Resumo

A proposta do presente artigo é apresentar hipóteses, situações e análise de soluções para identificar a presença de mofo em um hotel de alto padrão na orla do Rio de Janeiro. O resultado final foi a identificação de diversas situações que, independentes ou em conjunto, colaboraram para o surgimento do mofo nos ambientes internos.

(Trabalho originalmente apresentado no CIAR CONBRAVA 2017).

Objetivos da equipe técnica

1 – Objetivos:

– Identificar os motivos e hipóteses da presença de mofo em diversas localidades dentro da edificação;

– Analisar o projeto de reforma do hotel com orientações para prevenir o crescimento de mofo dentro da nova edificação.

Metodologia de trabalho

– Avaliação visual das instalações, compreendendo os ambientes com problema de mofo;

– Reuniões com equipes de manutenção e limpeza predial (housekeeping) para entender o cenário atual;

– Execução de análises físico-químicas e microbiológicas dos ambientes;

– Inspeções termográficas, de medição de umidade nas superfícies com intuito de encontrar infiltrações, vazamento e nível de atividade de água nas superfícies;

– Confecção de relatório de inspeção fotográfica, conclusivos e finais;

– Sugestões para evitar crescimento de mofo no hotel após a reforma.

Foi utilizada metodologia do guia “Mold Remediation in Schools and Commercial Buildings”, do EPA – U.S. Environmental Protection Agency, Setembro de 2008.

Resultados e discussões

Comentários sobre a inspeção visual :

(Período de Execução: janeiro e fevereiro de 2017).

Através das inspeções visuais realizadas na edificação pudemos observar os relatos sobre a presença de mofo. Trabalhamos com as hipóteses mais prováveis para a ocorrência de mofo no local. Utilizando as boas práticas da avaliação de ambientes, tais como protocolos de inspeção, equipamentos especializados e análises laboratoriais, temos uma visão geral da situação. Apresentamos a seguir algumas situações encontradas no local, com os respectivos comentários.

Situação 1 – Em alguns pontos durante a inspeção, verificamos a presença de mofo com características de vazamento de água. Foi identificado, através da inspeção visual e de relatos da equipe de manutenção predial, que existem diversas tubulações e pontos da rede hidráulica com vazamentos. Efetuamos fotografias com câmera termográfica com o objetivo de identificar diferenças de temperaturas que possam indicar a presença de água ou vazamento nas superfícies.

Situação 2 – Verificamos na edificação um corredor técnico no 2º andar, onde no dia da inspeção havia grande presença de água, segundo relatos, consequência de vazamento d´água durante o processo de manutenção no pavimento superior.

Situação 3 – Ainda nesse corredor técnico foi verificada a presença de reservatório de água – corredor do 2º andar que atendem aos vestiários. A construção desse local está inadequada com parede em alvenaria sem acabamento, madeiras no local e tampa de vedação ineficiente, resultando num local com presença de água.

Situação 4 – Entretanto, o principal fator para a presença de mofo na edificação se deve à elevada umidade relativa do ar. Sendo a região de clima quente e úmido, o mofo será sempre uma preocupação em edifícios no Rio de Janeiro. A umidade do ar exterior pode muito facilmente favorecer mofo crescendo dentro do ambiente. Um sistema de ar condicionado é a forma tradicional nos edifícios para manter o ar seco e evitar problemas de mofo. No entanto, quando há problemas com o projeto, instalação ou operação de ar condicionado, o mofo pode ocorrer.

O ar condicionado é excelente quando o edifício é bem vedado. Mas os problemas acontecem quando a umidade do ar exterior adentra os ambientes e alcança as superfícies frias, climatizadas. Pode formar condensação nestas superfícies. As fotos mostram o crescimento de mofo nas superfícies internas (paredes e tetos) devido à condensação do ar.

Foto termográfica mostra parede com temperatura diferente, provocada pela umidade, com características de infiltração/vazamento

Paredes com superfície mais frias, favorecendo o crescimento de mofo

Parede Quarto 626 – Temperaturas de superfícies abaixo do ponto de orvalho

Em alguns quartos pudemos observar grande quantidade de água condensando nas paredes e pisos. As janelas estavam abertas, pois o sistema de ar condicionado estava desligado naquele momento. O hotel de uma maneira geral estava com ar condicionado funcionando, incluindo os corredores. Mesmo com o ar condicionado desligado, estava ocorrendo a condensação, pois as superfícies internas (paredes e pisos) estavam atingindo o ponto de orvalho.

Fizemos esse teste em outros quartos, como o 626, com o sistema de ar condicionado ligado e desligado com porta aberta. A temperatura medida nas paredes onde ocorrem a condensação estava abaixo da temperatura de condensação (ponto de orvalho).

