Ganhos energéticos e na qualidade do ar são comprovadamente superiores aos sistemas todo ar, com um custo de manutenção infinitamente menor
No Sannar 2020 (Salão Norte-Nordeste de Ar-Condicionado e Refrigeração) o primeiro dia da programação de palestras foi encerrado por uma apresentação de Mário Sérgio de Almeida cujo tema foi “Novas tecnologias de climatização em projetos hospitalares”. Na ocasião, o projetista, que deixara há pouco a presidência do DNPC (Departamento Nacional de Empresas Projetistas e Consultores) da Abrava, esboçava para uma plateia eminentemente técnica o que seria o primeiro hospital climatizado por vigas frias no Brasil, o Mater Dei Salvador.
Após um ano de funcionamento do estabelecimento hospitalar, voltamos a conversar com Almeida para conferir os resultados. A entrevista foi por Zoom, permitindo constatar o entusiasmo que esse gaúcho, baiano por adoção, tem pela atividade que escolheu há mais de 4 décadas e para a qual fundou a MSA Engenharia de Projetos.
Sem falsa modéstia ele começa, num tom de voz sempre pausado, a destacar que o Mater Dei Salvador, quinta unidade do grupo hospitalar mineiro e primeira fora do estado de Minas Gerais, é uma obra ícone no ar-condicionado, pelas soluções aplicadas e pela eficiência energética. “Agora, é importante dizer que o cliente é muito bom no aspecto de introduzir inovações.”
“Ele (o cliente) queria um hospital que fosse uma referência em termos de eficiência energética para o grupo, queria uma solução realmente inovadora e, na contratação, essa foi sua primeira exigência.”
Os desafios para o projeto de AVAC começaram com o conceito arquitetônico escolhido. O prédio é redondo, muito bonito, mas, em termos funcionais e de instalação, traz um alto grau de complexidade. “A tubulação tem que acompanhar a esfericidade do prédio, tanto a elétrica, quanto a hidráulica. Então, foi uma solução mais difícil em termos arquitetônicos; a segunda dificuldade que nós encontramos é que o empreendimento é muito próximo à orla marítima.”
O Mater Dei Salvador está localizado no bairro do Rio Vermelho, início da zona de maior maresia de Salvador, quiçá a maior do país. Se a paisagem é das mais magnificas do litoral brasileiro, por outro lado, pega o vento que vem do mar trazendo a maresia que penetra no edifício. “Então, eu sugeri à arquitetura que as portas de urgência e emergência, que possuem muita frequência de utilização, tivessem uma antecâmara para impedir que ar externo penetrasse no prédio”, conta o projetista.
Essa condição de alta maresia estabeleceu, de início, a solução para a escolha do chiller. A condensação a ar foi compulsoriamente descartada. Naquela situação, existem outros prédios cujos chillers duram 6 anos, fazendo-se necessária a troca da serpentina condensadora, além de uma agressão muito elevada às placas eletrônicas. Pela mesma razão em alguns locais de Salvador, inclusive a solução de split inverter fica comprometida.
Em seguida, a solução de vigas frias foi a resposta para a primeira exigência do proprietário, que era a eficiência energética. “A pergunta imediata foi: ‘mas já teve viga fria em hospital?’ Eles são muito perquiridores.”
Realmente, não se conhecia no Brasil uma instalação hospitalar de vigas frias. A saída foi buscar soluções internacionais. Neste ponto, entrou a Trox, que tem na Europa inúmeras instalações de vigas frias em hospitais, particularmente na Espanha.
“O interessante é que nós tivemos acesso a um dos maiores escritórios de engenharia multidisciplinar da Espanha. Fomos até eles, conversamos muito sobre viga fria, eles foram muito gentis, explicando as várias soluções que eles adotam. Depois, tem o portfólio da Trox, que contém grande número de obras já instaladas e funcionando na Europa e nos Estados Unidos. Então, isso deu um pouco de segurança para eles adotarem a solução”, completa Almeida.
Mesmo assim, uma vez por mês, segundo o diretor da MSA, a engenharia do grupo Mater Dei ligava inquirindo sobre o projeto e as chances reais dele funcionar. “Então foi adotada a solução e eles aceitaram. E graças a Deus, deu certo, não é?”
Professoral, Mário Sérgio começa a explicar os fundamentos do projeto. “Por que viga fria? Uma temperatura usual da água gelada que a gente trabalha é a 7°C, podendo ser a 4,5o, 5o, temperaturas mais baixas, quando necessária uma desumidificação mais eficiente, mas normalmente é 7oC. A viga fria trabalha com 14oC. Então, aí já tem um ganho energético muito grande, não é? Esse foi um dos motivos que nós utilizamos a água a 14°C. Mas utilizamos o chiller a 7oC, para atender às DOAS (unidades dedicadas ao tratamento do ar externo). Todo o ar é desumidificado, resfriado, filtrado e reaquecido. Assim, nós usamos a água do chiller a 7oC e, como a viga trabalha com a água a 14oC e volta a 17oC, temos o DT em 3oC. Nós pegamos essa água a 17oC, botamos uma ‘pitadinha’ da água que sai do chiller a 7oC e chegamos aos 14oC requeridos para ir para as vigas. O consumo de energia é baixo, não é?”
