As grandes crises, em geral, são portadoras de oportunidades. Entretanto, não raro as chances de significativos avanços são perdidas devido à incapacidade dos diversos agentes em identificar as saídas. A pandemia provocada pelo Sars-CoV-2 não foge ao roteiro. Uma grande janela para a valorização da qualidade do ar interno abriu-se; resta saber se o mercado saberá agarrar a chance e sair maior da tragédia, contribuindo para que as próximas, que certamente virão, tenham seus efeitos mitigados.

Em relação à indústria, a vontade é grande. É o que se depreende das opiniões emitidas por representantes de três das mais significativas indústrias do ar-condicionado: Fernando Cani, Diretor Geral da Trox Argentina; Gustavo Martins, Gerente de Produtos Ar-Condicionado da Midea Carrier; e Rafael Dutra, Coordenador de Aplicação da Trane. Os três responderam às perguntas enviadas pela redação da revista Abrava+Climatização & Refrigeração.

Logo nas primeiras formulações, Dutra afirma que, se a indústria do AVAC-R quer fortalecer a percepção da importância da qualidade do ar interno, necessita passar a mensagem correta para a sociedade. “Os riscos associados a problemas de saúde por baixa qualidade do ar sempre existiram e vão continuar após a pandemia. Precisamos continuar o processo de divulgação de informação de qualidade com fundamentação em estudos sólidos e evitar, ao máximo, dar soluções simplistas com base em algum produto milagroso, pois isso invariavelmente gera traumas nos clientes que veem este tipo de abordagem como oportunismo. Não é o momento de tratar o assunto visando o curto prazo, senão os clientes vão notar e o assunto irá perder relevância em seguida. Precisamos reforçar nossa mensagem, de forma consistente, mostrando que as soluções de QAI são soluções em nível de sistema que exigem uma abordagem cuidadosa.”

Isso passa, na opinião de Cani, por incentivar os projetistas a proporem aos clientes melhorias de filtração e, em cada fancoil, especificar emissores de UV(C), que “devem ser certificados e de boa qualidade para fornecer a potência mesmo com ar a 12°C. Outra iniciativa importante seria a realização de palestras para conscientização com arquitetos e engenheiros relacionados com o segmento da construção civil.”

O que deve ser exigido de cada um dos responsáveis por fornecer equipamentos e serviços para a qualidade do ar interior?

Fernando Cani: Poderiam modificar algumas normas para que cada fornecedor esteja obrigado a atingir patamares mínimos de filtração, e que cada um dos equipamentos a serem instalados para projetos novos seja limpo internamente, livre de parafusos, com lâmpadas UVC instaladas nas serpentinas etc. Na parte de prédios existentes, deveria se recomendar maior taxa de ar externo, melhorar a filtração e, quando não for possível, colocar purificadores de ambiente com filtros H13 para limpar o ar.

Gustavo Martins: Devido ao aumento da criticidade em aplicações para melhoria e manutenção da qualidade de ar do ambiente interno, muitos dispositivos, aparelhos e práticas estão sendo disseminados e publicados em fóruns do tema. Sugerimos a solicitação e utilização de dispositivos com fontes confiáveis de certificação que respaldam a eficácia da aplicação, bem como investigação se as práticas propostas possuem embasamento científicos ou técnico validados, certificações INMETRO, comprovações de testes, análises laboratoriais e adequações às normas e leis vigentes, tais como PMOC, são bons exemplos. Recomendamos também a utilização de empresas credenciadas, autorizadas e certificadas pelos fabricantes.

Rafael Dutra: Transparência. Cada produto tem uma função e capacidade dentro do todo, e não irá solucionar todos os problemas acerca da qualidade do ar. Cada fornecedor deve comunicar claramente que aquele produto é endereçado àquele problema especifico dentro de um todo e que o cliente precisa de uma visão holística. Um filtro mecânico, por exemplo, terá uma eficácia para um tipo de particulado, e problemas com VOCs devem ser tratados com outro produto. Da mesma forma, certificados de desempenho contra um tipo de microorganismo ou certificados de não produção de ozônio são exemplos de documentação que ajudam a estabelecer essa confiança para com os clientes e os problemas que estão sendo endereçados.

O conforto térmico está aliado à QAI para evitar a propagação de patógenos prejudiciais aos ocupantes de ambientes fechados?

Fernando Cani: Sim, claro. Com equipamentos centralizados, pode-se controlar vazões de ar externo colocando até sensores de CO2, ou de quantidade de partículas, para abrir quando se detectar ar contaminado ou fechar quando não for preciso a fim de aumentar a eficiência da instalação. Além disso, com tratamento de ar, a umidade também pode ser controlada e, com ela, controla-se a criação de colônias de microorganismos.

