Alguns dos chamados refrigerantes naturais, como a amônia (NH3) e o CO2 (R-744), eram largamente utilizados na refrigeração até o início do século XX, quando passaram a ceder espaço para os sintéticos (CFCs). Já os hidrocarbonetos, principalmente o propano (R-290) e o isobutano (R-600a), entraram na pauta da refrigeração comercial e residencial a partir dos anos 1980.
Marcos Euzébio, engenheiro de aplicação da Bitzer, lembra que CO2 é aplicado no Brasil há mais de 12 anos, com milhares de técnicos já treinados, o que facilita muito a continuidade de seu crescimento. “O preço do quilo gira em torno de U$2,50 e a eficiência em baixas temperaturas de evaporação é excelente. Não é um refrigerante drop-in, portanto é uma opção apenas para novos projetos, que pode utilizar configuração tipo subcrítica (em cascata, o que requer outro sistema para realizar sua condensação) ou configuração tipo transcrítica, com a vantagem de ser aplicado como fluido único, com maior grau de complexidade mas, atualmente, em estado de arte com eficiência superior aos antecessores sintéticos. Sistemas com CO2 podem ser aplicados em baixa e média temperatura de evaporação, com excelente resposta tanto com respeito à eficiência quanto aos custos anuais de manutenção. O CO2 (R744) apresenta propriedades termodinâmicas distintas aos tradicionais halogenados, sendo que a pressão é uma das principais diferenças, o que exige dos projetos algumas particularidades necessárias, mas já muito bem conhecidas dos principais fabricantes nacionais de sistemas comerciais e industriais.”
Julio Kemer, da engenharia de aplicação da Trineva, acrescenta que “o uso do CO2 apresenta uma redução no diâmetro das tubulações e no tamanho dos compressores, evaporadores e condensadores, proporcionando uma redução significativa na carga de fluido refrigerante do sistema. Esta redução significa menor volume de fluido na instalação.”
“Como limitação”, continua Kemer, “o CO2 possui alta pressão de trabalho comparado aos fluidos sintéticos, necessitando de segurança nos sistemas e componentes, como a utilização de válvulas de segurança. Apesar de não ser tóxico é um gás asfixiante; a altas concentrações se torna prejudicial à saúde e, por ser inodor e possuir maior densidade que o ar, é necessário instalar sensores de controle e monitoramento de vazamentos. Ademais, este fluido se diferencia dos HFCs por apresentar elevadas pressões de trabalho, com seu ponto crítico situado a 31,1°C e 73,6 bar, e ponto triplo -56,6°C e 5,2 bar. No ciclo subcrítico a pressão de condensação atinge a ordem de 30 bar, enquanto no ciclo transcrítico a pressão pode atingir 120 bar.”
Outro ponto de atenção é o correto dimensionamento de diâmetro e espessura das tubulações para suportar as pressões e temperaturas de trabalho às quais os fluidos refrigerantes serão submetidos. “Em sistemas que operam com CO2, por exemplo, as pressões de trabalho tendem a ser mais elevadas que com os demais tipos de fluidos refrigerantes. Uma vez respeitada a compatibilidade química dos fluidos refrigerantes, adequadas as pressões de trabalho e a temperatura às quais as tubulações serão submetidas, é possível operar com segurança”, completa Francisco Pereira de Almeida Barboza, engenheiro da área de desenvolvimento técnico da Paranapanema/Eluma.
Euzébio defende a aplicação do CO2 para os regimes de baixa e média temperaturas, “tanto em projeto subcrítico quanto transcrítico, mas cabe ainda a observação de que atualmente o projeto transcrítico requer maior aporte de investimento. Com o CO2, o limite comum máximo de temperatura de evaporação é 0°C, porém equipamentos exclusivamente dedicados à aplicação de alta temperatura de evaporação em regiões de clima predominantemente quente não apresentam eficiência que justifique a viabilidade. Em geral boa eficiência é verificada em equipamentos conjugados aplicados para BT e MT, superior aos equipamentos de gerações anteriores com fluidos HCFCs ou HFCs, sendo que a melhor eficiência é evidenciada nas baixas temperaturas de evaporação com CO2. No Brasil, existe um grande número de lojas de supermercados que utilizam CO2 como fluido para a carga de congelados, sendo condensado pela circulação de propileno glicol (também responsável por toda a carga MT) que, por sua vez, é resfriado pelo HFC R134a.”
