Embora sustentado por alguns projetistas e consultores, e grande parte da indústria, adoção do conceito esbarra na incompreensão de muitos investidores

O acrônimo ESG – Environmental, Social and Governance, ou Meio Ambiente, Social e Governança, em português, é um conjunto de padrões e práticas utilizado para definir se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e transparentemente gerenciada.  Em resumo: uma forma de medir o desempenho de sustentabilidade de uma organização, ampliando a perspectiva de análise do negócio para além das métricas financeiras

A incorporação do ESG à estratégia e modelo de negócios das organizações atesta a indissociabilidade entre propósito e lucro. No plano ambiental, há exigências como gestão de resíduos gestão de resíduos, política de desmatamento, uso de fontes de energia renovável, posicionamento frente às mudanças climáticas, entre outros. O social, contempla questões muito amplos, como o bem-estar dos funcionários, taxa de turnover, plano de previdência para os funcionários, entre outros benefícios, salários justos etc. Finalmente, a governança tem enquanto ponto central a forma como a empresa é administrada por gestores, como transparência financeira e contábil, relatórios honestos e remuneração de acionistas.

Embora todos esses temas já se alinhassem na década de 1970, apenas em 2004 eles tomaram forma e corpo. Foi em 2004, porém, que o Environmental, Social and Governance tomou forma. Neste ano o Pacto Global editou em parceria com o Banco Mundial, a publicação Who Cares Wins (Quem se importa, ganha, em tradução livre).

Os green bonds, títulos voltados à captação de recursos para a melhoria ambiental, começaram a ser emitidos em 2007, iniciando uma trilha que muitos apontam para um caminho sem volta no mundo dos investimentos.

A pergunta que se coloca, em primeiro lugar, é se realmente o conceito, abraçado pela elite financeira e política mundial, será suficiente para, em breve, alcançarmos as metas que ano a ano são traçadas em eventos como o Fórum Econômico de Davos. A crise climática tem se mostrado resistente; a desigualdade social cresce continuamente, assim como a miséria, como atestam os relatórios da Oxfam e a governança está longe do ideal, tanto nos planos público, quanto privado. É como se, em público, todos fossem ferrenhos defensores e implementadores dos critérios ESG, mas, no privado, é cada um por si.

John Elkington, que ganhou destaque no meio corporativo ao trazer os princípios ambiental e social para a discussão sobre desenvolvimento, sem abandonar a perspectiva financeira, é cético. Em entrevista ao jornalista Thiago Bethônico da Folha de São Paulo, em outubro último, quando perguntado sobre a capacidade de o atual modelo econômico debelar a crise climática, foi categórico: “Não acho que podemos confiar no capitalismo de forma alguma.”

“A questão é: ou vamos para a revolução ou fazemos algo diferente. Estou otimista de que podemos fazer algo diferente, mas a menos que façamos isso rapidamente, essa revolução à moda antiga vai se impor em nosso mundo”, continuou o sociólogo britânico.

No AVAC-R, o tema sustentabilidade há anos tem merecido a atenção de alguns projetistas e consultores, assim como por indústrias, no sentido de fornecer sistemas mais eficientes e, por consequência, de menor impacto sobre a crise climática. A batalha tem sido árdua, por 10% a 20% a menos no total do investimento em sistema de climatização, a sustentabilidade é abandonada, passando a figurar tão somente no material publicitário das empresas.

A compreensão do ESG

O conceito ESG aplicado à indústria do AVAC-R, embora não raro esbarrando na incompreensão de usuários de sistemas, tem mobilizado, na medida do possível, as empresas e associações do setor.  Rogério Marson Rodrigues, da Eletrofrio e membro do Conselho Editorial da revista A+CR, diz entender o ESG “como um compromisso coorporativo que visa o bem comum, do meio e das pessoas que nele vivem e trabalham.”

