Na primeira parte deste artigo, publicada na edição No. 66, setembro de 2019, da revista Abrava + Climatização & Refrigeração, foram abordados pesquisas e números relativos à diferença cognitiva avaliada em diversos ambientes e como o ambiente interno interage nestes resultados. Nesta segunda parte iremos abordar uma estratégia de métrica financeira através de um sistema de pontuação a ser desenvolvido para servir de base a cálculos de possibilidades financeiras a serem alcançadas através da implantação de tecnologias para melhorias no IEQ.
É claro que trata-se de potencialidades e que se estas potencialidades não forem exploradas o retorno será menor que o esperado e avaliado, mas, fazendo um paralelo com a eficiência energética, se um edifício com potencial de redução de uso de energia não for operado e mantido da forma proposta pelo projeto e pela avaliação de simulação operacional energética, certamente não alcançará seu potencial de redução; da mesma forma a avaliação de potencial de ganhos financeiros relacionados a IEQ só se tornarão realidade se os ganhos cognitivos forem explorados.
Como é possível analisar pelo gráfico os domínios cognitivos são sensivelmente aguçados em ambientes internos com alto grau de qualidade ambiental, e representam um ganho máximo de 26% em relação aos edifícios convencionais (que apresentam um bom grau de qualidade ambiental) e ganhos imensuráveis em relação a edifícios enfermos ou de baixa qualidade ambiental.
Para que nossa metodologia seja mais acurada, escolhemos os seguintes aspectos para métrica de avaliação:
– Qualidade do ar interior, incluindo perfil de distribuição de ar e velocidades
– Qualidade de iluminação interior
– Conforto acústico
– Materiais aplicados
– Ergonomia
– Uso de novas tecnologias ou conceitos
A ideia é criar uma condição básica para cada um dos aspectos citados e uma lista com todos os possíveis avanços em cada um destes aspectos. O ganho de potencial irá variar de 0% a 26%, quanto mais o projeto se aproximar de um potencial máximo ambiental.
Qualidade do ar interior e materiais aplicados
Vamos dividir as ações em alguns grupos e avaliar, a partir da base, o quanto estas ações impactam em melhoria da IAQ:
– Filtragem: considerando a base da filtragem G4 (ABNT NBR 16101) ou equivalente ABNT NBR ISO 16890 para o ar de renovação; filtragem M5 (ABNT NBR 16101) ou equivalente ABNT NBR ISO 16890 para equipamentos condicionadores de ar.
– Filtragem química ou com tecnologia comprovada de redução de concentração de VOC e demais contaminantes químicos e biológicos: vamos considerar como base a não aplicação destas tecnologias.
-Renovação de ar: vamos considerar como base as condições da ABNT NBR 16401 como vazões de ar mínimas de renovação.
– Materiais ausentes de VOC durante a construção: vamos considerar como base o uso normal de materiais à base de VOC.
– Mobiliário e acessórios sem uso de VOC: vamos considerar como base o uso de mobiliário e acessórios que se utilizam de VOC.
– Superfícies de fácil limpeza (divisórias, forros, paredes, rodapés etc.): Vamos considerar como base superfícies de limpeza inadequadas .
– Velocidade do ar na altura dos postos de trabalho: vamos considerar como base 0,25 m/s conforme NR-18.
A partir destes pressupostos vamos listar todas as iniciativas de projeto e bases para elaboração de OPR que representem avanços e melhorias para a promoção do bem-estar dos ocupantes da edificação e criar critérios para estabelecer o quanto estes avanços representam. Similarmente utilizaremos critérios de base e avanço para todas as demais modalidades.
Qualidade de iluminação
Para as condições de iluminância de interiores serão utilizados os critérios mínimos encontrados na ABNT NBR ISO CIE 8995 em todos os seus aspectos: iluminância na área de trabalho e entornos, limite de ofuscamento unificado e índice de reprodução de cor e possíveis exceções. Também deverão ser consideradas questões relativas à aplicação de novas tecnologias e estratégias para obtenção de conforto lumínico como estudos sobre o ciclo circadiano e seu impacto no conforto humano.
Conforto acústico
Para o nível de ruído em ambientes internos, consideraremos como base os níveis máximos aceitáveis de ruídos por ambientes, conforme norma ABNT NBR 10152 – níveis de ruído para conforto acústico. Consideraremos para o projeto, elementos que tenham capacidade de absorção ou redução de transmissão de ruídos como paredes, portas, janelas, divisórias, tetos e pisos como possibilidades de avanços no conforto acústico. Como aplicação de novas tecnologias em conforto acústico, podemos citar o uso de paredes verdes como elementos de absorção de ondas sonoras ou painéis artísticos com a mesma função.