A alternativa dos hidrocarbonetos
Homero Busnello, diretor de marketing e relações institucionais da Tecumseh do Brasil, aponta o propano como uma alternativa altamente vantajosa. “De baixo GWP, todos os novos desenvolvimentos de compressores comerciais Tecumseh são nativos para propano, isso significa que nosso cliente irá obter a melhor performance de seu produto fazendo uso das novas gerações de compressores Tecumseh, inclusive com tecnologia inverter de alta eficiência VTC. As limitações inicialmente estão em 150g, recentemente revisada para 500g, o que abre uma avenida de oportunidades. O propano somente pode ser usado na condição stand alone/self contained, ou seja, não se pode fazer uso do propano em instalações remotas”, alerta.
O diretor da Tecumseh explica que os sistemas de compressão e sucção internos do compressor são projetados para obter a melhor eficiência e menor ruído. Já do lado externo, os componentes elétricos, protetores térmicos, relés e capacitores são especialmente desenvolvidos para uma condição que não provoque faíscas elétricas e, portanto, não permita a ignição do fluido refrigerante em casos de vazamentos.
A carga máxima permitida pela IEC em maio de 2019 de 500g aumentou, segundo Euzébio, a possibilidade da aplicação em pequenos equipamentos comerciais. “Mas o fato desta classe de refrigerantes ser inflamável, os torna aplicáveis em sistemas de maior capacidade apenas como fluido de expansão indireta, basicamente trabalhando como fluido primário em resfriadores de líquidos ou sistemas em cascata. É necessário que o projeto atenda todas as normas de segurança aplicáveis ao uso de fluidos inflamáveis, bem como a capacitação técnica dos mantenedores. No Brasil, a aplicação dos hidrocarbonetos, principalmente o R-290 (propano) para a refrigeração comercial leve já é uma realidade há vários anos, bem como já estão em operação alguns equipamentos comerciais de médio porte utilizando R-290 como fluido primário de resfriamento de propileno glicol para carga MT. A eficiência do R-290 é muito similar à apresentada pelo HCFC R-22, por exemplo, e ligeiramente superior aos HFCs”, diz ele.
Experiência inovadora com propano
À frente de um projeto inovador, um chiller a propano para utilização em instalações comerciais, Rogério Marson Rodrigues, gerente de engenharia da Eletrofrio, ressalta que o propano utilizado como fluido refrigerante possui características termodinâmicas similares ao R22, como seu desempenho energético para aplicações em regimes de trabalho (temperaturas de evaporação próximas a -8°C). “Quando comparado aos HFCs mais utilizados no Brasil, possui eficiência energética similar ao R134a e superior ao R404A, porém, diversos são os fatores que fazem dele uma das poucas alternativas hoje disponíveis no mercado para atender as demandas ambientais. A Emenda de Kigali, prestes a ser colocada em pauta no plenário do Congresso Nacional, deverá redefinir as regras sobre a utilização dos HFCs no Brasil, colocando então o propano (R290), ao lado do CO2 (R744), na pauta dos projetos de refrigeração no mercado nacional.”
Ainda segundo Marson Rodrigues, os chillers de propano podem ser divididos em 2 categorias, os de condensação a ar e a água. O primeiro é mais eficiente energeticamente, mas o segundo é mais seguro por apresentar uma carga de propano muito inferior ao primeiro. As características construtivas do projeto vão definir pela aplicação da primeira ou segunda opção, e o desempenho energético será consequência desta decisão.
