A trajetória de uma edificação, com suas várias expansões e retrofit, permite acompanhar a evolução das soluções de engenharia e tecnologias, assim como projetar uma visão de futuro, visando o balanço energético zero. Essa foi a nossa intenção ao publicar o presente relato do engenheiro Francisco Dantas, projetista do Shopping Guararapes e das suas principais ampliações (O editor)

Etapa inicial: 1993

O projeto original do Shopping Guararapes foi desenvolvido em 1992, tendo a instalação sido implantada durante o ano de 1993 e a operação iniciada em novembro daquele ano.

O projeto original contou com uma central de água gelada constituída por três unidades resfriadoras de água de potências unitárias 330 TR (1.161 kWt), operando com temperatura de suprimento a 7°C, diferencial de temperatura 11°C, e sendo dotada de arrefecimento a água com recirculação em três torres de resfriamento. Os resfriadores de água dispunham de compressor parafuso aberto diretamente acoplado a motor elétrico de alto rendimento, II polos, e operavam com refrigerante R22.

O projeto previu, também um tanque de termoacumulação do tipo labirinto, construído em concreto, com 3.500 m³, bem como, sistemas primário e secundário de condução e circulação da água gelada.

Na época da implantação existia um gabarito para as construções, que limitava a altura de edificações e equipamentos a 8,5 metros em relação à cota do meio-fio da rua, o que tornava impraticável a utilização de tanque vertical sob o conceito de separação por estratificação. Dessa forma, projetou-se um tanque do tipo labirinto, com dimensões 47m x 15m x 5m, subdividido em 47 células de dimensões 5m x 3m x 5m, acima do qual foram instaladas a CAG, as torres de resfriamento e a subestação elétrica.

Como o tanque era aberto para a pressão atmosférica, as bombas de água gelada foram instaladas no nível do fundo do tanque para evitar pressões de sucção negativas.

Para obter-se ganho de altura fez-se um rebaixo de 2m no fundo do tanque, em relação à cota do meio-fio, passando-se a dispor de 10,5m úteis, de modo que as torres de resfriamento não ultrapassassem a cota de limitação do gabarito de 8,5m.

Do lado do ar o sistema conta com onze centrais de tratamento de ar em gabinetes construídos com painéis frigoríficos, serpentinas em tubos de cobre e aletas de alumínio e ventiladores centrífugos air-foil de dupla aspiração, acoplados por polias e correias a motores elétricos de alto rendimento.

Embora não houvesse na época exigência da ABNT – NBR 6401 (dez 1980), já se adotou filtragem de ar em 2 estágios G3/F2 (na época disponíveis G0 a G4, F1 a F3). A filtragem de ar em 2 estágios, com filtros grosso e fino, só veio a ser exigida na revisão da Norma NBR 6401, a NBR 16401 (set 2008).

Ressaltamos que toda a área de coberta do shopping foi isolada termicamente com uma camada de isopor de 50mm de espessura, e, também, que toda a área do mall e praças dispõe de iluminação natural por claraboias, tendo sido utilizados vidros com coeficiente de sombreamento 0,27 e coeficiente U de condutância 2,9 W/m²×K.

Durante o dia a iluminação natural atende às necessidades, ficando o sistema de iluminação artificial desligado, somente atuando à noite, ou em dias chuvosos ou nublados, com acionamento e modulação por automatismo. Esses vidros foram adquiridos no mercado externo.

As tomadas de ar exterior para as lojas são feitas individualmente para cada loja, no teto falso, considerando que toda a área da coberta é naturalmente ventilada, uma vez que o entreforro tem o perímetro totalmente vazado na cota entre o teto falso e a coberta. O condicionamento das lojas é feito por unidades de tratamento de ar por expansão indireta específicas para cada loja, recebendo água gelada do shopping para operar no regime 7°C e Δt 11°C.

O tanque de termoacumulação atendia ao horário de ponta e complementava a carga, uma vez que a potência em tempo real da CAG era 990 TR e a carga de pico totalizava 1.400 TR.

