O projeto de sistemas de climatização visa primordialmente o conforto do usuário ou obter as condições propícias para a estabilidade de um processo industrial. A abordagem inicial do projeto deve ser a obtenção dos critérios de conforto ou dos requisitos do processo fabril. A correta abordagem no sistema de distribuição de ar reduzirá o número de potenciais queixas sobre desconforto e não conformidades. Atualmente, devido aos impactos ambientais, há a preocupação adicional de reduzir o consumo energético e aperfeiçoar ao máximo os sistemas em função da sua sustentabilidade (ASHRAE Green Guide, 2010).
Um ponto crítico em novos projetos será o impacto dos componentes e materiais utilizados na construção e operação dos sistemas de condicionamento de ar. Há limitações para o volume de gases refrigerantes não naturais que pode ser contido por m² de área construída (ASHRAE Standard 15 e 34). O escape de gases refrigerantes contribui para a piora do efeito estufa e as restrições governamentais tendem a ser mais significativas no futuro, o que induzirá ao uso de projetos com carga mínima de refrigerante.
Este artigo tem como objetivo apresentar os critérios para elaboração de um projeto adotando vigas frias e o potencial impacto na redução do consumo de energia, custos de operação, investimento inicial e manutenção das características de conforto e cumprimento das normas mais conhecidas e adotadas para sistemas de condicionamento de ar.
Critérios para conforto térmico
Sistemas de condicionamento são projetados basicamente para criar conforto de modo que as pessoas produzam e rendam mais em suas atividades diárias. Os parâmetros que impactam no conforto térmico são (Alexandre, 2006):
- Temperatura;
- Umidade;
- Temperatura média radiante;
- Velocidade do ar;
- Nível de atividade;
- Resistência térmica do vestuário;
- Tempo de permanência;
- Gradiente de temperatura;
- Nível de turbulência do ar;
- Assimetria de temperaturas;
- Nível sonoro.
Como recomendação inicial para garantir a satisfação de pelo menos 80% dos usuários, estima-se que na zona de ocupação (figura 1) os parâmetros sejam atendidos nas faixas:
- Temperatura: 23° a 25°C
- Umidade relativa de 30% a 60%
- Velocidade média do ar: 0,05 a 0,2 m/s e máxima de 0,22 m/s
- Nível de turbulência < 20%
- Assimetria de temperaturas:
- 23°C para paredes e janelas quentes
- 7°C para tetos quentes
- Variação de temperatura entre tornozelo e cabeça: 3°C
Em geral são definidas faixas para o conforto térmico e em projetos para ambientes críticos devem ser avaliadas diferentes temperaturas, uma vez que modificações nas temperaturas do ambiente podem gerar maior ou menor consumo de energia. Referências podem ser encontradas nas normas nacionais (ABNT NBR 16401-1) e guias internacionais (ASHRAE 55).
Para controlar a qualidade do ar, é necessário renovar constantemente o ar. Valores mínimos de ar de renovação são obtidos por recomendações em normas para cada país e em guias de projetos da ASHRAE ou REHVA. Tabelas de uso rápido obtidas em algumas normas que cobrem projetos básicos não devem ser aplicadas às cegas, é necessário entender os critérios de cada tipo de projeto: conforto, hospitais, laboratórios etc. Cada aplicação possui requisitos específicos e a análise de viabilidade das diferentes tecnologias de condicionamento de ar é impactada pelo volume necessário de ar exterior.
Tetos e vigas frias – conceitos iniciais
Durante o projeto de climatização para um sistema todo-ar com sistemas VAC ou VAV o volume de ar necessário para a carga de pico é calculado pela equação 1:
Para que seja possível uma redução do volume de ar requerido há duas opções: aumento do gradiente de temperatura ΔT ou a redução da carga de calor sensível do ambiente Qs. Na tabela 2 são apresentados resultados para a transferência de calor de uma carga de 1000 W com a utilização de ar e de água. Considerando uma variação do ΔT de 8 para 12°C, há uma redução de volume de ar necessário de 1,5 vezes. Entretanto, isso significaria reduzir a temperatura do ar de insuflação, o que leva a novos desafios no conjunto das unidades de tratamento de ar e suas serpentinas. O calor sensível só pode ser alterado por modificações na envoltória do ambiente. Há, porém, outra maneira, parte do calor sensível poderia ser removida por algum outro mecanismo, reduzindo-se a necessidade de um grande volume de ar.
