Reuso de água condensada
Muito se comenta sobre a viabilidade de aproveitamento da água de condensação (A.C.) gerada nos sistemas de ar condicionado. A conclusão imediata é que, sem dúvida, é uma fonte de água de boa qualidade, baixo custo e que pode ser recuperada e reaproveitada em várias aplicações como reservatórios de incêndio, descargas de banheiros, jardins, limpeza de solo e, principalmente, como reposição em torres de resfriamento. Nos Estados Unidos a principal preocupação com utilização de A.C. em sistemas de irrigação e descargas de vasos sanitários, quando uma névoa de água pode se formar, é o de existir um potencial de contaminação por Legionella se esta água não estiver com tratamento eficaz no controle microbiológico. Por outro lado, em edifícios mais antigos, onde a infraestrutura civil e hidráulica necessária ao reaproveitamento é difícil, deve-se levar em conta o investimento necessário para o reaproveitamento de A.C. No final das contas, a decisão de recuperar a A.C. é uma avaliação do quanto será necessário investir, a quantidade de água recuperada e a diminuição da conta de água. Às vezes o ROI é longo e não vale a pena financeiramente. Sem dúvida nenhuma, os novos projetos de sistemas de ar condicionado devem incorporar infraestrutura para recuperação, armazenamento e reuso deste importante recurso.
Aproveitamento da A.C. em torres de resfriamento
Neste trabalho apresentaremos a alternativa de utilização da A.C. como reposição em torres de resfriamento. Atualmente se utiliza água tratada e potável como reposição das perdas por evaporação e arraste. Essa opção é considerada a mais cara possível, uma vez que o preço da concessionária pode chegar a R$ 35,00 / m³ na cidade de São Paulo. Considerando que as citadas perdas por evaporação e arraste variam em torno de 0,9 – 1,1% da vazão de circulação, podemos ter um alto quadro de água de reposição (Tabela 1).
Regra Prática de Vazão da Torre x TR
1 TR requer 3gpm ou 0,6 m³/h de vazão
Tabela 1: Reposição X Vazão X TR
Capacidade (TR) | Vazão Torre (m³/h) | Reposição (m³/h) |
100 | 65,0 | 0,5 – 0,6 |
300 | 195,0 | 1,4 – 1,8 |
500 | 320,0 | 2,5 – 3,0 |
Considerando um sistema operando 8h/dia, e 30d/mês, teremos um custo de água de reposição conforme expresso na Tabela 2.
Tabela 2: Custo de água de reposição X TR
Capacidade (TR) | R$ / dia | R$ / mês |
100 | 140,00 – 168,00 | 4.200,00 – 5.040,00 |
300 | 392,00 – 504,00 | 11.760,00 – 15.120,00 |
500 | 700,00 – 840,00 | 21.000,00 – 25.200,00 |
Cálculo do potencial de recuperação de A.C.
Como pudemos observar, a quantidade de água de reposição somente relacionada à evaporação e arraste é considerável. É bom lembrar que frequentemente são necessárias descargas adicionais para manter o ciclo de concentração em níveis não incrustantes, portanto, mais água de reposição pode ser necessária além do mostrado na Tabela 1. A pergunta importante é quanto desta água de reposição pode ser substituída pela A.C. recuperada. Algumas fórmulas sobre a A.C. gerada estão relacionadas com a quantidade de ar condicionado e a diferença da umidade relativa entre o ar captado e condicionado. Um exemplo deste cálculo é proposto por E. Boulware no livro “Alternative water and wastewater management system.”
Volume A.C. (gpm.) = Qar x ∆U.R
8,33 x V específico ar
Em que:
Qar = vazão de ar em ft³/min
Densidade = 8,33 Lb/gal
V específico = ft³/Lb
∆U.R. = diferença entre umidade específica
Considerando que a Qar necessária é em função da capacidade em TR, algumas regras básicas podem ser deduzidas desta fórmula. Assim, dependendo do ∆U.R., as proporções da Tabela 3 podem ser utilizadas.
Tabela 3: Geração A.C. X TR
1 TR: produz 0,1 – 0,3 galões (USA) |
1 TR: produz 0,6 – 1,0 L (Brasil) |
Recuperação de A.C. na sede da Chemgard
O trabalho de coleta de A.C. envolveu o prédio do laboratório, sala principal, onde existe um aparelho com capacidade de 18.000 BTU ou 1,5 TR. A A.C. foi coletada em uma bombona de 50 litros localizada no lado externo. A amostragem foi efetuada em períodos de uma semana, de segunda-feira a sexta-feira, com o aparelho funcionando das 8h00 às 17h00, sendo que a umidade relativa do período esteve em torno de 80%.
