Passados um ano e meio da entrada em vigor da Emenda de Kigali, são vários os governos que a ratificaram; até maio passado eram 94 países, além da União Europeia. Países importantes, como EUA e Brasil, ainda não ratificaram a emenda. Outros países estão realizando inventários de consumo de HFCs. Alguns já vinha fazendo isso, como o Brasil, para informar emissões de HFCs para a UNFCCC. Eu me envolvi nos dois últimos inventários de emissões de HFCs no Brasil.
O Protocolo de Montreal através do seu Fundo Multilateral, que apoia projetos em países em desenvolvimento, está avaliando mecanismos de apoio para implementação paralela da eliminação dos HCFCs em conjunto com a redução dos HFCs. Alguns organismos internacionais, como o K-CEP (Kigali Cooling Efficiency Program), com suporte de doações filantrópicas, estão apoiando ações de redução/eliminação de HFCs de alto GWP. Uma das ações é o apoio a países em desenvolvimento para a elaboração de National Cooling Plans, visando definir um plano, uma estratégia para países buscarem um setor de refrigeração e ar-condicionado (RAC) sustentável com redução/eliminação de HFCs junto com eficiência energética. Eu estou pessoalmente envolvido na elaboração e revisão destes planos para diversos países (América Latina, Caribe, África, Ásia).
Entretanto, as respostas são variadas. A União Europeia está bem mais avançada que a emenda de Kigali. Sua legislação (F-Gas Regulation) é mais restritiva em termos de eliminação de HFCs que Kigali. Vários países estão ratificando a emenda e participando ativamente das discussões no âmbito do Protocolo de Montreal para definir como vai ser o apoio do Fundo Multilateral para projetos de implementação da Emenda de Kigali.
No Brasil, a emenda está parada no Congresso. Na situação atual, imagino que esteja no fim da lista de prioridades. Existe uma ONG no Brasil, chamada Instituto Clima e Sociedade (ICS) (https://www.climaesociedade.org/) que tem feito um trabalho importante de mobilização para a aprovação da emenda e tem todos os detalhes da situação atual.
O impacto na cadeia industrial
Como as regras internacionais sobre uso de refrigerantes (restrições, políticas etc.) ficaram mais claras com a Emenda de Kigali, indústrias fabricantes de refrigerantes e equipamentos de RAC estão se movendo com mais determinação nos testes, protótipos e disponibilização comercial de produtos.
Na refrigeração industrial, os efeitos não são muito sentidos, dada a predominância de fluidos não-HFCs (amônia principalmente) e HCFC-22 (que está sendo eliminado). Na refrigeração comercial o CO2 está ganhando cada vez mais espaço nas instalações centralizadas de supermercados e tende a ser o padrão futuro. Misturas de baixo GWP, contendo HFOs, também estão avançando. A fabricação de equipamentos plug-in (displays, vending machines e balcões) com hidrocarbonetos está aumentando, impulsionada pela Emenda de Kigali e pelo aumento da carga máxima de refrigerantes de hidrocarbonetos para 500g (norma ISO).
No ar-condicionado com expansão direta, ainda existe produção de equipamentos que utilizam o HCFC-22, particularmente nos países em desenvolvimento. Com a adoção da tecnologia inverter para atender aos padrões mínimos de desempenho de eficiência (MEPS), esses países estão se afastando rapidamente do HCFC e adotando alternativas. Além disso, a introdução generalizada do HFC-32 em unidades residenciais e, mesmo em aparelhos de ar-condicionado comerciais, continua em muitos países do mundo. A eficiência faz parte dos critérios de seleção para refrigerantes com menor GWP, como um importante acompanhamento da Emenda de Kigali.
Após a avaliação, muitas empresas estão progredindo para aplicar várias combinações de HFCs, HFOs, HCFOs em produtos de AC; em alguns casos, um iodo-fluorocarbono (IFC) é usado. Está em andamento uma nova conversão das linhas de produção para o HC-290 na China, sudeste da Ásia e América do Sul e (exceto para unidades pequenas e portáteis), a introdução no mercado é limitada, devido a requisitos restritivos das normas de segurança. Na Índia, a adoção do ar-condicionado split com HC-290 continua a aumentar, principalmente por um fabricante nacional. Outros fabricantes locais estão adotando o HFC-32 e o R-410A.
Há uma resposta desigual de acordo com os países e regiões, em função das políticas e legislações que vêm sendo estabelecidas. Veja o exemplo da União Europeia, descrito acima, que faz com que Kigali tenha o apoio para implementação sem maiores problemas. Em outros países, considerando o caso de equipamentos de ar-condicionado, devido à ausência de legislação e políticas de médio e largo prazo, diversos fabricantes estão saindo do HCFC-22 e indo para o R-410A que criará problemas para a implementação de Kigali.