As vigas frias, embora atendam a uma grande área do hospital, não podem atender à todas. Áreas como de acelerador linear, instalações de imagem, tomógrafo, ressonância magnética, laboratórios, e centro cirúrgico não possuem vigas frias. Os demais ambientes, como UTI, consultórios, enfermarias e ambientes administrativos, são atendidos pelas vigas frias. Foram 1.600 vigas no total. Talvez a maior instalação do tipo no país.
A água gelada é produzida a uma temperatura única por dois chillers em série. Em série na água gelada e contrafluxo na condensação. “A gente teve um ganho tremendo de energia na aplicação dos chillers parafuso. Eu sempre gostei mais do chiller parafuso do que do chiller centrifugo, que eu considero uma máquina maravilhosa funcionando à 100% de carga.”
O projetista explica que o hospital tem uma variação muito grande de carga. “No verão é muito quente de dia, mas pode ser como hoje, que está em 24°C, o que é um inverno para o baiano. Além disso, Salvador é uma cidade muito ingrata, em termos de clima. A umidade está sempre acima de 60%. Então, o limite de controle de umidade é sempre até 60%. É necessário tratar a umidade no inverno, verão, outono e primavera. A pior condição é a que estamos vivendo no dia de hoje: 24°C, com 85 ou 90 % de umidade. O que que acontece? A máquina desliga por temperatura e o ambiente fica úmido.”
Por isso, se faz necessário o tratamento do ar que precisa ser muito bem resfriado e desumidificado, antes de ser injetado no ambiente, para não comprometer a climatização. A desumidificação é feita a 7 g por quilo da umidade absoluta. É resfriado a 10oC, ou 9oC, com água gelada a 7oC. Em seguida o ar é reaquecido, ficando seco e a 14oC, sendo insuflado na viga a 18oC, alcançando, no ambiente, uma temperatura em torno de 22oC ou 23oC. As unidades dedicadas, instaladas na cobertura, desumidificam e distribuem o ar para todo o edifício. Existem, ainda, duas unidades dedicadas para tratar o ar do vigésimo primeiro até décimo terceiro pavimento, um novo conjunto de DOAS para atender do décimo segundo ao quarto pavimento, além de um novo conjunto para atender os pavimentos inferiores desde o terceiro andar.
Para as áreas, como centro cirúrgico, não atendidas pelas vigas, é usada uma unidade de tratamento do ar convencional, com filtragem de acordo com a Norma. Ou seja, filtros grossos, depois os médios, o ventilador e, depois dele, o filtro fino. O ar é injetado na sala como uma a distribuição com caixas terminais com filtro absoluto. O ar exterior também é tratado no andar, injetado na caixa de mistura. Tem o retorno vindo da sala cirúrgica e a injeção do ar exterior, que vem das DOAS.
Como o ar é muito resfriado para a desumidificação, é necessário o reaquecimento para trazê-lo para a faixa de conforto. A solução foi instalar trocadores de calor na CAG, na água de condensação, trazendo, como resultado, a obtenção da água quente a 32oC. “Com essa água quente nós fizemos o processo de reaquecimento da serpentina de todo o hospital. Então, não tem resistência elétrica em local nenhum. E como a produção é muito grande, nós a utilizamos como pré-aquecimento da água hidrossanitário que vai para o sistema de abastecimento de água quente do hospital. Aí eles complementam a temperatura com um sistema a gás”, diz Almeida.
Além do ganho energético na produção da água quente, a água que segue para as torres de resfriamento também é resfriada, gerando mais recuperação de energia. Todo o processo é realizado por trocadores de placas.
Automação é garantia
Para funcionar a contento, a instalação conta com um excelente sistema de automação, de acordo com Almeida. Ele exerce um controle estrito das temperaturas e vazões nas unidades. Inclusive, se por qualquer motivo uma viga sofrer condensação, ela é imediatamente isolada, impedindo que o ambiente seja prejudicado.
“Eu tenho falado que o grande segredo é controlar, não deixar criar condensado. Para isso, cada quarto possui um termostato e um sensor de umidade. Com isso, eu tenho ponto de orvalho. Ele me calcula o ponto de orvalho na hora; por exemplo, o quarto está a 22oC, com 60%. Então, o ponto de orvalho é 14°C, a mesma temperatura da água gelada. Se a umidade sobe um pouquinho, até 1,5oC acima dos 14°C da água gelada, a Rheva diz que é tolerável. Então, se no ambiente o ponto de orvalho estiver um pouco mais elevado, aumentamos a temperatura da água gelada para 15oC. Trata-se de medidas preventivas. E a medida reativa, se alguém abrir a janela, por exemplo, já corta a água. Se teve uma lufada de vento, ou desligou e o ambiente ficou úmido, primeiro resfria com ar e depois entra com a água gelada. Existe o controle da temperatura lá em cima, na CAG, que é de 14oC. Então, se subir até 1,5oC, é possível de controlar. O importante é controlar a condensação e, para isso, nós colocamos diversos sensores de orvalho na instalação”, explica Almeida.