Além de medidas pontuais com equipamentos portáteis, foi instalado sensor de temperatura e umidade relativa do ar no quarto 626, com problema de mofo. Ficou instalado das 9h40 do dia 24/01, até às 9h00 do dia 27/01. Observamos que o quarto, mesmo com o sistema de ar condicionado ligado e sem uso por três dias, apresentou elevada umidade relativa do ar interno, conforme Figuras 1 e 2.

Figura 1 – Temperatura medidas

Figura 2 – Instalação do sensor

Sabemos, portanto, que a grande razão de crescimento de mofo dentro do hotel é a elevada umidade relativa do ar. Na medição realizada no quarto 216 o valor chegou a 93,5% de RH dentro do quarto a uma temperatura de 22,2°C. Nessas condições o ponto de orvalho é de 20,0°C.

Poderia ser porque as pessoas abrem as janelas com o AC ligado. Poderia ser porque as portas foram deixadas abertas. Poderia ser devido a um exaustor que não funciona quando alguém toma banho. O problema pode ser a pressão negativa (exaustão excessiva sem suficiente ar de compensação); ou por ser a construção pobre que permite a umidade vir através de rachaduras e pequenas aberturas. Claro, poderia ser uma combinação de todas as hipóteses, observadas nas inspeções, como apresentamos nas situações a seguir.

Situação 5 – Como a umidade relativa do ar é elevada dentro do ambiente, mesmo com o sistema de ar condicionado funcionando, realizamos a medição da temperatura e umidade relativa no retorno e na insuflação do equipamento. Medimos também a velocidade do ar antes e após a serpentina, e obtivemos um valor acima do esperado em projeto que é de 2,5 m/s. Isso mostra que o ar climatizado pode arrastar água (umidade) para o ambiente interno, contribuindo para a elevada umidade relativa do ar interno, conforme Figura 3.

Figura 3 – Medição de temperatura e umidade

Situação 6 – Outro grande problema identificado é a inexistência de renovação do ar. Esta situação, além de ser uma infração sanitária, pois não atende a Portaria 3523 de 28/08/98/ MS e a Resolução 09 de 16/01/03 da ANVISA, cria dentro da edificação uma situação de pressão negativa em relação ao ar externo, forçando a entrada de ar quente e úmido por frestas e aberturas em geral.

Não observamos na fachada externa grandes frestas ou aberturas, mas sabemos que essa situação pode ocorrer em pontos bem pequenos e localizados, que uma edificação do tamanho e idade do hotel pode ter, sendo imprecisa sua localização. Observamos alguns problemas de estrutura externa devido, principalmente, ao tempo de existência da construção.

O ar externo quente e úmido pode entrar na edificação por portas, janelas sem sensores, portas de varandas com sensores danificados (relatos de várias que não estão funcionando), corredor (maioria dos andares sem climatização), escadas, elevadores e outras passagens. Lembrando que se o sistema de ar condicionado estivesse trabalhando em pressão positiva com relação ao ar externo, essas aberturas não seriam um problema para o crescimento de mofo.

Situação 7 – Outra situação verificada nas inspeções foi a baixa qualidade na manutenção e operação do sistema de ar condicionado. Os fancoletes inspecionados estavam muito sujos, alguns com bandejas de condensado entupidas e/ou com água acumulada. Conversando com o departamento de manutenção, verificou-se que a equipe atual é insuficiente para executar uma manutenção preventiva adequada, incluindo procedimentos de limpeza, em relação à quantidade de equipamentos existentes.

O equipamento de ar condicionado é um grande aliado à boa qualidade do ar, quando instalado e operando dentro das boas práticas. Quando isso não ocorre, o local vira um foco de proliferação de microrganismos. A serpentina e a bandeja de condensação são locais úmidos e devem ser mantidos limpos. O caimento correto da bandeja e a instalação de sifão são fundamentais para evitar acúmulo de água. Portanto, uma das hipóteses para o crescimento elevado de mofo na edificação é a falta de uma manutenção preventiva adequada.

Situação 8 – Verificamos que em alguns dos quartos inspecionados, os sistemas de exaustão do banheiro não estavam funcionando ou obrigava o hóspede a ligar o sistema de exaustão. Nessas situações, se o exaustor não estiver funcionando, o vapor de água gerado no banho vai contribuir para elevação da umidade relativa do ar interno e o consequente favorecimento do surgimento do mofo. Muitos hóspedes utilizam o banheiro com a porta aberta em quartos de hotéis.

Situação 9 – Analisando o procedimento de higienização de colchões e estofados dos quartos, verificou-se que a equipe de limpeza utiliza equipamento gerador de vapor d´água. E essa operação é feita dentro do quarto devido à dificuldade de transportar o mobiliário até outro local, dado o reduzido intervalo de tempo entre um hóspede e outro. Mesmo que essa operação ocorra eventualmente, a geração de vapor d´água dentro do ambiente é mais uma causa da elevação da umidade do ar.