Expansão direta
As principais mudanças nos refrigerantes com menor GWP usados nos chillers são:
- HCFC-123 (em chillers centrífugos), mudança para HCFO-1233zd (E) e R-514A.
- HFC-134a (em chillers centrífugos e com compressor de parafuso), mudança para R-513A, HCFO-1233zd (E), HFO-1234yf e HFO-1234ze (E).
- R-410A (em chillers com compressor scroll), mudança para HFC-32, R-466A, R-452B, R-454B.
Os chillers que utilizam R-717, R-718 e HC-290 também estão disponíveis em certas regiões (de acordo com os códigos de construção, que diferem de região para região). Os produtos que utilizam esses refrigerantes estão disponíveis no mercado há algum tempo.
Tendências majoritárias
Algumas características de setores relevantes são:
- A implementação do regulamento F-Gas 517/2014 na Europa está em andamento em aplicações de refrigeração comercial com refrigerantes como o R-744 e o HC-290 (e em menor grau o R-717) obtendo maior aceitação. A partir de janeiro de 2020, geladeiras e freezers para uso comercial que contêm HFCs com um GWP de 2500 ou mais não podem mais ser colocados no mercado. Misturas de GWP mais baixo com HFOs (classificadas como A1 / A2L) também estão sendo aplicadas em sistemas comerciais de menor custo.
No setor de transporte rodoviário, a mudança para o uso do R-452A não inflamável resultou em maior penetração no mercado. Para navios de carga e de passageiros, um uso mais amplo de novos refrigerantes está agora ganhando força, incluindo o R-744 para refrigeração de alimentos e bebidas. Os navios de carga já usam uma variedade de refrigerantes, onde o HFO-1234ze (E) parece ser aplicado progressivamente (como já ocorre em navios de passageiros).
Empresas de vários países do Artigo 5 estão fabricando um pouco menos de 50% de todos os produtos com HCFC-22. Com a adoção da tecnologia inverter para atender aos MEPS, esses países estão se afastando rapidamente dos HCFCs. Como dito acima, o HFC-32 está expandindo seu uso em aparelhos de ar-condicionado split residenciais e também em unidades comerciais em vários países.
No ar-condicionado móvel (MAC), o uso global do HFO-1234yf se expande. No momento, não está claro se outras aplicações móveis de AC, como ônibus e caminhões pesados, seguirão as tendências atuais em automóveis e veículos leves. A introdução de um uso mais amplo de bombas de calor em veículos elétricos levará a uma “otimização adicional” dos sistemas HFO-1234yf e abrirá novamente a porta para refrigerantes alternativos, como o R-744.
Nos países em desenvolvimento, o custo de refrigerantes com baixo GWP (como o HFO-1234Yf) continua sendo a maior barreira.
Os principais desenvolvimentos nas tecnologias não convencionais são: (i) as unidades de resfriamento por evaporação direta estão se tornando amplamente disponíveis com COP aprimorado, (ii) os chillers de absorção LiBr / H2O melhoraram a eficiência energética e podem fornecer água gelada ligeiramente abaixo de 5,5 ° C, (iii) os chillers de adsorção melhoraram a eficiência energética e a capacidade estendida.
Nos últimos anos, tem havido muito mais foco na eficiência energética dos sistemas de refrigeração e ar-condicionado; isso se deve principalmente às amplas discussões sobre os vários aspectos das mudanças climáticas. O design e a operação sustentáveis estão se tornando cada vez mais importantes.
Uma das dificuldades na implementação, já comentada acima, é a não definição clara das regras que serão estabelecidas para o apoio financeiro pelo Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal. Outro fato importante, que alguns países manifestam, é o problema originado pela superposição dos esforços de eliminação dos HCFCs e a redução dos HFCs
Agências de implementação do Protocolo de Montreal, como o UNDP, e instituições da sociedade civil, como a K-CEP, têm apoiado treinamento no uso de alternativas aos HFCs de alto GWP. No Brasil, com o apoio da agência alemã GIZ, foram realizados treinamentos sobre o uso de hidrocarbonetos. Alguns projetos pilotos para eliminação de HFCs foram apoiados pelo Fundo Multilateral como, por exemplo, projeto de conversão de fábrica de refrigeradores domésticos para eliminar o HFC-134a e usar HC-600a em Bangladesh, num total de US$ 2milhões.
Prof. Dr. Roberto de Aguiar Peixoto, Instituto Mauá de Tecnologia, no Curso de Engenharia Mecânica, co-chair do UNEP RTOC e consultor das agências de implementação do Protocolo de Montreal.