Tabela 4: Volume A.C. coletado
1ª. Semana
2ª. Semana 3ª. Semana |
38,2L
41,2L 39,2L |
MÉDIA | 39,5L por semana |
Assim, considerando o regime de trabalho, obtivemos o resultado: 0,66/TR. Resultado dentro dos padrões esperados pela Tabela 3.
Voltando à nossa tabela de água de reposição em função das TR e vazão da torre, se considerarmos o valor máximo da tabela 3 podemos estender esta proporção de recuperação de A.C. para sistemas comerciais, como mostrado na Tabela 5.
Tabela 5: TR X Vazão X Reposição X A.C.
Capacidade | Vazão torre (m³/h) | Reposição (m³/h) | Potencial A.C. (m³/h) | % A.C. em relação a reposição |
100 TR’s | 65,0 | 0,6 | 0,1 | 16,6 |
300 TR’s | 194,0 | 1,9 | 0,3 | 17,8 |
500 TR’s | 324,0 | 3,2 | 0,5 | 15,6 |
É possível que valores próximos de 20% de água de reposição possam ser economizados com a recuperação de A.C. Assim, poderemos calcular que para um preço de até R$ 35,00/m³ de água potável das concessionárias, poderemos estimar que se os sistemas operarem 8h/d e 30d/mês, teremos o quadro apresentado na Tabela 6.
Tabela 6: TR X Economia com A.C.
Capacidade (TR) | Economia água (R$/mês) | R$/ano |
100 | 720,00 | 8.640,00 |
300 | 2.448,00 | 29.376,00 |
500 | 3.600,00 | 43.200,00 |
Qualidade da água de condensação
Considerando que a A.C. gerada no equipamento de ar condicionado é proveniente da umidade do ar, seria esperado que a qualidade dessa A.C. seria próxima de uma água destilada ou desmineralizada, portanto algo com pH = 7,0 e Sólidos Totais Dissolvidos (STD) < 10,0 ppm.
Nas primeiras amostras, o resultado obtido foi de pH 6,8 e STD = 80 ppm, posteriormente outras amostras de várias unidades de ar condicionado da sede da empresa mostraram os resultados apresentados na Tabela 7.
Tabela 7: AC X pH / STD
Local | Amostra 1
pH / STD |
Amostra 2
pH / STD |
Amostra 3
pH / STD |
Amostra 4
pH / STD |
Sala diretoria | 4,8 / 43 | 6,0 / 55 | 6,5 / 40 | 6,0 / 75 |
Laboratório | 6,8 / 80 | 7,0 / 65 | 6,7 / 50 | 6,9 / 70 |
Considerando que o ar atmosférico é composto de ar seco + vapor d´água + impurezas. E também considerando que a tomada de ar nos aparelhos não são filtradas, o teor de STD certamente está relacionado com o material particulado, e o pH ácido, com poluição presente no ar atmosférico. Também foi observado material particulado na forma de sólidos em suspensão ( S.S.) que é diferente de STD, pois fica retido em filtros.
Posteriormente efetuamos amostragem em alguns clientes nossos e a composição de A.C. foi a apresentada na Tabela 8.
Tabela 8: AC X pH e STD em Edifícios Institucionais
Local | Capacidade (TR) | pH | STD |
Edifício escritório em SBC | 150 | 7.1 | 130 |
Edifício escritório na Chácara Sto.Antonio, SP | 120 | 8.2 | 125 |
Fábrica de doces em Vinhedo | 750 | 5.7 | 18 |
Edifício escritório na Avendia Paulista, SP | 300 | 6.7 | 72 |
Hospital na Lapa, SP | 500 | 6.0 | 83 |
Como conclusão dessas amostragens, observamos uma constante no teor de STD acima do esperado e um pH muitas vezes ácido, característica das impurezas do ar atmosférico. Observação: Constatamos que a Dureza Total (Ca + Mg) foi zero (0) em todas as amostras efetuadas.
Efeito da A.C. na corrosão
Quando coletamos as amostras, procuramos verificar o efeito da A.C. na corrosão em aço carbono. Para tal utilizamos cupons de prova Aço 1.020 padrão ASTM em 2 tipos de teste: imersão do cupom na A.C. e circulação da A.C. em estação de cupons de prova por períodos de 15 dias.
Interessante observar que o ataque ao cupom foi imediato e grande quantidade de Ferrugem (Fe2O3) entrou em solução e, após um período, a corrosão estabilizou. A taxa de corrosão nestas condições chegou a 12mpy e o teor de Ferro na solução foi maior que 40ppm.
Tc : 12 mpy / Fe t : 42 ppm
Em seguida 50L de A.C. coletados na sede foram colocados em um circuito de água circulante, operando 8h/dia durante duas semanas.
