Não é raro tomar-se, para o estabelecimento das condições de conforto térmico, apenas os parâmetros relativos ao controle de temperatura. Entretanto, é impossível desvincular esse aspecto da umidade relativa. Um ambiente com umidade relativa mais alta não necessariamente pode estar desconfortável, a depender da temperatura, mas a combinação de umidade relativa alta com temperaturas mais baixas que a temperatura do ponto de orvalho, pode favorecer a formação de colônias de microorganismos prejudiciais à saúde dos ocupantes. Por outro lado, a baixa umidade resseca o muco protetor que reveste as mucosas das vias aéreas do aparelho respiratório, o que destrói anticorpos e enzimas que atacam germes invasores.
Neste sentido, Mario Sérgio de Almeida, diretor da MSA Projeto e Consultoria e presidente do Departamento Nacional de Empresas Projetistas e Consultoras – DNPC Abrava, afirma que “o projetista de AVAC pode reduzir as sensações de excesso de frio ou calor pelo controle de umidade e não somente pela temperatura, e fazendo o controle da umidade separadamente da temperatura. Pelo controle das duas variáveis ao invés de somente uma, o sistema de AVAC pode se ajustar as condições que abrangem um largo espectro de diferentes tipos de corpos, atividades e vestimentas. Isto pode explicar porque o controle independente de umidade está ganhando popularidade em prédios comerciais e institucionais.”
“A ASHRAE estabelece o intervalo entre 30% e 60% de umidade relativa, combinada com temperaturas normais dos ambientes, tendo 24°C como referência, como sendo as melhores condições de conforto térmico para os ocupantes dos ambientes climatizados. Neste intervalo, tanto o crescimento de bactérias e organismos biológicos, como a velocidade para a qual as interações químicas ocorrem, são minimizados”, informa o consultor Francisco Dantas, diretor da Interplan Planejamento Térmico Integrado.
O também consultor Wili Hoffmann, da Klimatu, recomenda que a escolha do binômio temperatura e umidade relativa pode ser feita utilizando o método descrito na norma NBR 16401-2 que leva em consideração outras variáveis que interferem no conforto térmico. “Normalmente fica entre 35% e 65% por ser a faixa com a menor atividade microbiológica”, afirma.
Ainda segundo Almeida, a umidade afeta nosso conforto de inúmeras maneiras. “É um fator em nosso balanço energético, sensação térmica, umidade da pele, desconforto, sensação térmica de tecidos, saúde e percepção da qualidade do ar. Em 1996, ASHRAE Standard 55-1996 (Thermal Environmental Conditions for Human Occupancy) introduziu uma definição de conforto térmico e que tem sido largamente utilizada que diz: ‘Conforto térmico é aquela condição da mente que expressa satisfação com o meio ambiente térmico’. Esta definição implica que o conforto é um julgamento cognitivo que envolve muitos fatores de entrada e é um resultado físico, fisiológico e processo psicológico.”
“A umidade”, continua o presidente do DNPC, “afeta a evaporação da água das membranas mucosas e superfícies sudoríparas e sua difusão através da pele. Por sua vez, evaporação afeta o balanço de energia e assim a temperatura do corpo e sensação térmica. Quando os processos de evaporação da pele são comprometidos ou aumentados, a temperatura da pele muda, o que é diretamente detectado pelos sensores de temperatura da pele. Embora as pessoas sedentárias dependam muito menos da transpiração para o equilíbrio térmico do que quando operam em níveis mais altos de atividade, a umidade ainda tem um efeito direto significativo.”
Dantas explica que uma pessoa em atividade moderada gera cerca de 80g de vapor d’água por hora, sendo que num ambiente com umidade do ar controlada, esse vapor passa espontaneamente para o ar. “Admitamos o ar insuflado com conteúdo de umidade 8 g/kg, então seria necessária uma vazão mássica de ar de 60 kg/h, para manter a umidade em 50%, considerando uma temperatura de 24°C. As pessoas sentem-se confortáveis, pois o ar adsorve o vapor, não permitindo a sua liquefação e o escorrimento, que causaria desconforto. No caso de acontecer essa ocorrência, mesmo num ambiente com temperatura controlada, não se constituiria em ambiente termicamente confortável, se não tivesse, também, o controle da umidade. Não há como separar umidade e temperatura. Estão intimamente ligadas e não definem, por si sós, a condição de conforto térmico. Esse depende, ainda e também, da velocidade do ar no recinto e da temperatura média radiante no entorno da zona de ocupação”, sentencia.