A mesma percepção ´´e externada por José Mauricio Sampaio, diretor geral da Nederman. “O ESG, em nossa opinião, é um avanço importante no caminho para uma economia sustentável. Sua implantação reforça o compromisso e as ações das empresas no sentido de uma maior transparência em vários aspectos, principalmente na sustentabilidade. Esse aspecto está se tornando cada vez mais importante na tomada de decisão dos investidores na hora de definir seus aportes de investimento, além de influenciar na decisão de clientes, colaboradores e outros parceiros de negócio.”

Ou, como entende Lucas Fugita, da Chemours, as práticas ESG são essenciais para se atingir o desenvolvimento sustentável das organizações. “Além de serem plataformas ativas para o crescimento estratégico, as práticas ESG também são reflexos dos valores e cultura da empresa. As empresas que hoje não adotam o ESG estão perdendo oportunidades de melhoria contínua através de boas práticas compartilhadas, podem perder a preferência e a lealdade de seus clientes mais conscientes e perdem também valor diante a investidores e acionistas.”

“Na verdade, minha interpretação é bastante simples, o conceito ESG está fortemente relacionado com os princípios do ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) do Pacto Global, capitaneado pela ONU com adesão de várias entidades internacionais de prestígio. Adotar os ODS como princípios não é nenhum favor ou benevolência, trata-se de trabalhar com ética, investir em P&D, buscar soluções sustentáveis, adotar objetivos de inclusão entre seus colaboradores e melhora na vida de tantos quantos for possível, praticamente uma obrigação de qualquer cidadão”, diz Walter Altieri, da Refrisat.

Carlos Ehlers, Diretor Geral da Soler Palau, avança na compreensão das tarefas e limites do AVAC-R. “Imagino que o setor possa participar na medida em que as empresas que o compõem se engajem em medidas de transparência, cuidado com o meio ambiente, não só nos seus processos, mas também no impacto de seus produtos até o fim de sua vida útil, e, também, na postura de ter uma operação sustentável, em conjunto com seus fornecedores. Destacamos a importância de as empresas possuírem um código de ética e de o implementarem em seus fornecedores, bem como de terem canais para que os funcionários se manifestem livremente para fazerem denúncias de violação do código de ética. Igualmente importante é que as contas da empresa sejam auditadas por auditores independentes, de forma a garantirem sua correção no cumprimento da legislação e das práticas contábeis.”

Marson, da Eletrofrio, identifica outras possíveis contribuições. “A ações do AVAC-R interferem em muitos aspectos no meio e nas pessoas, seja pela aplicação de fluidos refrigerantes nocivos ao meio ambiente e ao ruído gerado pelos equipamentos, motivo pelo qual este setor deve estar muito atento às consequências dos seus projetos, decisões e instalações. Julgo que os maiores impactos do setor no meio ambiente estão relacionados a eficiência energética dos projetos de AVAC-R e ao uso de fluidos refrigerantes, os quais merecem toda a atenção dos profissionais envolvidos.”

Sampaio, por sua vez, entende que, devido à pulverização do mercado, a penetração dos sistemas ESG na cadeia deve levar tempo. “No entanto, existem neste mercado grandes players que podem imediatamente iniciar a implementação do ESG. A essas grandes empresas cabe a fundamental tarefa de desenvolver tecnologias que reduzam o impacto ambiental dos sistemas de climatização e ventilação, especialmente no que tange à economia de energia”, pondera.

Altieri adianta a proposta de algumas iniciativas para que o setor possa aumentar sua contribuição. “Além das óbvias, normalmente ligadas às boas práticas de cidadania e de gestão empresarial, entendo que uma forma prática de contribuirmos seria apresentar um plano ao MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Industria, Comércio e Serviços) propondo investimentos para financiamentos de retrofits, reduzindo a necessidade de infraestrutura energética no médio prazo, uma vez que grande parte de nosso parque instalado é muito ineficiente. Por mais que se subsidiem estes financiamentos, minha sensação é que ficarão muito abaixo dos investimentos evitados em geração futura de energia. Temos profissionais muito competentes, inclusive dentro da Abrava, em condições de quantificar e formatar esta ideia.”

