Durante o processo de análise de viabilidade de um sistema de água gelada, uma tarefa importante é a comparação entre diferentes tipos de chillers que podem ser aplicados naquele projeto e qual a melhor alternativa. Muitas vezes os estudos analisam apenas o custo inicial e eventualmente incluem a avaliação da eficiência energética. Mas a melhor alternativa pode envolver vários quesitos:
- Custo inicial de investimento;
- Eficiência energética (custos de consumo de energia);
- Consumo de água;
- Custos de manutenção do equipamento;
- Custos de manutenção dos demais componentes do sistema de água gelada;
- Área total ocupada pela central de água gelada (chillers, bombas, torres de resfriamento, painéis elétricos e demais componentes);
- Vida útil do equipamento;
- Relacionamento do cliente com o fabricante do chiller;
- Preferência pessoal do cliente.
No entanto, é muito importante que a análise seja realizada de maneira independente, preferencialmente pelo consultor responsável pelo projeto.
As comparações mais comuns envolvem comparações entre chillers com diferentes tipos de compressores (ex. centrífugo vs. parafuso) ou entre chillers com condensação a água e condensação a ar.
Outra comparação um pouco mais complexa é entre chillers com ciclo de compressão a vapor, com motores elétricos, e chillers com ciclo de absorção, que podem ter diferentes tipos de fontes térmicas para o aquecimento do gerador do chiller.
A Tabela 1 mostra um comparativo de requisitos mínimos de eficiência energética para vários tipos de chillers, estabelecidos pelo ASHRAE Standard 90.1-2016 SI. Os chillers com ciclos de absorção possuem COP muito baixo (normalmente entre 0.7 e 1.5 para chillers que utilizam a solução LiBr-H2O), porém, considerando que o custo da fonte de energia térmica pode ser muito menor que o da energia elétrica (e até gratuito quando a fonte de calor for rejeito de outro processo), esta poderá ser uma alternativa extremamente atrativa economicamente para determinadas aplicações.
A Tabela 2 apresenta o resultado de um estudo comparativo entre algumas opções de chillers, incluindo condensação a água e condensação a ar e ciclo de compressão a vapor e ciclo de absorção.
A seguir as considerações específicas para este estudo (tabela 2):
- Todos os chillers foram selecionados para uma capacidade efetiva de 1.583 kW (450 ton);
- Os chillers elétricos foram selecionados de acordo com os requisitos do AHRI Standard 551/591-2015 (SI). Os chillers com ciclo de absorção (opções 4 e 5) foram selecionados de acordo com o AHRI Standard 560-2000. Todos, porém, nas mesmas condições de água gelada e água de resfriamento;
- Para as opções 01, 02 e 03 foram utilizados como referência de eficiência energética os requisitos mínimos de COP e IPLV do ASHRAE Standard 90.1-2016 SI, conforme indicado na Tabela 1 (para capacidade de 1583 kW). Os índices utilizados para todos os chillers com motores elétricos foram conforme a opção 2 (“Path B”, no original em inglês), considerando que todos os chillers possuem motores com inversores de frequência. Para estes não foram utilizados resultados de selecionamento de fabricantes;
- Nas opções 05 e 06 foram utilizados chillers de “Alta Eficiência”, uma vez que os requisitos do ASHRAE Standard 90.1-2016 SI para os chillers com condensação a ar e com ciclos de absorção são relativamente baixos em relação aos melhores equipamentos do mercado. Na opção 04, com compressor centrífugo e condensação a água, também foi selecionado um equipamento de alta eficiência disponível no mercado;
- O chiller com ciclo absorção selecionado é de duplo-efeito e utiliza como fonte de calor para o gerador a queima direta de gás natural. Esta é a opção mais comum para chillers com ciclo de absorção aplicados em sistemas para edifícios;
- Para todos os chillers com condensação a água foi inclusa na análise a vazão de água de resfriamento, que é muito maior para os chillers com ciclo de absorção que nos chillers elétricos (devido ao baixo COP, o calor rejeitado é muito maior). Quanto maior o calor rejeitado e a vazão de água de resfriamento, maiores as perdas de água por evaporação na torre de resfriamento;
- A perda de pressão no circuito de água de resfriamento do chiller com ciclo de absorção é maior, pois são dois trocadores em série (absorvedor e condensador), normalmente entre 80 e 100 kPa, contra 30 a 50 kPa típicos dos condensadores dos chillers elétricos. A ser verificado em um caso real;