Entre as alternativas para remoção do calor sensível do ambiente estão paredes, lajes, pisos resfriados (Babiak, J. 2009), ou, ainda, as vigas frias com serpentinas para remoção de calor sensível. As primeiras tentativas comerciais foram realizadas com placas de teto frio, nas quais se circulava água com temperatura abaixo da do ambiente e ligeiramente acima da temperatura de ponto de orvalho do ambiente a ser climatizado. Esta estratégia consiste no desacoplamento das cargas sensíveis e latente, com o objetivo de remover o máximo possível de calor sensível com outros mecanismos que não o ar de insuflação.
A redução do volume de ar necessário para climatização permite que se utilizem dutos de menor dimensão, redução das unidades de tratamento de ar, diminuição da área de casas de máquinas, entre outros.
O ponto crítico é o consumo de energia necessária para movimentar o ar e água em seus condutos. Para determinar a potência necessária, utiliza-se a equação 2:
Na qual:
P é a potência elétrica
V é a vazão
Δp é a pressão
η é o rendimento
Assume-se para a análise que os rendimentos das bombas de água e dos ventiladores é de 70%, a pressão da bomba é de 5 mCA e no ventilador 500 Pa. Para o sistema todo ar 3, a potência requerida no ventilador é de 48 W e para um sistema de vigas frias seria de 5.7, uma redução de 8 vezes. Com a abordagem inicial simplificada demonstra-se que há um grande potencial para redução de consumo de energia em uma instalação de climatização ao se avaliar o uso de superfícies resfriadas ou vigas frias.
Análise para transferência de 1000 W de carga térmica | ||||||
Meio de transporte do calor | Q [W] | ΔT [K] | Vazão [m³/h] | Diâmetro [mm] | Potência Ventilador (W) | Potência Bomba (W) |
Sistema todo ar 1 | 1000 | 8 | 365.58 | 68 | 72 | —– |
Sistema todo ar 2 | 1000 | 10 | 292.46 | 60.8 | 57 | —– |
Sistema todo ar 3 | 1000 | 12 | 243.72 | 55.5 | 48 | —– |
Água – teto frio | 1000 | 2 | 0.43 | 6.2 | —– | 8,5 |
Água – viga fria | 1000 | 3 | 0.29 | 5 | —– | 5,7 |
Em placas de forro frio a maior parte do calor é removida por radiação. Para obter uma maior capacidade de transferência de calor podem ser utilizadas as vigas frias passivas que utilizam os efeitos de convecção natural. As fontes térmicas aquecem o ar que se desloca em direção ao teto e, ao encontrar a superfície fria das vigas passivas, é resfriado retornando à zona de ocupação. O efeito pode ser visualizado na figura 2. Para se obter a máxima capacidade de uma viga fria passiva, estas não devem ser instaladas diretamente sobre as fontes geradoras de calor. A disposição ideal é a apresentada na figura 2. Um dos benefícios das vigas frias passivas são as baixas velocidades de ar e maior conforto térmico. Uma vez que as vigas frias passivas não são utilizadas para a remoção de calor latente, é necessário utilizar o ar de renovação para controle de umidade (Planungshandbuch Luft Wasser Systeme).
Como todos os sistemas de climatização requerem uma taxa de renovação de ar para manutenção da qualidade do ar interior e para remover o calor latente, foram desenvolvidas as vigas frias ativas. Estas possuem integradas em sua estrutura o sistema de ventilação e, para maximizar o efeito de troca de ar na serpentina, adota-se o princípio de indução de ar. Esquematicamente é apresentada uma viga fria ativa na figura 3. Ar oriundo de uma unidade de tratamento de ar, ODA, denominado ar primário, é injetado em uma câmara plenum na viga fria, este ar é forçado através de pequenos orifícios em alta velocidade, gerando uma pressão negativa e consequentemente induzindo o ar do ambiente através da serpentina, onde sua temperatura é reduzida. Este ar do ambiente é chamado de ar secundário. O volume total de ar movimentado na viga fria passiva é a soma do ar primário e secundário.
