A ferramenta pode ser usada tanto em projetos novos quanto em edificações existentes, inclusive subsidiando a decisão por um retrofit

  1. Introdução

O uso de ferramentas de simulação tem crescido nos últimos 15 anos impulsionado pelo crescimento da elaboração de certificações de edificações sustentáveis, em particular, LEED, AQUA e Procel Edifica.

Estas ferramentas permitem avaliar o desempenho energético de edificações por meio da entrada de dados como materiais da envoltória, capacidade e tipo de sistemas de iluminação e de climatização, ocupação, dados climáticos etc. Estes e outros aspectos e características podem ser avaliados de forma integrada fazendo com que se possa verificar o impacto de uma ou mais variações no desempenho energético da edificação.

Uma das diversas ferramentas disponíveis para a simulação do desempenho integrado de edificações é o Energy Plus (DOE, 2020), que foi desenvolvido a partir da união de duas outras ferramentas: DOE-2 e BLAST em 1996. Esta ferramenta foi validada de forma sistemática e é aceita em diversos países, inclusive no Brasil. Desde então, esta ferramenta tem sido atualizada anualmente e encontra-se na versão 9.5. Durante a sua evolução, o Energy Plus tem crescido em abrangência em relação aos modelos de equipamentos e características da edificação e sua integração.

  1. Modelagem de falhas

O uso do Energy Plus pode ser direcionado tanto para avaliação de projetos novos como para edificações existentes, sendo que, para as últimas, as análises realizadas com o uso desta ferramenta podem servir de subsídio para definição de ações de retrofit, comissionamento e apoio na tomada de decisões para a operação da edificação.

No caso da operação da edificação, recentemente foram introduzidos modelos que permitem simular a ocorrência de falhas em equipamentos e sensores de sistemas de climatização e ventilação. Estes modelos permitem verificar o impacto de falhas que podem ocorrer no sistema de climatização e ventilação no desempenho energético, bem como nas condições de conforto térmico e qualidade do ar interno da edificação. Atualmente, as seguintes falhas podem ser simuladas no Energy Plus:

  • Falha ou offset no sensor de temperatura externa no sistema economizador de ar
  • Falha ou offset em termostato e/ou umidostato
  • Incrustação em trocadores de calor (lado ar e lado água) em evaporadores, condensadores, condensadores evaporativos e torres de resfriamento
  • Falha ou offset na temperatura de saída da água gelada no resfriador
  • Entupimento de filtros
  • Degradação de eficiência de ventiladores
  • Dampers emperrados
  • Cargas de fluido refrigerante incorretas
  • Superdimensionamento de equipamentos

Estes modelos permitem impor a falha que se deseja analisar e, após a simulação da edificação com e sem falha, pode-se verificar os impactos causados pela falha no desempenho energético da edificação, no conforto térmico e na qualidade do ar no interior dos ambientes climatizados. Para exemplificar os impactos das falhas, Wang & Hong (2013) modelam uma edificação comercial na cidade de Chicago e impõem um conjunto de falhas e alguns dos resultados obtidos são apresentadas na Tabela 1. Nesta tabela, os valores positivos representam aumentos percentuais do consumo de energia enquanto valores negativos representam reduções percentuais de consumo para os principais componentes do sistema de climatização.

Tabela 1. Falhas em sistemas de climatização e seu impacto.

Para demonstrar o uso destes modelos, será apresentada a análise do entupimento de filtros de um fan coil em uma edificação comercial climatizada na cidade de São Paulo.

  1. Modelagem

A modelagem do efeito do entupimento do filtro é feita por meio da mudança da perda de pressão imposta ao ventilador, que ocorre da deposição de particulados na superfície do filtro.

O efeito do entupimento do filtro se traduz em um aumento da resistência ao escoamento do ar, promovendo um aumento da perda de pressão que deve ser vencida pelo ventilador, mostrado na Figura 1. O ponto A representa o ponto de operação do sistema sem entupimento (Sistema 1). Já o ponto B representa a mudança na curva do sistema (Sistema 2) devido ao aumento da perda de pressão imposta pelo entupimento do filtro. A norma ASHRAE 52.2 (ASHRAE, 2017) sugere que, para efeito de programação da troca de filtros, a troca deve ocorrer quando a perda de pressão no filtro classificado como sujo seja o dobro da perda de pressão na situação de filtro limpo. Nassif (2012) analisa o efeito do entupimento de filtros MERV 8 e 12 no desempenho de sistemas de climatização, comparando condições de filtros limpos e sujos. O autor mostra que aumentos de 20% na perda de pressão nos filtros impostas pelo seu entupimento impõe aumentos de 20% a 30% no consumo de energia dos ventiladores.

Figura 1. Efeito do aumento da resistência ao fluxo do ar em um sistema de distribuição de ar servido por um fan-coil.

  1. Estudo de caso

Para ilustrar as colocações anteriores e quantificar o impacto da ocorrência de filtro entupido na serpentina do fan coil em edificações comerciais climatizadas, será utilizado o modelo de um edifício comercial típico localizado na cidade de São Paulo com 1050 m2 (planta típica com 30 m de largura por 35 m de comprimento) com 20 andares. O modelo foi construído utilizando as seguintes ferramentas de simulação: Energy Plus versão 9.4 (DOE, 2020), Sketchup 2.7 (Trimble, 2018) e o plugin Open Studio 3.0 (NREL, 2018), que são ferramentas utilizadas na simulação de desempenho de edificações climatizadas usadas em processos de certificação de edifícios sustentáveis como LEED, AQUA e Procel Edifica. Os materiais das envoltórias e os níveis de demanda de iluminação e equipamentos foram definidos com base na norma 90.1, bem como o tipo de sistema de climatização e sua eficiência (ASHRAE, 2019). Para este caso, foi avaliado um resfriador de água gelada com condensação a água e capacidade de 1000 TRs com COP nominal de 5,18 (IPLV de 6,07) com fan coils de 50 TRs em cada andar.