Contribuições do setor

De certa forma está pacificado que é na questão ambiental que pode se dar a grande contribuição do AVAC-R, embora não apenas. Ehlers, da Soler Palau, identifica algumas: “Imagino que ao alcance do AVAC-R estejam medidas de tratamento e/ou reciclagem dos resíduos gerados nos processos de fabricação dos produtos e na utilização de gases de refrigeração com baixo ou nenhum impacto ambiental. A utilização de energia de fonte renovável também é importante, bem como a não utilização de materiais e utensílios descartáveis.”

“O AVAC-R tem no meio ambiente uma de suas principais demandas com a redução de consumo de energia e redução da utilização de gases que contribuem para o efeito estufa. Para tanto, o setor hoje já conta com tecnologias de sistemas com maior automação que permitem melhor eficiência energética com menor custo total de propriedade, adotando-se fluidos refrigerantes de baixo impacto ambiental, como é o caso dos fluidos refrigerantes HFOs, as hidrofluorolefinas, que não degradam a camada de ozônio e possuem baixo ou ultrabaixo potencial de aquecimento global”, indica Fugita.

Otimista, Altieri entende que o setor se encontra no caminho certo com relação a busca de equipamentos e processos cada vez mais eficientes, fluidos refrigerantes menos agressivos, e tecnologias para a redução do consumo de água com sistemas adiabáticos. “A maioria dos fabricantes dos principais equipamentos são multinacionais e já adotam mundialmente padrões razoavelmente satisfatórios. As empresas que complementam a cadeia deveriam (ou poderiam, quando possível) investir mais em Certificações como ISO 14.000, entre outras, que normatizam e direcionam questões prioritariamente ambientais.”

Na questão social, Marson identifica algumas demandas a serem atendidas. “O setor de AVAC-R é bastante amplo e está em quase todas as partes do país. Onde tem uma padaria ou um supermercado, tem alguém do setor para prestar serviços de instalação e manutenção. Dada esta abrangência, cabe aos líderes do setor trabalharem na capacitação profissional, segurança do trabalho e diversidade, dando oportunidades a todos os grupos de pessoas que fazem parte da sociedade brasileira.”

Há grande concordância da necessidade de implementar o ESG nas empresas do setor. E os caminhos são, em geral, concordantes. “O caminho é a conscientização da alta direção, que começará a difundir essa nova cultura, permeando a organização com novas normativas e procedimentos que irão estabelecer os novos parâmetros de comportamento. A participação de gerentes e supervisores e um programa de treinamento para toda a equipe são necessários. A certificação da empresa em normas como ISO 9001, ISO 14001 e SA 8000 também faz parte do caminho”, diz Ehlers.

“Por se tratar de um sistema de gestão, é razoável propor que as equipes que desenvolveram e implantaram sistemas de qualidade e ambiental nas empresas, como ISO 9000 e ISO 14000, também implementem o ESG. No entanto, para que isso seja viável, será necessário investir na formação desses profissionais. Além disso, o comprometimento da alta direção é fundamental para a viabilização e sucesso da implantação do ESG”, concorda Sampaio.

“Entendo como fundamental a colocação de profissionais que sejam responsáveis pelo assunto, que determinem KPIs para todos os níveis, principalmente nos setores sensíveis ao tema, o que já vem acontecendo em algumas empresas, embora ainda timidamente.

Observando as leis que procuram proteger e melhorar as condições ambientais, o IDH e as relações humanas, deixando de investir inteligência e outros recursos para burlar tais leis e normatizações. Em seguida, assumir uma postura mais participativa na fiscalização dos recursos e serviços públicos, cobrando e pressionando os responsáveis por estes segmentos. Por fim, disponibilizando informação de qualidade aos colaboradores, elaborando orientações éticas utilizando um documento de compliance com informações claras, objetivas e de fácil mensuração”, completa Altieri.