Após esse período, no qual não foi utilizado nenhum tratamento, obtivemos um resultado maior na taxa de corrosão, muito provavelmente devido a velocidade e aeração constantes.
taxa corrosão 17,2 mpy
Lembrando que a fórmula para cálculo da taxa de corrosão mpy significa milésimos de polegada de corrosão/ano, assim 1mpy = 0,0254 mm de desgaste/ano.
Taxas de corrosão acima de 5 mpy são considerados ruins e devem ser diminuídas com tratamento de inibidores de corrosão. A taxa de corrosão pode ser calculada pela fórmula:
Tc = 25,4mm/1.000
Em que:
K = constante para adaptar as diferentes unidades
∆p = perda de peso em mg com 4 casas depois da vírgula
D = densidade do cupom (g/cm³)
A = Área do cupom (pol²)
t = tempo de exposição (dias)
As reações de corrosão abaixo, bem como cálculo da taxa de corrosão foram extraídas do livro “Corrosion Engineering” de Mars G. Fontana.
Baixo pH
Devido à presença de H2CO3 , formado pela junção de umidade e CO2 proveniente dos gases de combustão de veículos (poluição):
Fe⁰ + 2 H2CO3 Fe (HCO3)2 + H₂
Fe(HCO3)2 + ½ O2 2Fe2O3 + CO2 + H2O
Corrosão por oxigênio dissolvido
A.C. é uma água aerada , com teor de Oxigênio por volta de 7 a 8 cc/l .
Fe⁰ + O₂ + H₂O Fe (OH)₂
Fe (OH)₂ + H₂O + ½ O₂ Fe (OH)₃
Fe (OH)₃ + ½ O₂ Fe₂O₃ (Ferrugem)
Como conclusão, a A.C. tem um alto potencial de corrosão, causado em menor escala por pH ligeiramente ácido e fundamentalmente por causa do teor de oxigênio dissolvido. Este potencial de corrosão é agravado pelo fato do A.C. não conter sais de Cálcio e Magnésio que ajudam a diminuir a tendência à corrosão.
Efeito da A.C. no crescimento microbiológico
Considerando o local em que a A.C. é gerada, a temperatura do processo e a presença de STD dissolvido, temos todas as condições para crescimento microbiológico, que são: água + temperatura + nutrientes. Assim, é de se esperar que a A.C. tenha um alto potencial deste problema. Muitas vezes, dependendo do tipo de equipamento em que a A.C. é gerada e acumulada, como bandejas de sistemas self-contained, além de pontos de retenção nas linhas – pontos baixos, “barrigas” de conduítes – o crescimento de todo tipo de microrganismo é esperado.
Um exemplo claro destes problemas foi observado na mangueira de A.C. de uma das salas da sede da Chemgard, como pode ser visto na Tabela 9.
Tabela 9: Condições para crescimento de algas:
Grupo | Exemplos | Temperatura ⁰C | pH |
Verde | CLLORELLA
SPIROGYRA |
30 – 35 | 5.5 – 8.9 |
Verde azulado | ANACYSTIS (lodo)
OSCILATORIA (Filamentoso) |
35 – 40 | 6.0 – 8.9 |
Tabela 10: Condições para crescimento de fungos:
Tipo | Exemplos | Temperatura ⁰C | pH |
Filamentoso | ASPERGILLUS
PENICILIAN |
0 – 38
0 – 38 |
2 – 8
5 – 6 |
Tabela 11: Condições para crescimento de bactérias:
Tipo | Exemplos | Temperatura ⁰C | pH |
Aeróbicas capsuladas | FLAVO BACTÉRIAS
PSEUDOMONAS |
20 – 40 | 4 – 8 |
Aeróbicas esporuladas | MYCOIDES | 20 – 40 | 5 – 8 |
Aeróbicas redutoras sulfato | DESULFOVIBRIO | 20 – 40 | 4 – 8 |
Relacionadas ferro | GALLIONELLA | 20 – 40 | 7 – 9 |
O crescimento microbiológico pode se alastrar para os equipamentos trocadores de calor relacionados aos equipamentos de condensação a água. São inúmeros, conforme as Tabelas 10, 11 e 12.
Tabela 12: Problemas causados por descontrole microbiológico
- Lodo microbiológico
- Depósitos e perdas na transferência de calor
- Corrosão
As Tabelas de 9 a 12, referentes às condições para crescimento microbiológico, foram extraídas do livro “Princípios de Tratamento de Água Industrial”, Drew Chemical Co.
Avaliação do crescimento microbiológico na A.C.
O estudo efetuado para avaliar os níveis de crescimento microbiológico foram baseados na coleta de amostras na sede da Chemgard e nos clientes em que as amostras mencionadas na Tabela 8 foram coletadas. A avaliação foi efetuada utilizando-se a técnica de lamino-cultivos e contagem de bactérias totais. Os resultados mostraram também neste caso uma similaridade no crescimento microbiológico.