Nesta situação, a perda total de pressão a ser suprida pelos ventiladores no fan coil é de 157 Pa, sendo que a perda de pressão do filtro limpo é de 25 Pa. Para avaliar a degradação dos filtros, será imposto um aumento na perda de pressão nos filtros de 50 e 75 Pa, sendo que o aumento para 50 Pa é o dobro da perda de pressão com filtro limpo, que atinge o limite para troca sugerido pela norma ASHRAE 52.2 (ASHRAE,2017).

O último parâmetro a ser definido é em quanto tempo o filtro atingirá as condições de sujo (50 Pa) e muito sujo (75 Pa). Até o momento, não foram encontradas informações sobre a definição deste tempo pois ele depende de muitos fatores como qualidade do ar externo, filtragem do ar externo, qualidade do ar interior, frequência de uso do sistema de climatização etc. Dessa forma, para efeito de análise neste artigo, serão propostos 03 períodos em que, ao final de cada um, o filtro atingiria a condição de sujo e muito sujo, a saber: 3, 6 e 9 meses. Para cada período será adotada uma variação do nível de entupimento (representado pelo aumento da perda de pressão no filtro) que seguirá o comportamento de uma curva sigmoide, que é bastante representativa de fenômenos de deposição de material (vide Figuras 2 e 3).

Figura 2. Distribuição da perda de pressão ao longo de 3, 6 e 9 meses (Perda de pressão total=50 Pa)

 

Figura 3. Distribuição da perda de pressão ao longo de 3, 6 e 9 meses (Perda de pressão total=75 Pa)

Os resultados obtidos das simulações para os cenários de aumento de perda de pressão são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2. Comparação do aumento percentual de consumo anual e do aumento do custo de operação anual.

 

Ressalta-se que os dados apresentados estão relacionados a um fan coil, e estima-se que o custo de troca de filtro para este equipamento está em torno de R$ 40,00. Dessa forma, em um ambiente mais severo (perda de pressão de 50 Pa em 03 meses), o aumento de custo de operação fica próximo do custo de troca do filtro. Em ambientes mais severos, se a troca não for feita no momento adequado, a instalação passa a ter um custo mais alto de operação. Por isso, é importante a avaliação periódica dos filtros para garantir a sua boa operação e a sua troca no momento adequado. No tocante a realização da troca, o uso de sensores para avaliar a perda de pressão na passagem do ar pelo filtro pode otimizar a frequência da troca dos filtros e reduzir os custos de operação e manutenção.

Além do aspecto de aumento de consumo causado pelo entupimento do filtro, pode-se avaliar o efeito desta falha na qualidade do ar interior e de conforto térmico dos ocupantes. Ao final de cada período (3, 6 ou 9 meses), avalia-se que nos ambientes ocorre um aumento das horas em desconforto de 5,3% para o nível de aumento de pressão de 50 Pa e de 9,2% para o aumento de pressão de 75 Pa. No tocante a qualidade do ar interior, o nível de CO2 foi usado como um indicador e verifica-se que, ao final de cada período (3, 6 e 9 meses), ocorre um aumento do nível de CO2 de 3,4% e 5,8%, para os aumentos de pressão de 50 e 75 Pa, respectivamente.

  1. Conclusões

Pode-se observar que a otimização da frequência de troca de filtros pode ser atingida por meio de avaliações de ferramentas de simulação desde que se tenha um melhor entendimento de como o processo de entupimento ocorre. Nesse sentido, a sistematização do histórico de manutenção das edificações pode ser uma fonte de dados importante para garantir que as trocas sejam feitas no momento adequado e, também, subsidiar um melhor entendimento do processo de entupimento. Além disso, pode-se avaliar o uso de um sistema de sensores para o monitoramento da perda de pressão nos filtros, permitindo ações que caminham para sistemas de manutenção preditiva, que permitem reduções de custo e melhoria no desempenho energético da edificação.

Alberto Hernandez Neto, doutor e livre docente, é professor associado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI USP) no Departamento de Engenharia Mecânica

  1. Referências

ASHRAE. Norma 52.2 02017: Method of Testing General Ventilation Air-Cleaning Devices for Removal Efficiency by Particle Size. ASHRAE, 62 páginas, 2017.

ASHRAE. Norma 90.1-2019:  Energy Standard for Buildings Except Low-Rise Residential Buildings. ASHRAE, 428 páginas, 2019.

DOE. Department of Energy. Energy Plus Engineering Reference, 1732 páginas, 2020.

Hong, T.; Wang, L. Modeling and Simulation of HVAC Faulty Operations and Performance Degradation due to Maintenance Issues. Report Ernest Orlando Lawrence – Berkeley National Laboratory, 10 páginas, 2013.

Nassif, N. The impact of air filter pressure drop on the performance of typical air-conditioning systems. Building simulation, Vol 5, páginas 345-350, DOI 10.1007/s12273-012-0091-6, 2012.

NREL. National Renewable Energy Laboratory, 2018. Disponível: https://www.openstudio.net/, acesso em : 20/05/2021.

Trimble.Software documentation, 2018. Disponível: https://www.sketchup.com/pt-BR, Acesso: 20/05/201.

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