Entretanto, algumas medidas de segurança são necessárias, como de resto em qualquer projeto que utilize fluidos inflamáveis, dentre elas:
– Definir o local de instalação e a zona de controle pertinente a ele para aplicação de equipamento que gerará classificação de área como Zona 2 Ex e Grupo IIA T1;
– Capacitar a equipe técnica responsável pela instalação, operação e manutenção dos equipamentos;
– Manter o local de instalação com acesso restrito à equipe técnica capacitada, e adequadamente sinalizado;
– Instalação de sensores de propano em pontos pré-definidos da zona de controle;
– Instalar sistema de exaustão, se a ventilação natural não for suficiente para dissipação do propano em caso de vazamento;
– Eliminar pontos de acúmulo de propano dentro da zona de controle, tais como ralos e canaletas;
– Manter procedimentos de manutenção preventiva.
“O propano, tal qual os demais fluidos naturais, está sendo utilizado na refrigeração comercial em função das demandas ambientais, não como uma solução que visa reduzir custos de instalação ou operacionais. Dentro do prazo vigente definido pelo Protocolo de Montreal, cujo Brasil é signatário, e do qual poderá ser definido pela Emenda de Kigali, caso o Brasil venha a ratificá-la, HCFCs e HFCs ainda poderão ser aplicados por um determinado período, em que a relação custo versus benefício ainda poderá ser benéfica a estes, porém, a linha de corte já estará definida”, explica o gerente da Eletrofrio.
Em relação à manutenção, os chillers que utilizam propano demandam equipe técnica capacitada. “Até que regras sejam definidas no mercado nacional, somente técnicos credenciados pelos respectivos fabricantes devem executar qualquer tipo de manutenção nestes equipamentos”, alerta o gerente da Eletrofrio.
As tubulações de cobre utilizadas em aplicações com propano são as mesmas das utilizadas para os HCFCs e HFCs, pela similaridade de pressões e temperaturas de trabalho. Não há necessidade de alterações significativas nesta parte do projeto. Já os compressores são específicos e devem ser certificados para este fim. Da mesma forma, cada componente do sistema de refrigeração deve ser avaliado individualmente para conferência de sua aplicabilidade e uso com o propano, o que inclui as válvulas e controles. Os trocadores de calor – casco e tubo, brasados ou aletados – podem sofrer pequenas alterações em função da utilização com propano, como preocupações quanto ao retorno de óleo em trocadores brasados quando utilizados como evaporador.
Quando utilizado em chillers com sistemas de expansão indireta, o propano é sempre o fluido primário, podendo ter como secundário a água gelada ou propileno glicol, ou, ainda, ser o lado de alta de um sistema em cascata com o CO2. Em sistema de expansão direta, também pode ser aplicado, porém, é fundamental o respeito ao limite permitido em cada circuito de refrigeração.
Quando usado como fluido primário de um sistema de refrigeração indireto, o propano permite diversos fluidos no lado secundário, sendo a solução aquosa de propileno glicol o mais comum para atendimento de sistemas de média temperatura. “Para baixa temperatura, o propano pode ser o lado de alta da cascata de um sistema de CO2 subcrítico. Avaliando o mercado internacional e os desenvolvimentos em curso no Brasil, visando soluções que atendam as demandas ambientais, os projetos de refrigeração comercial deverão estar restritos aos fluidos naturais, tais como o propano, CO2 e amônia. Estudos com os HFOs continuam, porém, devemos aguardar mais dados para avaliação de como o mercado reagirá à eles”, diz o gerente de engenharia da Eletrofrio.
Marson Rodrigues conclui explicando que ainda que recentes, os projetos de chillers com propano no Brasil têm sido uma experiência muito positiva. “Tais condições e resultados favorecem à continuidade do desenvolvimento da tecnologia, que agora deve ser complementada com a capacitação técnica do mercado. Projetistas, fabricantes, instaladores e associações devem se unir para definir regras e procedimentos dentro deste setor, condição fundamental para a segurança da aplicação do propano ou qualquer fluido inflamável.”
Da redação