Objetivo é alcançar a eliminação de 97,5% do consumo de HCFCs em 2030
A implementação da Emenda de Kigali é um desafio para todos os mercados mundiais, tanto para os países desenvolvidos quanto para os em desenvolvimento. Quando o Protocolo de Montreal foi instituído, o foco inicial era a eliminação do consumo dos clorofluorcarbonos – CFCs, que são substâncias destruidoras da camada de ozônio e possuem GWP muito alto. Na época, a substituição dos CFCs foi mais simples, pois em seu lugar foram utilizados os hidroclorofluorcarbonos – HCFCs, que apresentam um potencial de destruição do ozônio bem menor, mas também são de alto GWP. Atualmente, no caso do Brasil, por meio do Programa Brasileiro de Eliminação dos HCFCs (PBH), foram eliminados, em 2021, mais de 63% do consumo de HCFCs. O PBH, que está concluindo a sua segunda etapa, irá lançar a Etapa III com o objetivo de alcançar a eliminação de 97,5% do consumo de HCFCs em 2030, restando um consumo residual de 2,5% até 2040.
Neste cenário de eliminação dos HCFCs, o consumo de hidrofluorcarbonos – HFCs se tornou preponderante e com a adesão do Brasil à Emenda de Kigali, em 19 de outubro de 2022, os desafios são muitos, visto que as soluções tecnológicas disponíveis são diversas, o que demandará da indústria estudos voltados para busca de soluções que unam viabilidade técnica e econômica, facilidade de operação e manutenção, eficiência energética e, principalmente, segurança. É preciso lembrar que os HFCs não destroem a camada de ozônio, mas são substâncias de alto GWP. Os reflexos mais visíveis da implementação da Emenda de Kigali será a proteção do sistema climático, tanto pela utilização de gases não nocivos ao meio ambiente quanto pela busca da eficiência energética nos equipamentos de refrigeração e climatização. Quanto aos aspectos financeiro e mercadológico, acreditamos que os custos iniciais de produção e manutenção de equipamentos serão maiores no início, mas com o passar do tempo tenderão a diminuir à medida que as experiências adquiridas aprimorem os processos e reduzam os custos e esforços gerais da transição. A capacitação da mão de obra para lidar com as substâncias alternativas aos HFCs será o maior desafio que deverá ser superado com a participação do Governo, indústria e sociedade.
Tendências para a substituição dos atuais fluidos
Acreditamos que o mercado é muito dinâmico e vem avaliando há algum tempo questões referentes à substituição dos atuais fluidos refrigerantes, de forma que estamos em um processo avançado de eliminação dos HCFCs e devemos iniciar em breve o processo de redução do consumo dos HFCs. Neste contexto, é possível verificar que para alguns setores já existem soluções tecnológicas viáveis e plenamente testadas, mas para outros serão necessários investimentos a fim de encontrar as soluções mais adequadas. Por exemplo, para o setor supermercadista, equipamentos do tipo stand-alone com Propano (R-290), além de sistema com CO2 (baixa temperatura) ou glicol (média temperatura) em cascata com um segundo fluido (HFC-134a, HFC-404A e em alguns casos R-290) ou ainda CO2 transcrítico, já são tecnologias adotados no País. Chillers com R-290 já foram testados com sucesso em dois supermercados no Brasil, sendo um em Curitiba e outro em Juiz de Fora, por meio de uma parceria envolvendo o Ministério do Meio Ambiente, a UNIDO (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial) e as empresas Eletrofrio e Plotter Racks. Neste contexto, é preciso observar que a utilização de sistemas que proporcione drasticamente a redução da quantidade de fluidos refrigerantes de alto GWP em circulação no ambiente das lojas é essencial. Também é preciso destacar que o Ministério do Meio Ambiente, por meio de diversas iniciativas, tem incentivado a adoção de fluidos refrigerantes naturais para algumas aplicações, por apresentarem GWP desprezível, considerando que são soluções de longo prazo.
Com relação aos fluidos refrigerantes alternativos para os setores de equipamentos de ar-condicionado de expansão direta, centrais de água gelada e refrigeração industrial, recomenda-se consultar os documentos disponibilizados pelo TEAP (Technology and Economic Assessment Panel), que é o órgão consultivo sobre tecnologia e economia do Protocolo de Montreal, no seguinte endereço eletrônico: https://ozone.unep.org/science/assessment/teap. O TEAP publicou, em setembro de 2022, as alternativas para a substituição dos HFCs, que podem ser consultadas no seguinte endereço: https://ozone.unep.org/system/files/documents/TEAP-Decision-XXVIII-2-HFC-%20Alternatives-report-sept2022.pdf.