Embora o ar exterior seja tratado misturado ao ar de retorno, a vazão para o mall é modulante, uma vez que o ventilador de captação e suprimento para a zona de mistura de ar recebe sinal da automação predial baseado na ocupação do shopping (DCV – sigla em inglês de Demand Control Ventilation). Esse sistema permite, ainda, substituir durante a madrugada ar interno supostamente a 1.000 ppm de CO₂ por ar externo supostamente a 400 ppm de CO₂, horário em que a entalpia do ar externo atinge os valores mais baixos.

Também as vazões de água nos circuitos secundários, que abasteciam as unidades de tratamento de ar das áreas comuns e lojas, eram variáveis em função da pressão diferencial nos coletores de sucção e de descarga, a depender da modulação das válvulas de controle de duas vias das unidades de tratamento de ar.

1ª ampliação: 1996

Em 1996 ocorreu a primeira ampliação do shopping, sendo incorporada uma loja âncora de âmbito nacional, novo setor de mall e lojas satélites. Para tanto, projetaram-se novas estações de tratamento de ar para o mall e pontos de água gelada para as lojas satélites e para a loja âncora.

Acresceu-se uma nova unidade de resfriamento de água à CAG, de potência idêntica às iniciais (330 TR), bem como, sistemas de bombeamento de água e torre de resfriamento, em dependências reservadas no projeto inicial para expansão. Nessa fase já se previu a possibilidade de edificação com 2 pavimentos e, assim, a instalação de suprimento de ar exterior foi centralizada, com dutos de suprimento, caixas de ventilação com filtragem e sistema de variação da vazão por demanda (DCV).

2ª ampliação: 2005

A segunda ampliação do shopping ocorreu em 2005, sendo incorporado um sistema multiplex com 12 cinemas, foyer, mall e algumas lojas satélites. Essa expansão demandou uma potência frigorífica de 375 TR, acarretando uma nova expansão da CAG, tendo a mesma recebido mais um módulo, compreendendo um novo chiller, torre de resfriamento e sistemas de bombeamento primário, secundário e de condensação. A partir dessa expansão passou-se a utilizar o refrigerante R-134a, tendo também sido substituídos os chillers da instalação inicial, por novos chillers equipados com compressores parafuso semi-hermétricos e refrigerante 134a.

Nessa etapa foi introduzido o conceito de unidades dedicadas ao tratamento do ar exterior (DOAS) e ampliado o conceito de controle da ventilação por demanda (DCV) provendo caixas VAV para modular a vazão de ar exterior nas diversas zonas, comandadas por sensor de CO₂ em cada zona. As unidades DOAS passaram a ser acionadas por variador de frequência, com sensor diferencial de pressão localizado no duto de descarga de ar do ventilador da unidade DOAS.

3ª ampliação: 2013

A terceira ampliação do shopping ocorreu em 2013, sendo acrescidos trecho de mall e conjunto de lojas satélites. Nessa ampliação foi incorporado o processo de desacoplamento total entre cargas e adotado processo ar-água de resfriamento, o qual consta de vigas frias ativas e piso frio radiante, para o mall, bem como, introduzido o processo de pré-tratamento do ar externo em recuperadores de calor, em contrafluxo com o ar de expurgo (ERV, sigla em inglês de Energy Recovery Ventilation).

As lojas receberam ponto de água gelada e ar exterior tratado, constando de filtragem de ar em 2 estágios, resfriamento e desumidificação, com temperatura de bulbo seco a 15°C e temperatura de orvalho a 7°C, o que permite às unidades de tratamento de ar operar com serpentina seca.

As lojas recebem água gelada à 5,5°C e a devolvem à 15,0°C. A temperatura do piso frio no mall é 20°C, sendo que toda a insuflação de ar é realizada com o ar desumidificado como ar primário para as vigas frias ativas. Nenhum outro duto de ar existe no mall, que não seja o suprimento de ar primário para as vigas frias ativas, dele constando o ar exterior de renovação.

Esse processo reduz em 65%¹ a vazão de ar para a climatização do ambiente, quando comparada à de sistema todo-ar equivalente, com idênticas reduções em unidades de tratamento de ar e em redes de dutos para condução do ar até as casas de máquinas remotamente situadas.