Gustavo Martins: O conforto térmico e a qualidade do ar interno são fatores relacionados. Índices de umidade e temperatura ótimos não só influenciam em bem-estar, bem como, no favorecimento ou prevenção na presença de agentes patógenos em ambientes. Valores de umidade relativa entre 40% e 60% e temperatura ambiente adequada devem ser observados e monitorados para um ambiente favorável à saúde humana.

Rafael Dutra: Sim. Quando falamos de conforto térmico, não podemos esquecer que temos uma questão associada que é o nível de umidade nos ambientes. Sabemos que em baixa umidade, abaixo dos 40% ou 30%, certos vírus e bactérias se propagam de forma mais eficaz e as defesas naturais do nosso corpo, como mucosas, são prejudicadas e, dessa forma, ficamos mais suscetíveis às infecções. Outros microorganismos proliferam com mais facilidade em ambientes com umidade mais elevada, acima dos 60%, como fungos, ácaros e outros tipos de bactérias. Portanto, a questão da temperatura e umidade não se limita ao conforto ou produtividade dos indivíduos, mas também com a saúde destes devido à qualidade do ar.

Em que medida as infecções provocadas pelo Sars-CoV-2 alertam para os cuidados com demais patógenos?

Fernando Cani: A Trox tem trabalhado por vários anos com tecnologia de emissão UVC. Sabemos que no ar existem infinidade de fungos, vírus e bactérias, e o Sars-CoV-2 não é o mais difícil de atacar. Tem muitos outros, principalmente bactérias ou esporos que são mais resistentes e é para eles onde devemos dimensionar a potência da radiação UVC.

Gustavo Martins: Não somente pandemias como a Covid-19, mas também eventos históricos passados, nos mostram o quão relevante é a questão de tratamento do ar que respiramos e os riscos a que podemos estar expostos negligenciando esta prática. A aplicação de recursos e a adequação às normas vigentes para qualidade do ar interno podem mitigar a disseminação de agentes patógenos, bem como, aumentar o conforto e a produtividade em ambientes internos.

Rafael Dutra: Hoje temos uma posição mais clara de que a contaminação pelo Sars-CoV-2 por via aérea é provável e que devemos considerar alterações nos padrões de fluxo de ar dos ambientes, bem como tratar este ar de modo a mitigar a contaminação por este vírus. Existem diversos outros patógenos aero transmissíveis que seguem uma dinâmica parecida por meio de aerossóis em suspenção e circulação nos fluxos de ar dos ambientes. Sabendo que as rotas de transmissão são similares, e que as medidas para mitigação com filtragem, diluição e ajustes dos fluxos de ar são eficazes para mitigar a contaminação de agentes infecciosos deste tipo, podemos reforçar a mensagem da importância da adoção de tais práticas e tecnologias, pois sabemos que serão eficazes para uma gama expressiva de ameaças, algumas das quais ainda podemos não conhecer claramente.

Quais seriam os principais patógenos, além do atual vírus, e quais as formas de combatê-los em ambientes climatizados?

Fernando Cani: Um bom sistema de climatização centralizado ajuda muito para ventilar os ambientes e, então, poder diluir a eventual contaminação. Ventilar é muito recomendável porque também ajuda a trazer oxigênio para as pessoas. As associações de engenheiros de ar-condicionado do mundo recomendam aumentar a qualidade da filtragem até um F7. No referente aos patógenos, é muito importante considerar fungos, porque uma alta porcentagem da população possui asma e os fungos são particularmente nocivos para essas pessoas.

Rafael Dutra: Além de vírus, temos ameaças advindas de microrganismos como ácaros, fungos, bactérias, protozoários e compostos orgânicos voláteis, ou de alguma outra fonte no ambiente. Cada tipo de patógeno apresenta um tipo específico de ameaça, seja pela ação direta deles sobre nosso organismo ou pelas substâncias que eles emitem como no caso de alérgenos ou mico toxinas. De maneira resumida, uma das formas eficazes de lidar com estes microrganismos é manter níveis de temperatura e umidade que sejam tanto compatíveis com o conforto humano, quanto capazes de reduzir a proliferação de tais patógenos. A diluição por ventilação é uma boa estratégia para minimizar a exposição destas ameaças aos ocupantes. A estratégia é renovar o ar com um ar tratado que diminua a concentração de quaisquer aerossóis contaminantes que estejam em suspenção no ambiente. Por fim, temos diversas tecnologias ativas de limpeza e filtragem do ar que têm se demonstrado eficazes ao utilizar mecanismos como a oxidação ou a radiação eletromagnética em determinados comprimentos de onda que afetam diretamente a viabilidade de transmissão ou proliferação destes microrganismos.

