Uma das formações essenciais dos engenheiros mecânicos é a capacidade de resolver problemas. No caso deste grupo de alunos da Universidade de Brasília (UnB), orientados pelo prof. João Pimenta, o desafio foi idealizar um sistema de refrigeração completo por compressão a vapor de um conjunto de cinco câmaras frias, com alimentos armazenados, temperaturas e condições de funcionamento distintas.
Contextualização
Para o projeto, certas condições iniciais foram estabelecidas. Por exemplo, o local da instalação é a cidade de Brasília, com todas as câmaras frias (CFs) com pé direito de 4 m e portas de acesso de 1,5 x 2 m. Além disso, as câmaras 1, 2 e 3 armazenam carne, enquanto a câmara 4 conserva bebidas e a câmara 5 armazena flores e hortaliças (Figura 1). Outro aspecto foi a operação de cada câmara: a CF1 realiza congelamento rápido de 20 °C a -5 °C em 90 min; a CF2 armazena os produtos que chegam a -20 °C nessa mesma temperatura; a CF3 recebe os alimentos a -5 °C e resfria-os até -20 °C em 240 min; a CF4 admite os produtos na temperatura ambiente e abaixa-a até 5 °C em 120 min; e a CF5 também resfria os alimentos da temperatura ambiente a 15 °C, em um período de 60 min.
Com isso, e almejando a capacidade de armazenamento máxima (sem prejuízos à refrigeração ou ao manuseio de carga) com menor impacto ambiental, facilidade de manutenção e operação e menor custo final possível, os autores formularam a seguinte solução para o problema apresentado. A solução foi revisada pelo prof. João Pimenta e baseou-se na literatura já existente, em especial nas diretrizes encontradas nos Manuais da ASHRAE (2013; 2014).
Análise do projeto
Primeiramente, as câmaras foram divididas em dois sistemas independentes, de acordo com características de operação similares. O Sistema 1 abarca as CFs 1, 2 e 3, enquanto o Sistema 2 engloba as CFs 4 e 5 e a antecâmara (a ser mantida a 15 °C). Para cada um dos sistemas foi elaborada uma solução com as seguintes diretrizes:
- Sistema por expansão indireta, com o R717 como fluido primário e uma solução alcoólica a 59% como fluido secundário;
- Compressão em dois estágios, com uso de separador de líquido (expansão fracionada);
- Ramificação do sistema secundário para atender às diferentes câmaras.
O esquema de funcionamento pode ser visualizado na Figura 2. A amônia foi escolhida para o circuito primário pelo seu alto calor latente e sua economia em um processo de duplo estágio de compressão (Pimenta, 2007). Ela circulará em menor volume por estar apenas nos equipamentos do sistema principal, dispostos em uma laje técnica com abundância de circulação de ar natural e presença de sensores de concentração de R717, o que garante sua manutenção em níveis seguros. Em acréscimo, a solução alcoólica AA59%, presente no circuito secundário, não oferece riscos de contaminação aos alimentos, é líquido a temperaturas acima de -40 °C, possui baixa viscosidade e seu ponto de ignição é acima de 20 °C — além da temperatura máxima que atingirá no ciclo (Nissin, 2012).
Ademais, o uso de dois estágios de compressão possibilita uma economia de energia, a qual é tão maior quanto o calor latente do fluido refrigerante. Por fim, a ramificação do circuito secundário possibilita que todas as câmaras trabalhem dentro da mesma diferença de temperatura em cada sistema, o que simplifica os cálculos, apesar de aumentar a perda de carga nas tubulações.
Cálculo de carga térmica
Para calcular a carga térmica, deve-se definir alguns aspectos do projeto. Em relação ao armazenamento dos produtos, cada tipo de alimento recebeu uma embalagem adequada: as carnes são embaladas a vácuo e armazenadas em caixas de papelão; as bebidas são armazenadas em engradados de latas de alumínio, garrafas PET ou garrafas de vidro, em diferentes proporções; as hortaliças são colocadas em caixas de propileno; e as flores são colocadas em cestos de propileno verticais. Os alimentos embalados foram, então, posicionados em prateleiras de aço inox com seis (carnes e bebidas) ou quatro (flores e hortaliças) estantes, devidamente fixadas ao piso. Com isso, a massa de alimento em cada câmara pôde ser calculada.