As vigas frias devem operar com a temperatura da água acima do ponto de orvalho do ar secundário, evitando-se assim a condensação na serpentina. Usualmente o ar primário também é injetado a temperaturas acima do ponto de orvalho, todavia, é possível operar abaixo desta temperatura quando se isolam as superfícies da caixa plenum em contato com o ar do ambiente.
Devido ao fato de vigas frias operarem com serpentinas secas, elimina-se a formação de biofilmes e, consequentemente, a aderência de partículas em sua superfície. Historicamente, da análise de diversas instalações existentes, operadas de modo correto, observou-se que é possível obter intervalos de manutenção de até cinco anos. A manutenção destas vigas é muito simples e consiste basicamente de limpeza das gelhas e verificação de válvulas de controle (quando há); não há ventiladores nem filtros a serem substituídos.
Sistemas de vigas frias podem ser instalados em praticamente qualquer tipo de ambiente. Não são recomendadas para instalações que requeiram altos volumes de ar de renovação ou com geração de calor latente nos mesmos níveis do calor sensível.
Ciclo de vida de uma instalação de vigas frias
A análise de investimento em um sistema de climatização não deve ser baseada exclusivamente nos custos iniciais de aquisição dos equipamentos. É preciso analisar o custo do ciclo de vida da instalação, considerado todos os custos de aquisição, transporte, instalação, operação e manutenção (Howell et all, 2009). Um dado que merece ser considerado quando se opta por vigas frias é o ganho de pé direito, uma vez que a dimensão dos dutos de ar é reduzida (quando comparado a sistemas todo ar), permite-se andares com menor altura (redução da distância entre forro e laje). Em um edifício de 10 pavimentos o ganho pode ser de até um piso adicional (Adolph et al, 2013). Devido a este ganho potencial, vigas frias têm sido largamente empregadas na costa noroeste americana, onde há limitações para altura de edifícios em determinadas zonas, como na cidade de Washington, onde nenhum edifício pode ser mais alto que o Capitólio.
Considerações para projeto de um sistema ar-água
O projeto de vigas frias deve ser realizado com base em cálculos realistas de carga térmica e devem ser realizadas simulações de cargas com auxílio de softwares. Essa afirmação não é válida apenas para projetos de vigas frias. Sistemas superdimensionados têm custo inicial e de operação maiores, podendo ter condições de conforto piores, pois tendem a ter maior movimentação de ar e consequentemente correntes de ar na zona de conforto. Algo que deve ser discutido, já no início do projeto, são mecanismos para reduzir a carga térmica excessiva por insolação solar, como por exemplos: vidros especiais, sombreamento, entre outros.
Durante a seleção de vigas frias ativas, recomenda-se que não se eleve demasiadamente o volume de ar primário, para que as vantagens econômicas não sejam perdidas (ASHRAE). Uma alternativa é iniciar a seleção das vigas adotando como parâmetro os volumes de ar de renovação necessários para o ambiente. Caso seja possível atender a carga térmica mantendo os demais limites operacionais do equipamento, com baixas vazões é possível trabalhar diretamente com unidades dedicadas de ar exterior (DOAS, dedicated outside air systems). A vazão de ar primário deve ser exclusivamente para satisfazer critérios de conforto, renovação de ar e controlar a umidade do ambiente.
As cargas térmicas devem ser desacopladas para a seleção de equipamentos para que as unidades de tratamento de ar tratem a carga latente do ar exterior e as geradas no ambiente climatizado. O máximo de calor sensível do ambiente deve ser removido pela serpentina da viga fria. O calor sensível do ar de renovação é integralmente removido nas unidades de tratamento de ar. Nem todas as ferramentas de simulação de sistemas de climatização possuem esse desacoplamento integrado; a dizer, não consideram sistemas de vigas frias. Neste caso cabe ao projetista efetuar a análise com ferramentas convencionais.