Quais as principais tecnologias para a purificação do ar interno e os respectivos princípios de funcionamento?

Fernando Cani: Sem dúvida a única coisa que assegura a purificação é a filtração do ar ambiente com filtros HEPA e depende muito também da quantidade de vezes por hora que o ar passa pelo filtro. Nesta técnica, é muito importante ter controle de vazão de ar porque quando os filtros começam a ficar sujos, a vazão do ventilador cai muito e, então, a quantidade de renovações de ar planejadas podem não ser atingidas, nesse caso, devem ser consideradas estratégias de controle automático para corrigir isto. Obviamente o filtro H13 é caro, porém, o mais eficiente; muitas associações falam de filtração F7 ou até F9 nas instalações de conforto. A tecnologia UVC é muito utilizada com a finalidade de manter a serpentina limpa, só uma lâmpada UV não é suficiente para inativar os microrganismos no fluxo de ar porque se necessitaria muita potência elevando o custo da instalação. Existem outras tecnologias, porém nenhuma tão eficaz como a filtração.

Gustavo Martins: Devido aos últimos acontecimentos mundiais, novas tecnologias foram desenvolvidas, bem como tecnologias já aplicadas tiveram sua relevância amplificada na questão da melhoria da qualidade do ar interno. Dentre estas, podemos destacar a aplicação de filtros de alta eficiência, os quais possuem malhas de meio filtrante tão finas capazes de reter partículas sólidas, bactérias e até mesmo vírus em seu menor diâmetro. Estes podem ser utilizados em sistemas de ventilação central dutados ou em aplicação local. Outra tecnologia, com eficiência também comprovada, são os geradores de luz ultravioleta UVC que, reagindo com demais componentes do sistema, emitem substâncias que inativam agentes patógenos.

Rafael Dutra: Temos uma ampla gama de tecnologias para limpeza do ar, desde os filtros mecânicos e seus graus de capacidade de retenção de particulados de diversos tamanhos, até as tecnologias ativas que se utilizam de algum mecanismo específico para combater contaminantes. Podemos citar as lâmpadas UVC, que emitem radiação eletromagnética no comprimento de onda de 254nm, capazes de interagir com o RNA e proteínas de diversos microorganismos de forma a inativá-los. Outra tecnologia é a aplicação de peróxido de hidrogênio, que tem uma característica interessante, pois esta substância é dispersa por todo o ambiente ocupado, de forma segura aos ocupantes, causando reações de oxidação não somente em microrganismos como também compostos orgânicos voláteis e desinfectando superfícies. Dessa forma, a atuação de dispositivos que emitem o peróxido de hidrogênio não se limita a atuação da região do fluxo de ar no duto ou ao equipamento, sendo possível a aplicação direta no ambiente. Por fim, não podemos deixar de mencionar as tecnologias de ionização bipolar (e suas variantes diversas). Esta tecnologia utiliza grandes diferenciais de potencial elétrico para criar um plasma de curta duração que carrega eletricamente as partículas do ar que passam pela região onde o equipamento está instalado. Isto faz com que particulados se aglomerem em tamanhos maiores causando precipitação ou facilitando a sua filtragem e, além disso, pode causar danos a alguns tipos de vírus e bactérias.

Quais as tecnologias e métodos disponíveis para manter a higienização das serpentinas dos trocadores de calor?

Rafael Dutra: Bom, a limpeza periódica das serpentinas ainda é o método principal para garantir que não há acúmulo de biofilme ou outros particulados nestes trocadores. Ou seja, a utilização de detergentes adequados e jatos de água para remoção de sujeira. Além disso, a utilização de lâmpadas UV é uma boa opção devido ao mecanismo explicado anteriormente. Uma atenção especial deve ser dada aos filtros de ar, que além de serem utilizados para uma melhor qualidade do ar, irão reter particulados que de outro modo poderiam parar na serpentina, portanto, uma troca periódica de filtros também irá beneficiar a serpentina do equipamento.

Em instalações em sistemas split são necessárias outras providências, além da correta renovação do ar, para a manutenção da qualidade do ar interior?