Outra consideração foi o isolamento das paredes, piso e teto. Assumiu-se que a construção fosse prévia, e que as paredes internas, o teto e o piso receberiam reforço de combinações de materiais isolantes: EPS, primer, filme de alumínio, filme plástico, piso uretano e PVC. Considerou-se também que a perda de calor nas tubulações é mínima, garantida por uma cobertura de espuma elastomérica com espessura calculada posteriormente. Por fim, o isolamento do complexo e das câmaras foi concluído pela seleção de portas adequadas — porta industrial para as câmaras 1 e 3, porta seccional na câmara 2, porta vai e vem para as câmaras 4 e 5 e cortina de vento e de PVC no complexo.
A partir das informações básicas do edifício, montou-se um cronograma de funcionamento para as câmaras, considerando que elas abastecem um mercado de médio porte. Para cada horário, as atividades, as máquinas e o número de pessoas foram considerados, de modo a calcular os cinco tipos de carga térmica — de transmissão, do produto, de fontes internas, de infiltração e dos equipamentos de refrigeração — em cada horário pela Equação 1, com a correção de 10% recomendada (Pimenta, 2008). O método adotado foi o Cálculo Horário.
O Sistema 1, o Sistema 2 e o conjunto possuem uma carga térmica de cerca de 39 TR, 21 TR e 46 TR, respectivamente. Os cálculos estão no relatório técnico, ao final do texto.
Simulação dos sistemas
Com as cargas térmicas (Figura 3), assumindo-se tanto as temperaturas de entrada e saída do ar nas câmaras quanto do refrigerante secundário no evaporador, a partir de temperaturas ideais de condensação e evaporação da amônia, pôde-se simular o funcionamento do sistema pelo software EES (F-Chart, 2021). Para igualar as trocas de calor, foi preferível usar o método da Diferença de Temperatura Média Logarítmica (LMTD) nos sistemas secundários, enquanto o Método da Efetividade foi utilizado nos sistemas primários. Os gráficos de Pressão x Entalpia da Figura 4 ilustram os oito estados termodinâmicos dos sistemas dimensionados.
Nas simulações, calcularam-se os Coeficientes de Performance (COP) ideal e real, com os trabalhos isentrópico e real, respectivamente. Para o Sistema 1, o COP ideal é 3,1 e o real é 2,5, enquanto que, para o Sistema 2, o COP ideal é 5,5 e o real é 4,5. Os valores estão dentro do esperado para as temperaturas de condensação escolhidas (segundo simulação realizada no EES), e condizem com a diferença entre as temperaturas de evaporação e de condensação.
As simulações também retornaram os valores mínimos ideais dos três fluidos envolvidos: ar (dentro das câmaras), AA59% (circuito secundário) e R717 (circuito primário). Para suprir as demandas de carga térmica exigidas, serão usados 75,9 m³/h da solução alcoólica a 59% e 0,98 m³/h da amônia líquida. Com essas informações, as características dos fluidos e as cargas térmicas, foi feita a pré-seleção dos equipamentos que suprem as exigências do sistema idealizado.
Implementação do projeto
Dentro das câmaras, a troca de calor entre o ar e o fluido refrigerante secundário é provida por forçadores. Eles foram escolhidos com base na vazão mínima de ar e máxima de refrigerante que pudessem suprir, bem como na carga térmica mínima. Todos eles são fixados ao teto das câmaras por meio de chumbadores especificados em catálogo.
Uma laje técnica foi criada acima das câmaras, com pé direito de 3 m, para comportar os equipamentos dos sistemas principais e boa parte das tubulações. Nele, os aparelhos de cada sistema foram instalados em módulos, contendo o evaporador casco-tubo, o compressor de dupla compressão e o separador de líquido, cada qual com um modelo apropriado para cada sistema. Além disso, os dispositivos de expansão são válvulas de expansão eletrônica presas às próprias tubulações.