Situação 10 – Verificando a especificação dos equipamentos de combate ao mofo em alguns quartos, conferimos no site do fabricante que o volume máximo do ambiente a desumidificar deve ser de 48 m³. Os quartos do hotel têm tamanhos a partir de 100 m³, mais que o dobro da capacidade de operação do equipamento.

Interpretação dos relatórios de ensaio

Foram realizadas diversas avaliações microbiológicas para detectar presença de fungos no ar e em superfícies. A estratégia de amostragem foi coletar em quartos com crescimento de mofo e outros quartos sem relatos de problemas para a devida comparação.

Os procedimentos laboratoriais, equipamentos utilizados e parâmetros estão detalhados nos relatórios de ensaio que fizeram parte do relatório de consultoria, conforme Figura 4.

Figura 4 – Avaliações microbiológicas

Conclusão

Como apresentado no relatório, temos várias situações encontradas no hotel que isoladamente ou em conjunto favorecerem ao crescimento do mofo dentro da edificação. A maior causa é a elevada umidade relativa do ar interno, devido ao clima quente e úmido da região, aliado a um sistema de ar condicionado com manutenção ineficiente e sem a adequada renovação do ar, obtendo um sistema úmido e sujo e um ambiente funcionando em pressão negativa.

Situações que favorecem o crescimento de mofo no hotel

Outras situações como sensores de porta com defeito, exaustão dos banheiros deficientes, vazamentos de tubulação de água e portas de acesso ao exterior sem proteção, também contribuem para o aumento da umidade dentro da edificação causando o crescimento de mofo nas superfícies.

Recomendações

As recomendações foram feitas considerando que o hotel irá passar por uma ampla reforma, inclusive com alterações nos sistemas de ar condicionado:

– Instalar sistema de renovação de ar que permita o tratamento do ar externo, principalmente em relação a desumidificação do ar. Esse processo deve ser feito por um projetista especializado em sistemas de ar condicionado e de acordo com a NBR 16.401 da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas.

– Instalar sistema de controle do ar condicionado nos quartos com sensores de umidade e temperatura. O objetivo é manter a umidade relativa do ar sempre abaixo de 65%.

– No projeto do sistema de ar condicionado, estudar a possibilidade de instalação de desumidificadores de ar.

– Executar uma limpeza completa dos equipamentos de ar condicionado dos quartos no mínimo anual, recomendando a periodicidade semestral. Este serviço deve ser feito por empresa especializada, pois a equipe de manutenção atual não tem recursos humanos em quantidade necessária.

– Instalar filtros de ar com classe F5 no mínimo, conforme determinado na NBR 16.401 – Parte 3 da ABNT.

– Manter um controle eficiente dos sensores de acionamento do ar condicionado das portas das varandas.

– Manter um controle eficiente dos exaustores dos banheiros, que devem ser acionados quando acender a luz do banheiro.

– Instalar sistema de purificação do ar nos quartos à base de fotocatálise. É uma tecnologia segura e comprovada de combate ao crescimento do mofo. Utilizar equipamento purificador de ar instalado no quarto que age através de hidroperoxidação do mofo e outros poluentes.

– Melhorar o processo de limpeza de colchões e estofados sem o uso de equipamento de geração de vapor de água dentro dos quartos.

– O departamento de manutenção deve ter um plano de ação bem definido com ações de correção em até 48 horas para casos de vazamentos ou infiltrações de água na edificação. Esse é o prazo que os fungos crescem e provocam a formação do mofo. Passado este prazo, deve ser feita uma avaliação por profissional qualificado para identificar a presença do mofo. Em caso positivo, fazer a remediação dentro de um plano de ação pré-definido.

– Preferir materiais com tratamento antifúngico, assim como nas tintas e revestimentos que serão utilizados na reforma do hotel.

Por Leonardo Cozac de Oliveira Neto, engenheiro civil e de segurança do trabalho, ex-presidente do Qualindoor, consultor certificado de qualidade do ar pela ACAC – American Council for Accredited Certification, delegado representante da Abrava nos EUA e diretor da Conforlab Engenharia Ambiental – leonardo@conforlab.com.br

Referências bibliográficas

Fonte: “The ASHRAE guide for Buildings in Hot and humid Climates” Página 91.

Mold Remediation in Schools and Commercial Buildings, do EPA – U.S. Environmental Protection Agency, Setembro de 2008.

Fonte: “The ASHRAE Guide for Buildings in Hot and humid Climates” Página 101.

Portaria 3.523 de 28/08/98 do Ministério da Saúde

Resolução 09 de 16/01/03 da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

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