- As torres de resfriamento foram selecionadas com base nas condições de operação típicas para sistemas de ar condicionado (35,0ºC/ 29,5ºC/ 24,0ºC). Eventualmente os fabricantes dos chillers com ciclo por absorção podem definir um diferencial de temperatura de água maior para reduzir a vazão de água de resfriamento. No caso dos chillers elétricos, também já se verifica que estas condições típicas não são as mais eficientes quando se realiza uma análise total, envolvendo chillers, BACs e torres de resfriamento, quando se considera a variação da TBU do ar externo local ao longo do ano. A ser verificado em um caso real;
- Para o cálculo do consumo de energia dos chillers foi arbitrado um fator médio de carga parcial do sistema de 0,59, ou seja, foi arbitrado que na média anual, durante o funcionamento do sistema, a capacidade do chiller foi de 59% da capacidade de projeto, que é a capacidade média ponderada de um chiller ao longo do ano, considerando os pesos do IPLV. Para um cálculo real seria importante levantar a energia térmica de resfriamento acumulada (kWh) ao longo do ano, durante o período de funcionamento do sistema, a partir do perfil de carga térmica anual;
- Para o cálculo do consumo anual estimado de energia elétrica dos chillers foi utilizado o IPLV (considerando a variação da TBU ou TBS do ar externo conforme a porcentagem de carga) a partir de um sistema operando 12 horas/ dia, durante 20 dias no mês e por 12 meses. Para os demais equipamentos elétricos (bombas de água gelada do circuito primário, bombas de água de resfriamento e ventiladores das torres de resfriamento) foi considerada a operação contínua (sem considerar inversores de frequência) para o mesmo período de funcionamento dos chillers.
- Deve-se observar que, devido aos fatores de cálculo definidos pelos AHRI Standards, o IPLV é um valor totalmente fictício para um equipamento. Sempre que possível, deve-se utilizar um PLV específico (por exemplo, o SPLV envolvendo todos os equipamentos do sistema), com base nas condições climáticas do local, considerando as horas reais de operação do sistema, que resultará numa distribuição real de ponderação das cargas parciais, ou ainda uma simulação energética do sistema ao longo do ano, durante os horários de funcionamento, o que certamente trará resultados mais próximos do real;
- Para o cálculo do consumo de gás natural (chillers com ciclo de absorção) também foi arbitrado o fator médio de carga parcial do sistema de 0,59;
- Nos chillers com condensação a água, para o cálculo do consumo de água de reposição na torre de resfriamento foi considerado 1,3 L/h por kW de calor rejeitado e o fator médio de carga parcial do sistema de 0,59. Para um caso real, os fornecedores das torres devem informar os valores específicos de taxa de reposição de água;
- A relação da água de reposição deve ser calculada com base no calor rejeitado (que é variável ao longo do ano) e não com base na vazão de água na torre (normalmente um valor fixo). A equação a seguir se refere ao cálculo das perdas por evaporação em uma torre de resfriamento:
Onde:
- Gl0 = Perda de água por evaporação (m³/h);
- Gl = Vazão da água de resfriamento (m3/h);
- t1 = Temperatura de entrada da água na torre de resfriamento (ºC);
- t2 = Temperatura de saída da água na torre de resfriamento (ºC);
- h1 = Entalpia do ar na entrada da torre de resfriamento (kJ/kg);
- h2 = Entalpia do ar na saída da torre de resfriamento (kJ/kg);
- x1 = Umidade absoluta do ar na entrada da torre de resfriamento (g/kgar seco);
- x2 = Umidade absoluta do ar na saída da torre de resfriamento (g/kgar seco);
Para o cálculo do custo do consumo de energia elétrica foi utilizada a tarifa Verde de energia elétrica aplicada para instalações comerciais, do subgrupo A4 (2,3 kV a 25 kV), para a cidade de São Paulo (ENEL), vigente em 05/2019, com os seguintes valores:
Demanda = R$ 11,17/kW;
Consumo – TUSD Fora da Ponta = R$ 0,05728/kWh;
Consumo – TUSD na Ponta = R$ 0, 47503/kWh;
Consumo – TE Fora da Ponta = R$ 0,25808/kWh;
Consumo – TE na Ponta = R$ 0, 41154/kWh;
Após o cálculo do custo do consumo de energia elétrica foram adicionados os impostos (ICMS, PIS e COFINS);
A opção pelo mercado livre de energia poderia trazer reduções consideráveis nos custos de consumo de energia (tipicamente entre 15% e 25%), mas não foi possível nesse estudo tentar simular um valor específico ou estabelecer índices para parametrização de apenas um chiller, pois seria necessária uma análise do consumo de energia anual de todo o empreendimento.