Desafios imediatos
O mercado brasileiro, a partir da aprovação da Emenda de Kigali, deve se preparar para os desafios futuros desse Acordo. De imediato não será necessária uma corrida para a substituição dos fluidos refrigerantes atuais, pois toda a estratégia de substituição deverá ser feita com clareza, após uma avaliação técnica, financeira e mercadológica. Isso ocorre porque os prazos para a redução do consumo de HFCs são longos, o que permitirá uma avaliação segura das melhores alternativas. O Governo brasileiro deverá atuar com programas e projetos para apoiar a redução do consumo de HFCs e isso deverá ser feito primeiramente naqueles setores em que a disponibilidade tecnológica estiver clara e consolidada, para não prejudicar o mercado brasileiro.
Acreditamos que a Emenda de Kigali já seja do conhecimento de grande parte do mercado brasileiro e que a busca por soluções ambientalmente adequadas já começou a ser avaliada para o curto, médio e longo prazo. A substituição dos HFCs por fluidos refrigerantes de baixo GWP não deve ser considerada de modo isolado, pois deverá ocorrer juntamente com o aumento da eficiência energética dos equipamentos e com a melhoria da qualificação da mão de obra, atendendo aos requisitos estabelecidos por normas técnicas nacionais e internacionais que garantam a segurança das instalações e pessoas, com a redução das emissões diretas e indiretas de carbono.
A Emenda de Kigali vem para apoiar as metas de redução do consumo de carbono, tanto aqui no Brasil quanto em outras partes do mundo. Trata-se de uma contribuição do Protocolo de Montreal para o Clima e de uma oportunidade para a introdução de soluções tecnológicas ambientalmente adequadas. Como a demanda por refrigeração e climatização tende a aumentar com o passar dos anos é esperado um aumento das emissões provenientes desses setores e as soluções tecnológicas precisam caminhar na direção da menor pressão ambiental possível. O ritmo e a profundidade das mudanças introduzidas pela Emenda de Kigali irão depender de dois fatores. O primeiro será a legislação, em que o consumo de HFCs deverá ser reduzido escalonadamente conforme cronograma estabelecido pelo Protocolo de Montreal. O segundo é quanto aos investimentos, que em parte serão realizados pelo próprio mercado e em parte apoiados com recursos do Fundo Multilateral para a Implementação do Protocolo de Montreal em empresas cujo capital social seja oriundo de países em desenvolvimento.
A implementação da Emenda de Kigali no Brasil deverá seguir o cronograma aprovado pelo Protocolo de Montreal: congelamento do consumo de HFCs em 2024 e reduções de 10% em 2029, 30% em 2035, 50% em 2040 e 80% em 2045. Para os países considerados desenvolvidos, o cronograma é antecipado, com reduções de 10% em 2019, 40% em 2024, 70% em 2029, 80% em 2034 e 85% em 2036. Essa diferença traz vantagens para os países em desenvolvimento, uma vez que as tecnologias desenvolvidas em outros países poderão ser testadas e adaptadas às características e sazonalidades do clima brasileiro.
No âmbito do Ministério do Meio Ambiente, ainda não foram iniciados os trabalhos para a redução do consumo dos HFCs. Entretanto, como o Brasil faz parte dos países em desenvolvimento, pertencente ao Grupo 1, em 2024 haverá o congelamento do consumo de HFCs, tendo como linha de base a média do consumo entre 2020 e 2022 adicionada em 65% da linha de base do consumo de HCFCs. Assim, para este ano de 2023 está prevista a publicação de uma nova legislação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para o controle do consumo dos HFCs.
Não é recomendada a substituição de equipamentos de refrigeração e ar-condicionado antes do final da vida útil quando se trata unicamente da substituição do fluido refrigerante. Entretanto, recomenda-se que sejam realizadas manutenções periódicas com o emprego de mão de obra qualificada para o serviço, com utilização de equipamentos adequados e o correto manuseio dos fluidos refrigerantes, que devem sofrer destinação final ambientalmente adequada por meio do recolhimento, da reciclagem ou da regeneração, e, em último caso, quando não é possível o reaproveitamento, encaminhados para a destruição.
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