“A umidade relativa abaixo do limite inferior recomendado (30%) implica na geração de eletricidade estática, podendo provocar até faíscas pela fricção entre materiais, por exemplo, entre os calçados e os carpetes. Com relação ao conforto térmico, ressecaria exageradamente as mucosas das vias respiratórias, glúteas e visuais, provocando desconforto por sensações de ardência”, diz Dantas.
“O ar úmido encerra uma relação íntima entre a umidade e a temperatura não sendo possível dissociá-la. Para entender como ocorre a interação entre estas e as demais variáveis (umidade absoluta, entalpia, temperatura de bulbo úmido, massa específica, pressão atmosférica) envolvidas no ar úmido é preciso usar ferramentas de cálculos psicrométricos que possibilitam calcular com precisão como será esta interferência de uma variável na outra. A carta psicrométrica (veja figura 1) é bastante útil para visualização destas interações, facilitando o entendimento das transformações, energia envolvida, seleção de equipamentos entre outros”, recomenda Hoffmann.
Papel do projetista
O diretor da Interplan considera que o papel do projetista é “cientificar-se da importância do controle da umidade, na qualidade do ar interior, e sua interferência para o benefício, ou malefício, em relação a saúde e ao bem-estar dos ocupantes, não devendo transigir na obtenção desses valores, por questões de contingenciamento de investimento, e tendo a consciência de que o maior valor envolvido está no ocupante e que o valor inicial investido, para ter o melhor resultado, será rapidamente ressarcido pelo total desempenho cognitivo do ocupante da estação de trabalho e pela redução do absenteísmo, em razão de mitigação de doenças transmissíveis pelo ar.”
“O projetista deve primeiramente ajudar o usuário a definir e documentar qual deve ser a umidade relativa e temperatura do ambiente para o qual o projeto vai ser feito entre outros requisitos de projeto. Deve se utilizar das ferramentas psicrométricas para estudar as transformações termodinâmicas no ar para manter as condições desejadas sob controle. Ambientes que precisam de controles mais rígidos de umidade relativa, normalmente gastam mais energia, por isso é recomendado que a avaliação da real necessidade seja feita de forma criteriosa, e o projetista é fundamental neste momento”, alerta Hoffmann.
Francisco Dantas defende a necessidade de conceber um sistema com controles independentes para a temperatura e a umidade, correspondendo a um sistema com cargas desacopladas. “O controle da temperatura seria realizado por modulação da capacidade de resfriamento, seja um sistema de expansão indireta, ou de expansão direta, atuando sobre um sistema de resfriamento sensível. Aplicação pura da mecânica dos fluidos; para cada valor da carga, uma potência equivalente. Já o controle da umidade seria feito pela relação de umidade em g/kg de ar seco, considerando que somente os equipamentos de desumidificação executariam esse controle. Considerando que isso corresponde, na maioria dos casos, apenas às unidades DOAS de tratamento do ar exterior, o controle da umidade estaria garantido, pois a vazão exclusivamente de ar exterior não seria suficiente para subresfriar o ambiente, sem o que seria necessário empregar o processo ineficiente de reaquecimento, para evitar o subresfriamento do ambiente abaixo da temperatura de conforto térmico.”
Assim, para ele, o ideal é optar pelo uso de sistemas de resfriamento com dupla temperatura, a mais baixa para a desumidificação e a mais alta (acima da temperatura de orvalho do ambiente climatizado) para o resfriamento sensível. A prática resultaria numa redução da ordem de 30% no dispêndio de energia primária para a climatização, decorrente da otimização termodinâmica por elevar a temperatura da fonte fria de cerca de 80% da potência térmica necessária do sistema. “Para isso é essencial a preparação psicrométrica proporcionada pelo desacoplamento entre cargas. A racionalização dos processos de controle independente entre temperatura e umidade (THIC), através do emprego do processo de desacoplamento total entre cargas, não leva a acréscimo de custo, pois há simultaneamente deságios de custos evitados que compensam ágios de custos iniciais a maior (unidades DOAS)”, completa.