Considerando que cada m² de ambiente climatizado dispõe de 2m² (piso + teto) para uso como superfície radiante, essa superfície deixa de contribuir para aumento da carga térmica e passa a contribuir com potência útil de resfriamento. Além disso, majora o COP da instalação pois reutiliza a água gelada que já seria de retorno, maximizando a eficiência por elevar a temperatura da fonte fria e reduzindo a vazão e a potência dos sistemas de bombeamento de água, resultando em economia de 42%² no consumo energético.

Essa economia resulta de melhoria da eficiência termodinâmica do processo, não de melhoria da eficiência do chiller, seja ela mecânica, elétrica ou aerodinâmica. Se não se ativer à eficientização dos processos, é possível incorrer-se na aplicação dos equipamentos de maior eficiência disponíveis, sem que se obtenha a instalação de melhor eficiência energética.

O fato de tratar a carga térmica no próprio local onde ela é dissipada, conduzindo a água gelada até o local ao invés de conduzir o ar até à casa de máquinas, resulta em utilizar um tubo de 25mm de diâmetro, ao invés de um duto de 45 cm x 45 cm ³. Pode-se fazer uma analogia com o Sistema de Geração Distribuída (SGD) nominando-o como Sistema de Arrefecimento Distribuído (SAD). Nada mais coerente do que a energia, mesmo em diferentes formas, tenha processos de eficientização do uso semelhantes. Usa a massa construtiva da edificação como superfície de troca térmica, em substituição a equipamentos tradicionais de tratamento de ar. Ainda mais, o custo de manutenção do sistema ar-água é da ordem de 5% 4 do custo de manutenção do sistema todo-ar equivalente.

Em relação à CAG, nessa expansão foi acrescentado um novo módulo de potência 375 TR, a qual passou a contar com seis unidades resfriadoras de água e torres de resfriamento correspondentes, além dos sistemas de bombeamento de água gelada, primário e secundário.

Piso radiante e vigas frias na última ampliação

Esse sistema foi projetado para operar com temperatura de suprimento a 5,5°C e Δt a 13°C, tendo em vista o atendimento do sistema de frio radiante, com alimentação a 15°C e retorno a 18,5°C, constituindo-se num 4º passe da água gelada, após atender o 1º e 2º estágios das unidades de desumidificação do ar primário, bem como o processo de reaquecimento em ciclo run-around, com temperatura final de 15°C, para, em seguida, atender o sistema de frio radiante.

Vê-se que o shopping, após 20 anos de inaugurada a etapa inicial, continuou absorvendo nas ampliações as inovações tecnológicas emergentes, tanto em melhoria da qualidade do ar, como em melhoria da eficiência energética e em mitigação de impactos ambientais.

Retrofit: 2017

O retrofit da instalação após 25 anos de implantação da sua etapa inicial, teve como ponto importante a alteração ocorrida na legislação do cone de voo, que passou a permitir um gabarito de 13,5m de altura das edificações e equipamentos, em substituição ao gabarito de 8,5m da época da construção inicial do shopping. Salienta-se que o shopping situa-se nas imediações do Aeroporto Internacional dos Guararapes, daí a exigência em relação ao gabarito de ocupação, na altura.

Essa flexibilização permitiu a adoção de tanque cilíndrico vertical para o processo de armazenamento térmico, em substituição ao tanque original do tipo labirinto, executado em concreto e que já apresentava falhas de estanqueidade e de isolação térmica.

Ainda mais, as redes secundárias de distribuição de água gelada, com trajeto em cota subterrânea motivada pela limitação estabelecida pelo gabarito vigente na época da implantação da etapa inicial, já apresentava, também, deficiência de estanqueidade e de isolação térmica, pelo que se optou por elevar-se a cota de toda a rede de água gelada, a qual passou a ser posicionada na coberta do shopping.

Assim, todo o sistema secundário que atendia às duas primeiras etapas do shopping foi refeito, e incrementado com o uso de controles diferencias de pressão nos vários ramais e acoplamento a um único sistema de bombeamento da água gelada, em substituição aos seis sistemas anteriormente existentes.

