode atender as necessidades residenciais, onde o período de utilização é baixo, o número de pessoas por m2 é reduzido e o ar externo infiltrado pelas frestas, abertura de portas e janelas proporcionam a renovação do ar. Já quando falamos de locais como restaurantes, bibliotecas, escritórios, cinemas, shoppings, entre outros, a renovação e filtragem são obrigatórias e devem ser projetadas de maneira eficiente. Existem algumas evaporadoras, como por exemplo do tipo cassete e teto, que já possuem, de fábrica, entradas para renovação de ar que podem garantir o mínimo de qualidade de ar no interior do ambiente, porém, nos demais equipamentos, essas conexões podem não estar disponíveis, como é o caso do tipo high-wall. Quando não é possível adequar o próprio sistema split, é necessário promover a renovação de ar por meio de grelhas no ambiente. De qualquer forma é necessária a instalação de um sistema com ventilador a fim de injetar ar externo continuamente, passando por filtros e distribuindo o ar por dutos em cada ambiente onde são instalados climatizadores desse tipo. É importante salientar que mesmo para os equipamentos com entrada de ar externo já prevista, deve-se avaliar se o mesmo é capaz de garantir a capacidade frigorífica necessária para a aplicação desejada, visto que a taxa de ar externo é função da utilização do ambiente e não do equipamento. Além disso, a umidade relativa não é controlada em momento algum nos sistemas tipo split. Normalmente, quando um sistema de ar condicionado é projetado, são encontrados os valores de calor sensível e latente a partir do cálculo de carga térmica interna e a vazão do ar externo necessária. Esses valores são utilizados no estudo psicrométrico e, desta forma, selecionado o equipamento que melhor atende o ambiente. Porém, no caso do dimensionamento de um split, a carga térmica relacionada ao ar externo não é levada em consideração, visto que os equipamentos são padrão, alterando apenas a capacidade de refrigeração total e, portanto, tendo uma relação entre calor sensível e latente nem sempre adequada. Desta forma, cabe aos profissionais da área especificarem em seus projetos o sistema mais eficiente para cada aplicação levando em consideração os parâmetros básicos para a garantia da saúde dos usuários.

    Ivete Y. Roumieh, Fundação Butantan (iveteyr@hotmail.com)

    A Coleção Fundamentos é coordenada pelo Professor Doutor Alberto Hernandez Neto do departamento de engenharia mecânica da POLI-USP e pelo Chair do YEA Bruno Martinez.

    Referências

    ASHRAE. American Society of Heating, Refrigeration and Ar-Conditioning Engineers. Fundamentals Handbook. Atlanta, 2013. 1000 p.

    ASHRAE. American Society of Heating, Refrigeration and Ar-Conditioning Engineers. Indoor Air Quality Guide – Best Practice for Design, Construction and Commissioning. Atlanta, 2009. 718 p.

     

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