Processos de umidificação e desumidificação
“Existem dois processos para retirada da umidade do ar. O primeiro é o termodinâmico, no qual se faz o resfriamento do ar úmido para uma temperatura menor do que sua temperatura de ponto de orvalho através de uma superfície fria (apparatus dew point), com ou sem troca de massa. Outro processo é o de desumidificação química (uso de dessecante) mais utilizado quando exigidas menores umidades relativas. Neste caso há uma combinação com a desumidificação termodinâmica. Normalmente o processo de desumidificação química, com uso de dessecantes, é mais custoso para instalação e operação, por isso são utilizados em processos mais exigentes quanto à umidade”, completa Hoffmann.
Danilo Santos, gerente de vendas da Munters, entende que, assim como a temperatura, a umidade é um importante vetor de conforto ou desconforto para o ser humano. “No entanto, em função da complexidade para entendimento e dificuldade de implantação (e porque não dizer, custos), muitas vezes seu controle efetivo é deixado de lado nos projetos. Entretanto, o mercado dispõe de diversos tipos de soluções de simples implementação e, principalmente, de viabilidade econômica.”
O gerente da Munters observa que para garantir o conforto é necessário controlar a umidade. No entanto, ele observa que é comum encontrar escritórios de alta ocupação em que a temperatura está dentro da faixa recomendada, porém a umidade relativa está em patamar acima dos 70%, particularmente na meia-estação. Não raro, segundo ele, na tentativa de corrigir o problema, recorre-se à redução da temperatura do local, gerando, além de mais desconforto, maior consumo de energia.
Santos diz que as estratégias para controle de umidade dos ambientes variam de acordo com os parâmetros de controle. “De uma forma geral, para aplicações que visam condições de conforto a adoção de sistemas DOAS com roda dessecante para 100% do ar externo proporciona o controle efetivo da umidade relativa interna, além de reduzir significativamente o consumo de energia, se o comparamos ao sistema convencional de resfriamento + reaquecimento, o que chamamos de ‘força bruta’, inclusive nos projetos de climatização de centros cirúrgicos. Para a tecnologia dessecante há diversas alternativas desenvolvidas nos últimos anos: reativação através do calor rejeitado por sistema DX do pré-resfriamento (utilizado nos equipamentos DOAS), reativação através de calor residual de sistemas de geração de vapor ou água quente, entre outras. O impacto do custo dos desumidificadores varia em função do tamanho do empreendimento, porém é possível minimizá-los através da correta seleção do equipamento e da escolha da matriz de energia a ser utilizada”, completa.
Almeida explica que para controlar a umidade são necessários dois tipos de de equipamentos: desumidificadores e umidificadores. “Desumidificar é simples. Coloque bastante ar seco no prédio para absorver o excesso de umidade. Devido a essa simplicidade, o público em geral fica às vezes surpreso e incomodado quando os sistemas de ar condicionado têm dificuldade em controlar a umidade durante o tempo úmido. Mas um projetista de AVAC pode entender facilmente a confusão. Os edifícios comerciais possuem equipamentos de resfriamento que têm um efeito de desumidificação modesto durante algumas horas, reduzindo os piores extremos de umidade. No entanto, esse equipamento é dedicado ao resfriamento e controlado pela temperatura. Ele só irá moderar a umidade – não irá controlar. Quando o proprietário necessita controlar a umidade dentro de um intervalo definido, o prédio precisa de equipamentos dedicados especificamente à remoção do excesso de umidade – um desumidificador e seus controles associados. Para desumidificar podemos recorrer a desumidificadores mecânicos (evaporador, condensador, compressor), dessecantes ativos (roda dessecante e sistema de reativação), sistema de líquido dessecante, rodas entalpicas, trocadores de ar de placas, e outras tecnologias. Para umidificar podemos recorrer a sistemas de umidificação isotérmicos (boilers, geradores de vapor) ou adiabáticos (superfícies umedecidas, atomizadores, vaporizadores) que são utilizados em projetos específicos ou em climas de baixa umidade relativa do ar como por exemplo o Planalto Central do Brasil. Quando o controle de umidade está estabelecido dento de limites rígidos e específicos, assim como nos limites de baixa umidade (em torno de 20% ou menos) o custo da instalação será mais dispendioso e exigirá em determinados casos equipamentos com tecnologia específica (rodas dessecantes, por exemplo). Por esta razão é muito importante definir com o proprietário os parâmetros a serem adotados na instalação para evitar surpresas futuras.”
Da redação
redação@nteditorial.com.br
Veja também:
Estratégias de projeto para o controle de umidade
Para cada aplicação uma faixa de tolerância no controle de umidade
PMOC é ferramenta para cumprir os requisitos para a qualidade do ar