Para instalações de tetos e vigas frias, recomenda-se que as instalações operem com pressão positiva, impedindo a infiltração de ar pelas frestas das janelas. O edifício deve manter bons padrões de estanqueidade. Quando a sala climatizada possuir janelas que possam ser abertas, deve ser instalado um sistema que interrompa a alimentação, ou altere a temperatura da água, para as vigas frias. Nas portas externas de acesso recomenda-se o uso de antecâmaras. Deve-se monitorar a umidade do ar nos dutos de exaustão de ar e em pontos críticos da sala, permitindo que o sistema de automação possa tomar as decisões adequadas sobre a água de alimentação das vigas frias. Uma estratégia de controle consiste em manter a temperatura de alimentação de água nas vigas frias sempre 1°C acima do ponto de orvalho mensurada, ao invés de um valor fixo; o que poderia ser fixo é o limite inferior para a temperatura de água.
A despeito destas recomendações, ensaios de laboratório realizados pelo autor provam que o risco de gotejamento a partir das vigas frias ocorre horas após a perda de controle da umidade do ambiente. Em ensaio realizado mantendo a temperatura de alimentação da água a 13°C e elevando a umidade relativa do ambiente até 80%, a formação de película de umidade na linha de alimentação ocorreu apenas após 20 minutos; a formação na aleta da serpentina apenas após 24 minutos; e a primeira gota caiu no piso aos 62 minutos. As condições do ambiente nesta situação de 25°C, com 80% de umidade, são extremamente desconfortáveis e os usuários apresentariam queixas antes mesmo da condensação ocorrer.
Para evitar a condensação, o projeto deve prever:
- Operar com água nas vigas frias com temperatura acima do ponto de orvalho, usualmente acima de 14°C.
- Desumidificar o ar primário, o nível de umidade absoluta para o ar primário é calculado com base no calor latente gerado no interior do ambiente a ser climatizado.
- Isolamento adequado da tubulação hidráulica e válvulas de controle.
- Uso de sensores de condensação nas serpentinas (apenas nas mais críticas);
- Aumento da temperatura da água ou interrupção do fluxo quando houver risco de condensação.
Há exemplos de aplicações de vigas frias em regiões de alta umidade e temperaturas. No Brasil foram instaladas vigas em shopping centers nas cidades de Salvador e Recife (Arquitetura e construção, 2012). Essas instalações são possíveis pois o ponto de orvalho crítico é o do interior do volume a ser climatizado, a manutenção da umidade interior é realizada em qualquer sistema de climatização através da remoção do calor latente em unidades de tratamento de ar. Com adequado dimensionamento e análise das cargas térmicas e medidas básicas para a prevenção de infiltrações, vigas frias podem ser instaladas em qualquer região climática.
Shopping em Fortaleza tem climatização por vigas frias
Conclusões
Neste artigo foram apresentados os conceitos fundamentais de funcionamento dos sistemas ar-água. Discutiram-se os pontos críticos que devem ser considerados na comparação inicial de vigas frias versus outros sistemas de climatização, como: redução das unidades de tratamento de ar, área necessária de casa de máquinas, redução de dutos, redução de consumo energético. Apresentaram-se os modos e mecanismos para evitar a condensação nas superfícies e os argumentos técnicos que garantem o baixo risco de condensação.
Esta tecnologia deve ser avaliada na fase inicial dos projetos e integrada com a arquitetura do edifício. Decisões sobre qual sistema deve ser adotado não devem ser baseadas unicamente em custo inicial, mas sim para o ciclo de vida. Vigas frias são muito competitivas quando se considera o ciclo de operação e a redução de consumo energético. Cabe ao engenheiro responsável pelo projeto avaliar as diferentes tecnologias. Este artigo não esgota todas as possibilidades e tem a intenção de ser um ponto de partida para estimular a criatividade dos leitores.
Marco Adolph – PhD
VP of Technology and Development – TROX USA INC
A Coleção Fundamentos é coordenada pelo Professor Doutor Alberto Hernandez Neto, do departamento de engenharia mecânica da POLI-USP e pelo Chair do YEA, Bruno Martinez
Referências bibliográficas
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