Ergonomia
Com relação a ergonomia tomaremos como base as condições mínimas de conforto ergonômico dispostos na NBR ISO 11226 e na NR 17 do Ministério do Trabalho, bem como possíveis inovações relacionadas ao conforto ergonômico.
Uso de novas tecnologias ou conceitos
Como não há base para questões relacionadas a inovações gerais, todas as iniciativas neste sentido serão consideradas como extras e contarão pontos adicionais. O uso de espaços de descompressão, oferta de alimentos de baixo impacto etc. podem também ser utilizados nesta categoria.
Conclusão
A metodologia acima mencionada possibilita a projeção de possibilidades de avanço cognitivo relativos a uma base estabelecida, entendida enquanto as condições mínimas de projeto estabelecidas por normas ou regulamentações existentes ou referências de mercado. Obviamente, existem edifícios que estão abaixo desta linha e certamente apresentam condições desfavoráveis de trabalho apresentando potencial negativo.
Com relação aos edifícios com potencial positivo, utilizaremos a base como zero e o máximo de 26% em relação a base, conforme os estudos de avanços cognitivos do Dr. Joe Allen da Universidade de Harvard, estabelecendo que para bases salariais de R$ 1000,00 ou múltiplos, incluindo os custos adicionais ao salário em 183 %, conforme estudos da FGV e da CNI, temos um potencial máximo de ganho de R$ 8829,60 anuais /R$ 1000,00 mensais de salário. Para realizar plenamente este potencial estão envolvidos muito outros fatores que devem ser observados e estimulados pelos gestores para aproveitamento integral destas possibilidades.
Como esta metodologia é embrionária, com um longo caminho até consolidar-se como referência, a credibilidade é fundamental. Para tanto, a colaboração de especialistas em cada área e todo tipo de retroalimentação de dados de comprovação são desejáveis, no sentido de tornar esta metodologia acurada o suficiente para estimular os contratantes a levar em consideração todas as iniciativas para tornar o IEQ como aspecto determinante nas escolhas do projeto.
Temos de lembrar que o absenteísmo devido a doenças contraídas no ambiente de trabalho deve ser levado em consideração, representando um importante acréscimo aos nossos cálculos; considerando a mesma base salarial de R$ 1000,00 e múltiplos, podemos considerar que a cada dia perdido de trabalho devem ser acrescentados R$ 128,66 dia/ R$ 1000,00 de salários mensais, podendo alcançar até 4% em edifícios base, decrescendo até 2% em edifícios de altíssima qualidade de IEQ.
Durante o período de pesquisa fomos acometidos desta terrível situação imposta pela pandemia do novo coronavírus (SARS-COV-2), despertando para a maior necessidade de proteção ambiental relacionada à transmissão aérea e superficial de doenças virais e microbiológicas e, é claro, ainda que tenhamos ambientes com projetos que permitam reduzir as condições de transmissão eles não são totalmente seguros, porém a mitigação destas condições podem significar a diferença entre contrair ou não doenças ligadas à transmissão em ambientes internos que, além do impacto financeiro, têm o impacto psicológico e moral incrementados.
Ainda com relação ao Covid-19, temos a obrigação de cumprir todos os procedimentos deliberados pela Organização Mundial da Saúde ( OMS/WHO) e dentro de nossas especialidades buscar saídas e soluções para minimizar a transmissão e manter nossos colaboradores saudáveis, nos preparando de forma adequada para semelhantes eventos no futuro, com reflexos na preocupação e compromisso com ambientes internos adequados.
Tenho a esperança de que o impacto deste evento seja o menor possível e que a cura para a doença seja brevemente alcançada.
Marcos Antonio Vargas Pereira, engenheiro mecânico sênior pela FAAP (1988), pós-graduado em RAC, FEI 1998, extensão em QAI pelo PECE Poli-USP (2008), Building Commissioning Professional ASHRAE (2018), membro do sub-comitê de exames profissionais da ASHRAE desde 2015, diretor técnico comercial da Térmica Brasil
Referências
CAPPELEN, Leo Van; GAMEIRO DA SILVA, Manuel; SANJUANELLO, Eduardo. Avaliação e Comunicação da Qualidade de Ambientes Interiores in CIAR Chile 2019.
SWENSON, Michael. The Blackstone Harvard Green Tour in GBC Conference 2017.
BABUR, Oset. The Cognitive Benefits of Healthy Buildings. in Harvard Magazine, Maio/Junho de 2017 (https://harvardmagazine.com/2017/05/cognitive-benefits-of-healthy-buildings)
ALLEN, Joseph G.; MAcNAUGHTON, Piers; SANTANAN, Suresh; SATISH, Usha; SPENGLER, John D. The impact of green buildings on cognitive function. Harvard University Site. (https://green.harvard.edu/tools-resources/research-highlight/impact-green-buildings-cognitive-function)