Sede Chemgard
Laboratório | UFC / ml |
Amostra 1
Amostra 2 Amostra 3 |
10⁴
10⁵ 10⁵ |
Diretoria | UFC / ml |
Amostra 1
Amostra 2 |
10⁵
10⁶ |
Clientes Chemgard
Local | UFC / ml |
Hospital Lapa (SP) | 10⁵ |
Edifício na Paulista (SP) | 10⁶ |
Edifício em S.B. Campo | 10⁵ |
Controle de corrosão e crescimento microbiológico da A.C.
Considerando o potencial de corrosão e crescimento microbiológico, foi efetuado um estudo utilizando-se o mesmo sistema piloto de circulação, porém, com a inclusão de dosagem de inibido de corrosão e biocida no circuito de circulação. Também se manteve o uso de cupom e lamino-cultivo para comparar com o período sem tratamento. Optou-se por utilizar a tecnologia CVS, da empresa, baseada em produto químico sólido disponibilizado em refis por ser a opção da empresa para o mercado AVAC.
Inibição de corrosão
O inibidor de corrosão baseado em tecnologia PO4 / Zn é um programa tradicional e age na formação de filme unimolecular nas regiões catódicas e anódicas, diminuindo assim a tendência a corrosão.
Região catódica
(Cl)3-Zn + Fe° Zn-Fe-Zn-Fe ( filme protetor)
Região anódica
NaO-(PO4)x-ONa +Fe° Fe)-(PO4)x-Fe ( filme protetor)
Obs: Mecanismo de inibição extraídos do livro “Princípios de Tratamento de Água Industrial”, Drew Chemical Co.
O composto resultante como filme protetor é uma estilização resumida da verdadeira reação química. Tendo em vista a alta tendência do crescimento microbiológico apresentar, inclusive, consequências para a vida humana, optou-se por utilizar tecnologia com Biocida Oxidante, na forma sólida, à base de Triazina TriCloro para garantir que nenhum microrganismo patogênico pudesse resistir nas condições de circuito de circulação e, por extensão, quando A.C. reutilizada em torres de resfriamento.
Resultados obtidos
Controle de Corrosão
Condições de Tratamento
Residual PO4: 2– 10 ppm
pH : 7,5 – 8,5 |
Crescimento microbiológico
Condições de Tratamento
Residual HClO: 0,5 – 1,5 ppm
pH : 7,5 – 8,5 |
Conclusões
Qualidade da A.C.
A composição do ar atmosférico e aspectos de qualidade da filtração irão determinar a composição de água de condensação em termos de pH que, no caso de GSP, foi ligeiramente ácido, e um alto teor de sólidos dissolvidos, aproximando-se de uma água clarificada.
pH | 6,0 – 6,8 |
STD | 60 – 80 ppm |
Corrosividade da A.C.
A taxa de corrosão é alta devido tanto ao pH, alto teor de STD e nada de Dureza, característica que pode ser avaliada através do famoso Índice de Longelier, cujo valor negativo encontrado de -3,5 pode ser interpretado como sendo corrosivo. De qualquer maneira a taxa de corrosão encontrada mostra o potencial corrosivo: Tx corrosão sem tratamento 12 – 17mpy.
Crescimento microbiológico na A.C.
O potencial de crescimento microbiológico é alto em função das características da A.C. proporcionarem este desenvolvimento. Assim, o fato da água condensada ser aerada, ter contaminantes que proporcionariam os nutrientes nas temperaturas ideais para o crescimento de todo tipo de microrganismo, aponta para a tendência de alto crescimento microbiológico.
locais | UFC/ml |
variados | 10⁴ – 10⁶ |
Tratamento da A.C.
Neste trabalho, a finalidade foi a utilização da A.C. como reposição de torre de resfriamento, assim, não foram levados em conta os potenciais problemas que esta A.C. poderia causar ,se recuperada e reutilizada em outros setores, quando as condições de armazenamento e níveis de cloração deverão ser avaliados e revisados . Com relação ao programa de tratamento aplicado ser de tecnologia tradicional com PO4 e agente oxidante, porém, com aplicação diferenciada devido a sua apresentação em estado sólido, observou-se que os resultados obtidos para controle de corrosão e crescimento microbiológico foram dentro dos objetivos de tratamento de água.
Avalição | Resultados |
Tx corrosão (mpy)
Crescimento microbiológico (UFC/ml) |
3,0 – 5,0
< 10³ |
Edgar E. Watanabe, é engenheiro Químico e atua em tratamento de águas industriais desde 1.979, fundou a Chemgard em 2001 e em 2017 abriu uma filial da empresa no Estado da Georgia, EUA.