Para o cálculo do custo do consumo de água foi utilizada a tarifa aplicada para instalações comerciais normais para a cidade de São Paulo (SABESP) no valor de R$ 20,42/m³ (vigente em 05/2019). Foi considerada apenas a tarifa de consumo acima de 50 m³/mês, uma vez que, em qualquer uma das opções, estima-se um valor superior a 300 m³/mês;
Também foi considerada a tarifa de lançamento de esgoto, no mesmo valor (R$ 20,42/m³ – vigente em 05/2019), exceto na opção 04. É importante observar que se houver um medidor de consumo de água dedicado apenas para a água de reposição na torre de resfriamento e outro medidor no dreno, é possível obter a isenção da cobrança da tarifa de esgoto para o valor da diferença;
No caso da opção 04, foi considerado apenas o consumo de água de reposição, sem consumo de água para o esgoto. Como resultado, o valor total relativo ao consumo de água reduziu pela metade;
Outras opções de fontes de água de reposição para a torre de resfriamento, tais como água de poço ou água de reuso podem diminuir o valor dos custos operacionais com os chillers com condensação a água. Porém é necessária uma análise mais rigorosa, uma vez que nestes casos será necessário acrescentar na reposição a perda resultante da drenagem contínua na bacia da torre, que pode ser muito alta. Em estudos de casos realizados em São Paulo, o consumo de água mensal de água de reposição para torres de resfriamento utilizando água de reuso aumentou cerca de 1,9 vezes em relação ao consumo mensal utilizando água da rede pública. Além disso, foi verificado um aumento da incrustação nos condensadores dos chillers e enchimentos das torres, o que implicou em aumento significativo do consumo de energia;
No caso de chillers com condensação a ar, há alguns custos operacionais não considerados aqui, mas que podem ser muito relevantes, tais como:
Devido à ocorrência frequente de microvazamentos de fluido refrigerante nas serpentinas dos condensadores, o desempenho real do chiller pode ser significativamente reduzido. Tipicamente, um chiller que opera com 90% da carga de fluido refrigerante de projeto, tem como resultado uma perda de 7% no COP. Em equipamentos operando com R-407C, este impacto é ainda maior (quase 10% de perda no COP), pois se trata uma mistura zeotrópica;
A tendência de aumento de incrustação nas serpentinas dos condensadores ao longo do tempo de operação é bem maior do que em chillers com condensação a água, o que resulta em maior consumo de energia real. Tipicamente, a cada 1°C de aumento na temperatura de condensação em chillers com condensação a ar, utilizando R-134a, há uma perda de 4% no COP. Ao longo dos anos, a experiência pessoal mostra que, em análises operacionais de chillers com condensação a ar (entre cinco e dez anos de operação), é normal verificar um aumento de 3°C a 5°C na temperatura de condensação, mesmo com contratos de manutenção efetivos. Já em chillers com condensação a água, isso ocorre apenas quando a manutenção é inadequada ou quando se utiliza água de reuso, além de ser um problema muito mais fácil de corrigir e de menor custo de correção;
A vida útil típica de um chiller com condensação a ar é de 18 a 20 anos, e de um chiller com condensação a água é de 25 anos. Uma das principais causas da degradação é o baixo desempenho dos compressores e aumento de avarias, muitas delas resultantes da baixa carga de fluido refrigerante e do aumento da incrustação nos condensadores;
Para o cálculo do custo do consumo de gás natural foi utilizada a tarifa com ICMS aplicada para sistemas de refrigeração para a cidade de São Paulo (Comgás). Para o estudo, foram utilizadas as Classes 1 e 2 (tabela progressiva por faixa de consumo mensal) conforme indicado na Tabela 03.
A seguir, alguns comentários sobre o resultado do estudo comparativo:
- Para os chillers com o padrão de referência ASHRAE 90.1-2016 SI, a opção 01 foi a melhor – chiller com compressor centrífugo, com motor elétrico e condensação a água – porém, o custo final de operação para as três opções foi muito próximo;
- Para os chillers de alta eficiência, a opção 05 foi a melhor – chiller com compressor parafuso, com motor elétrico e condensação a ar.