Na cobertura acima da área técnica, os dois condensadores a ar foram posicionados verticalmente alinhados com os sistemas correspondentes. Por fim, foram acrescentadas bombas aos sistemas secundários, devido à perda de carga nas tubulações. Para cada uma, um motor adequado foi escolhido, e a fixação por chumbadores foi providenciada.
De acordo com as vazões especificadas, os diâmetros especificados pelos equipamentos escolhidos e as características dos fluidos, a linha frigorígena de aço A106 grau B foi modelada, utilizando reduções concêntricas e filtros de aço inox onde fosse apropriado e válvulas de segurança na entrada e saída dos equipamentos. Além de dimensionar o caminho das linhas frigorígenas, tanto o isolamento de espuma elastomérica quanto a perda de carga — incluindo a variação de temperatura e de pressão no circuito primário, e a perda distribuída segundo Darcy-Weisbach no secundário — foram calculados.
A partir das características de desempenho energético fornecidas pelos fabricantes, o consumo total mensal do complexo foi estimado como 25070 kWh/mês. Esse valor condiz com dados apresentados em estudos de câmaras frias de supermercado, considerando a área total das câmaras e da antecâmara do projeto em questão.
Implementação de sistema fotovoltaico
Para reduzir o custo operacional associado ao consumo de energia elétrica da concessionária, uma estratégia adotada foi a implementação de geração de energia por sistema fotovoltaico, como mostrado na Figura 5.
A energia solar, além de economizar em energia e custo associado, é uma energia limpa e renovável e contribui para um projeto mais sustentável. Então, o espaço no teto foi aproveitado para a inserção de 110 painéis fotovoltaicos, os quais geram 6534 kWh/mês e contribuem para uma economia aproximada de R$ 4500 por mês. Com isso, o projeto classifica-se como um investimento com Taxa Interna de Retorno de 42%. O gráfico da Figura 6 ilustra o payback, que é de 3,6 anos, e o retorno mensal, em reais. Ademais, em 25 anos (prazo de funcionamento a 100% da capacidade), a economia prevista será de 5x o valor aplicado. Essas considerações foram feitas com base na proposta de uma empresa brasiliense, e estão sujeitas a mudanças.
Finalmente, para o projeto de cinco câmaras frigoríficas com temperaturas e operações completamente distintas, com todos os equipamentos selecionados e o projeto de energia solar instalado, orça-se que será necessário um investimento de cerca de 749 mil reais, sujeito a cotações de mercado. Como apresentado, essa quantia representa um investimento, cujo retorno financeiro é factível, uma vez que colabora para o melhor funcionamento das câmaras, com sua capacidade máxima e o menor impacto ambiental possível.
Ana Luíza Souza Maia, Gabriel de Paiva Silva, Gabriel Silva Póvoa, Gustavo Faber de Almeida Rosa, Jaquelinne de Godoi Souto, Juan Linhares Barbosa, Lúcio Starling de Azevedo, Renan Alves Sisnando, Rodrigo Almeida Gonçalves e Rodrigo Souza Pimenta, são alunos do Curso de Engenharia Mecânica na Universidade de Brasília (UNB)
Para acessar o projeto completo, consulte o QR Code
Referências
ASHRAE. Handbook: Fundamentals. Atlanta, GA: American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers, Inc., 2013.
ASHRAE. Handbook: Refrigeration. Atlanta, GA: American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers, Inc., 2014.
F-CHART. EES: Engineering Equation Solver. 2021. Disponível em: <https://rb.gy/gw5ava>. Acesso em: 02 abr. 2021.
NISSIN. Ammonia-alcohol refrigeration system. 2012. Disponível em: <https://rb.gy/lpksg3>. Acesso em: 20 mar. 2021.
PIMENTA, J. Refrigeração: Fluidos Refrigerantes. Outubro a dezembro de 2007. 217 slides. Notas de Aula. Apresentação MS PowerPoint.
PIMENTA, J. Refrigeração: Carga Térmica de Refrigeração. Abril a julho de 2008. 111 slides. Notas de Aula. Apresentação MS PowerPoint.