Adotou-se, também, o processo de separação por estratificação para o novo tanque de termoacumulação, ora em implantação, pelas vantagens que se passou a obter em termos de pressurização dos circuitos hidráulicos, de elevação do aproveitamento volumétrico do tanque em relação ao do sistema tipo labirinto com 5 metros de profundidade e ausência de ar, o que inibe a corrosão.

Desse modo, projetou-se um tanque de 2.475m³ de volume, pressurizado, enquanto o tanque original tinha volume de 3.500m³. No retrofit foi acrescido à CAG um novo módulo de potência 565 TR, constando de unidade resfriadora de água com compressor centrífugo, torre de resfriamento e sistemas de bombeamento primário para a água gelada e para a água de condensação.

Esse novo módulo tem como propósito prover back-up, conferir maior confiabilidade e majorar a eficiência energética da instalação.

A instalação conta atualmente com sete módulos compondo a CAG, interligados entre si, cada um sendo composto por unidade resfriadora de água por compressão mecânica com acionamento elétrico, torre de resfriamento e sistemas de bombeamento, totalizando 2.635 TR (9.267 kWt), operando com energia adquirida no mercado livre (consumidor classificação A4, verde, livre).

Uma visão de futuro: 2019 em diante

A ideia é valorizar a viabilidade que o shopping possui para obter a autossuficiência energética no futuro a partir de fontes renováveis, transformando-se numa edificação NZEB (da sigla em inglês – Net Zero Energy Building), resultando numa versão disruptiva de abordagem dos grids energéticos.

Para isso, a sua concepção horizontal, o fato de possuir um site livre de sombreamento e a parcimônia aplicada ao uso da energia, reúne todas as condições de favorabilidade para um sistema solar assistido, bem como, possui, também, idênticas condições para usufruir de energia eólica, pela condição de vento abundante e inexistência de obstáculos que viessem dificultar a sua propagação pelo site do shopping, situado a poucos metros da orla marítima.

Essas condições propícias ao usufruto de energias renováveis, completam-se com a existência de sistema de termoacumulação, condição essencial para a viabilidade de um sistema, que pela característica da variabilidade de ambas as formas de energia, necessita de um processo de armazenamento para maximizar o usufruto das fontes, contrapondo-se aos desvios entre as magnitudes dos perfis energéticos de produção e consumo, no tempo.

Assim, previu-se a possibilidade de um segundo tanque de termoacumulação futuro, com 1.170m³ de volume, para acumulação de água quente que viabilizará a desumidificação do ar por adsorção, a partir de rotores dessecantes ativos com reativação por aquecimento solar assistido de baixa exergia, alcançável por coletores solares planos, os de menor custo inicial.

O processo de resfriamento do ar, com o conceito já introduzido de desacoplamento total entre cargas, poderá ser atendido pelos equipamentos disponíveis de compressão mecânica ativados por eletricidade, a qual poderá ser obtida por painéis solares fotovoltaicos e geradores eólicos, tendo o tanque de termoacumulação de água gelada como acumulador durante o dia, potencializando a capacidade de produção para prover as necessidades do consumo, apesar da variabilidade das fontes e da defasagem no tempo entre os respectivos perfis energéticos, da produção e do consumo.

Aliada a todas essas potencialidades, há ainda disponibilidade de gás natural no site do shopping, o qual abastece os processos de cocção em restaurantes e lojas de fast food, constituindo-se em mais uma fonte de energia disponível, mesmo que não renovável.

Francisco Dantas, engenheiro mecânico, consultor e diretor da Interplan Planejamento Térmico Integrado

Referências:

¹ ASHRAE CRC Presentation DOAS with Chilled Beam;
² VAV vs. Radiant Side-by-Side Comparison ASHRAE Journal May/2014;
³ ASHRAE/REHVA Active and Passive Beam Application Design Guide;
4 REHVA Chilled Beam Application Guidebook;

Veja também:

A cada noite uma nova prumada era conectada

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