- O resultado favorável para a opção 04 – chiller com compressor centrífugo, com motor elétrico e condensação a água – indicado na Tabela 02 foi devido ao contrato especial de medição de consumo de água, com medidor dedicado de consumo de água de reposição;
- Caso for aplicado o mesmo contrato para as demais opções com condensação a água, a opção 01 também terá um custo total menor que a opção 05.
- A opção 06 – chiller com ciclo de absorção – se mostrou mais onerosa que as demais, o que indica que a aplicação de chillers com queima direta de gás natural, em princípio, não é uma boa opção para aplicações em edifícios comerciais;
- No entanto, os fornecedores de gás natural oferecem contratos de longo prazo e algumas vezes sem nenhum custo de investimento inicial para o fornecimento dos chillers, o que pode tornar esta opção atrativa para o empreendedor, mas ao longo do tempo pode ser onerosa para os usuários do sistema (que pagarão efetivamente a conta de energia). Neste caso é muito importante realizar um estudo do custo total do sistema (ao longo de sua vida útil). Também é importante verificar a tarifa contratual, que pode ser bem menor no início do contrato, mas exige um consumo mínimo de gás (baseado na capacidade total), ou que pode ser menor apenas por um período curto de operação (por exemplo, cinco anos). Recomenda-se um estudo do perfil anual de carga térmica do edifício (não superdimensionado) e um contrato tarifário bem definido, válido para a vida útil do sistema;
- No estudo em questão, para a opção 06 ser melhor que a opção 01, a tarifa do gás natural deveria ser reduzida de R$ 2,127/Nm³ para R$ 0,403/Nm³, uma vez que as tarifas de consumo de energia elétrica e consumo de água já estão previamente definidas;
- No estudo em questão, para a opção 06 ser melhor que a opção 01, considerando a tarifa vigente para o gás natural, o COP/ IPLV do Chiller com ciclo de Absorção deveria ser de pelo menos 3,471 kW/kW, o que ainda não é possível;
- Quando a fonte de energia para aquecimento do gerador do chiller com ciclo de absorção for rejeito de calor de outro processo (cogeração, gases de queima de outro processo, água quente de resfriamento de motores de combustão ou turbinas, queima de resíduos sólidos etc.), que resulte em custo mínimo, esta pode ser a melhor opção.
Referências/ Bibliografia:
- Cleto, L.T. – Manual sobre Sistemas de Água Gelada – Volume III – Análises Técnico-Econômicas e Estratégias de Otimização de Sistemas – pag. 18-25 – Ministério do Meio Ambiente – Secretaria de Mudança do Clima e Florestas – Departamento de Monitoramento, Apoio e Fomento de Ações em Mudança do Clima – 2017.
- ANSI/ASHRAE/IESNA Standard 90.1-2016-SI – Energy Standard for Buildings Except Low-Rise Residential Buildings – American Society of Heating, Refrigerating and Air Conditioning Engineers (ASHRAE);
- AHRI Standard 551/591-2015-SI – Performance Rating of Water-chilling and Heat Pump Water-heating Packages Using the Vapor Compression Cycle – Air Conditioning, Heating and Refrigeration Institute (AHRI);
- AHRI Standard 560-2000 – Absorption Water Chilling and Water Heating Packages – Air Conditioning, Heating and Refrigeration Institute (AHRI).
- ENEL – Resolução Homologatória Nº 2412 da ANEEL – Tarifas para o Fornecimento de Energia Elétrica– 04/07/2018.
- SABESP– Deliberações ARSESP nº 858 e 859 – Comunicado 5/19 – Tarifas de consumo de água e esgoto – 10/04/2019;
- COMGAS – Deliberação ARSESP nº 852 – Tarifas do Gás Natural Canalizado – Sistemas de Refrigeração – 26/02/2019.
Leonilton Tomaz Cleto, diretor da Yawatz Engenharia Ltda e Vice-Presidente de Eficiência Energética da ABRAVA
*O presente estudo foi extraído do Manual sobre Sistemas de Água Gelada – Vol. III – item 1.3. A versão aqui apresentada inclui algumas correções importantes (com a inclusão da tarifa de consumo de energia elétrica (TE) no cálculo dos custos, omissão crassa) e modificações nas opções de comparação, com a utilização de novos exemplos, além da atualização dos valores das tarifas.
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