Fernando Cani: Os sistemas split são uma solução de baixo custo para ter conforto térmico, porém, não possuem na sua quase que totalidade a possibilidade de trazer ar externo nem ter boa filtração. Para ambientes residenciais não é um problema, mas para ambientes comerciais, onde tem muitas pessoas que não são conviventes, um split de parede, ou piso ou teto, ajuda a espalhar qualquer contaminante e a aumentar a cadeia de contágios.

Rafael Dutra: Sistemas split de pequeno porte, aqueles mais comuns em residências, são muito limitados tanto no tipo de filtragem de ar que possuem, quanto na capacidade de lidar com o ar externo. Como já mencionado, a diluição do ar interno com ar externo é uma estratégia importante e, portanto, deve haver alguma forma de captação de ar externo para o ambiente ocupado, ainda que não seja por meio de dutos acoplados diretamente ao split, deve haver algum sistema capaz de trazer e filtrar este ar do ambiente externo. Neste aspecto, a filtragem do ar provavelmente recairá sobre este sistema de renovação visto que, em geral, splits possuem filtragem muito grossa, do tipo G1 ou no máximo um G4, com baixa efetividade sobre particulado PM2,5, que é um dos principais particulados que queremos mitigar para uma melhor qualidade do ar interno. Tudo isso deve estar ligado a um sistema de automação e controle eficaz, capaz de medir os parâmetros relevantes para a qualidade do ar como CO2, particulado, VOCs e outros.

Além da insuficiente renovação do ar, existem perigos para ambientes climatizados através de sistemas split? Quais seriam?

Fernando Cani: O jato de ar deveria não passar pela zona de ocupação ou de “respiração”, podemos lembrar um caso relevante na China onde num restaurante o split espalhou o vírus dentro do ambiente. Os filtros destes aparelhos somente são especificados para proteger a serpentina de entupimento, porém, não têm capacidade nenhuma de filtração para o ambiente.

Quais produtos sua empresa oferece para a QAI, assim como suas características e aplicações?

Fernando Cani: Além das unidades de tratamento do ar, equipadas com tecnologia UVC, e ampla linha de filtros, a Trox lançou, recentemente, a família Blue Life de Purificadores, projetada e desenvolvida para ambientes que possuem ventilação insuficiente ou contam com uma grande frequência de pessoas, sem a necessidade de instalações complexas, como escolas, clínicas, academias, restaurantes, cafeterias, lojas de varejo e residências. Os purificadores de ar Blue Life garantem uma redução importante na concentração de particulados e aerossóis presentes no ar ambiente, incluindo o Sars-CoV-2, contam com dois estágios de filtragem, sendo um deles o filtro HEPA H13 e possuem um sistema de atenuação de ruído, desenvolvido especialmente para esta aplicação. O ar é atraído para dentro do equipamento, passando pelos filtros que reterão as partículas e aerossóis. Na sequência, o ar é direcionado para o ambiente, de forma pura, eficiente, segura e sem ruídos.

Gustavo Martins: Dentre os principais lançamentos da Midea Carrier, podemos destacar o Carrier Safe Air, uma Unidade Portátil de Purificação de Ar, voltada para aplicação em ambientes internos comerciais. Este produto está equipado com um conjunto de ventilação que insufla o ar do ambiente através de um poderoso filtro HEPA de alta eficiência, capaz de reter partículas a partir de 0,3 mícron, eliminando diversos agentes patógenos, como poeira, fungos, bactérias e vírus, com eficiência de 99,97%, comprovada em testes laboratoriais. Por ser silenciosa e portátil a Carrier Safe Air pode ser utilizada em diversos ambientes como escolas, hospitais, escritórios e estabelecimentos comerciais. Recentemente a empresa lançou para aplicação residencial o Purificador de Ar Midea que possui características similares.

Rafael Dutra: A Trane entende que a forma adequada para lidarmos com os desafios relacionados com a qualidade do ar é através de uma visão holística sobre a edificação, atuando sobre os sistemas que trabalham de forma interconectada para fornecer uma boa experiência aos usuários. Tendo isso em mente, o nosso time de serviços oferece ao mercado um programa de três etapas que se inicia com a avaliação das instalações, que resulta em um relatório com todas as descobertas e recomendações para adequação das instalações, seguida pela fase de mitigação, quando as tecnologias adequadas para a realidade daquele edifício são implementadas dentro de um cronograma estabelecido com o cliente e, então, na última etapa, é feita a gestão por melhoria contínua, com o auxílio do sistema de controle e automação Tracer SC+ Awair que permite a verificação de qualidade do ar dos ambientes, podendo identificar quaisquer ajustes necessários em tempo real e facilitando a comunicação para os usuários de que se trata de um ambiente seguro.

Da redação

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