O que as empresas têm feito?

Na medida do possível, as empresas do setor têm se movimentado no sentido de adotar os objetivos e métricas ESG em sua operação cotidiana.

“Desde a nossa matriz na Espanha recebemos do departamento de auditoria interna as diretrizes de governança corporativa, temos nossas contas auditadas por auditores independentes, possuímos um código de ética e o estamos implementando em nossos fornecedores; a energia que usamos é de fonte renovável, temos um programa de tratamento e destinação dos resíduos que geramos, estamos implementando o uso somente de papel reciclado na empresa, eliminamos os copos plásticos no uso diário, estamos encaminhando a certificação ISO 14001, entre outras ações. O Grupo Soler & Palau possui um plano estratégico de sustentabilidade, e já lançou na Europa um ventilador fabricado totalmente com materiais de origem reciclada”, esclarece Ehlers.

Marson entende que o ESG, “da forma que se apresenta é um assunto novo, o qual começa a entrar em nossas discussões, mas diversas ações vinculadas a ele já fazem parte da missão da empresa, como bem atender a seus clientes com projetos sustentáveis e bem inseridos no meio onde será instalado. As discussões (na empresa) encontram-se em estágio inicial, porém são claros os impactos que nossas ações e projetos causam na sociedade, sendo estes nossos primeiros objetivos quando pensamos em ESG.”

“O Grupo Nederman tem uma ambiciosa política de sustentabilidade, que abrange todos os aspectos do ESG. A empresa já avançou muito nessa área e continua avançando, como se pode comprovar pelo Relatório Anual de Sustentabilidade. Entre muitas outras ações, políticas e processos voltados para a sustentabilidade, a Nederman possui uma série de indicadores de performance (KPIs) especificamente voltados para a sustentabilidade, implementados em todas as unidades da empresa espalhadas pelo mundo. A Nederman tem todas as suas unidades produtivas com sistemas de gestão certificados ISO 9001 e ISO 14001, inclusive no Brasil. Ao lado desses sistemas a implementação de políticas e processos nas áreas ambiental, recursos humanos e relação com a comunidade e tomadores de decisão, completam o ESG que está sempre em melhoria contínua”, informa Sampaio.

“Nas questões de Governança pertencentes ao Social e aos Recursos Humanos não tenho observado planos estratégicos específicos aqui na Refrisat. O que observo é que não existe segregação, as oportunidades são oferecidas a todos, podemos notar com frequência a valorização dos colaboradores através de campanhas de endomarketing e distribuição de lucros entre todos. Estes são valores que a Refrisat traz naturalmente em seu DNA”, diz Altieri.

“Sobre as questões ambientais, a empresa decidiu realizar um grande investimento na busca de homologação como OEM Danfoss Turbocor. Muito em breve estaremos credenciados a fabricar chillers com alta eficiência energética e livres de óleo. Também acabamos de firmar um acordo de joint venture com a Frigel Firenze para operação na América Latina. Incluiremos em nosso portfólio Dry Coolers de alta eficiência, trazendo importante economia de água nos processos industriais e de climatização, lembrando que a diferença entre a oferta e a demanda de água no planeta chegará a 40% até 2030”, completa o executivo da Refrisat.

Na Chemours o compromisso com a responsabilidade corporativa se iniciou em 2017, segundo Fugita, quando a empresa se propôs a ser a melhor e fazer o melhor para clientes, comunidades, funcionários e todo o mundo a sua volta. “Desde então fizemos um enorme progresso para atender esta ambição, ao mesmo tempo em que transformamos e crescemos nossa companhia além do que pudéssemos ter imaginado. O mundo exige cada vez mais produtos, tecnologia e atuação responsáveis e nós, como Chemours, compartilhamos destas expectativas como nossos compromissos em tudo o que fazemos. Os compromissos de responsabilidade corporativa da Chemours são apenas um capítulo que demonstram nossa visão de que juntos podemos criar um mundo melhor através do poder da química.”

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