Além da alta eficiência energética, a instalação conta com alto grau de qualidade do ar interno. Primeiro porque todo o ar que segue para a viga é filtrado com filtro F9, embora a Norma peça F8. Por outro lado, a viga trabalha seca, não tem bandeja de condensado, não tem ponto de dreno, não possui motor, não existe a possibilidade de formação de biofilme. Ou seja, não cria colônias de fungos ou bactérias, dentre outros agentes patogênicos. Por consequência, não requer lâmpadas UV.
O diretor da MSA segue relacionando as vantagens indiretas. “Jamais vai ter um mecânico no quarto do hospital, limpando, dando manutenção. Outra grande vantagem é o nível de ruído. Não faz barulho nenhum. O paciente não sente o frio e nem o desconforto do vento frio, como acontece com um fancolete. Além de silenciosa, a distribuição do ar é com velocidade a menos de 0,20 m/s. É extremamente confortável, acústica e termicamente. E sem risco de contaminação do paciente.”
Outro fator a ser levado em conta é a manutenção, que em hospitais demandam muitos recursos. No caso das vigas frias essa é feita de 5 em 5 anos, bastando uma escovinha, dessas de limpeza caseira, e um pano.
Por fim, os quartos de isolamento, que não possuem vigas frias, uma vez que demandam filtragem absoluta, contam com máquinas dedicadas. O projetista explica que o Mater Dei adota duas máquinas em cada quarto. “O quarto pode se transformar num quarto AII, para paciente contaminado, ou ele pode se transformar num quarto PE, para pacientes que exigem proteção.”
Um desafio e muitas recompensas
O engenheiro Joel Ayres da Motta Filho é o CEO da JAM Engenharia de Ar Condicionado, empresa mineira com 32 anos de atuação e uma das principais referências no setor. Ela foi a responsável pela instalação do Mater Dei Salvador, aliás como o é de todas as demais unidades do Grupo. Tem no portfólio obras emblemáticas, além de ser a única instaladora a executar três estádios para a Copa do Mundo de 2014: Mineirão, e Arenas Amazônia e Cuiabá.
No início da conversa, embora com toda a experiência acumulada, à pergunta do que significou a obra do Mater Dei Salvador, respondeu: “Como se diz, é uma instalação que dá dor de barriga, não é? Dor de barriga porque era um negócio com muita engenharia e muitas nuances de eficiência! Mas o Mater Dei comprou essa ideia e o que nos dava muita segurança era o próprio projetista, o Mário Sérgio, com sua capacidade técnica, sua tranquilidade e sua expertise. O que nos fez ficar mais animados ainda em encarar esse projeto, esse desafio, para que obtivéssemos o êxito.”
O CEO da JAM cita o projeto executivo, elaborado junto com o projetista. “Projeto básico não é nada. No projeto básico você projeta cinco elefantes dentro de um fusca. No executivo, você tem que colocá-los dentro do fusca”, brinca. “Mas o Mário nos deu todo o suporte.”
Motta Filho realça, ainda, o papel dos demais parceiros. Como a automação, responsável, segundo ele, por boa parte do êxito. “Não adianta nada você ter um corpo sem uma inteligência. O bom funcionamento está no controle perfeito. Você imagina colocar uma viga fria numa das cidades mais úmidas do país, que mais condensa! Tanto que a instalação está funcionando faz mais de um ano e não temos problema nenhum por causa do sistema de controle.”
Modesto, o CEO da JAM diz que não existem obras sem problemas. “Aquela empresa que fala que não teve problema em obra tem alguma coisa errada. Tivemos problemas normais de percurso e que foram sanados, como de balanceamento, em atuadores de válvulas, em tubos. A empresa que não tem problema é a que não entregou a obra. Ou entregou e a obra não funcionou. Aí ela não tem problema, porque não funcionou ainda!”
Ele ressalta, também, o amparo do Mater Dei. “Compraram tudo do bom e do melhor. Eles não economizaram em nada. Compraram os melhores equipamentos, as melhores marcas para que o sistema desse aquele retorno de eficiência que foi prometido.”
Como a maioria esmagadora das instaladoras brasileiras, de grande ou médio porte, a JAM tinha uma experiência muito pequena com vigas frias. Na verdade, apenas uma instalação num laboratório da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), mas bem pequena. “Mais um complemento”, esclarece.
A central de água gelada
O engenheiro informa que foram instalados três chillers de 600 ton cada um, em série e contrafluxo trabalhando com 6oC e 13oC. Com isso, segundo ele, é possível trocar num chiller parte do DT e no outro a outra parte. “A vantagem é que quando você tem baixa carga consegue fazer isso. A gente conseguiu há algum tempo fazer isso com um chiller só. Eu não precisava ligar os dois porque um conseguia esse DT total. Aí você vai aumentando a carga térmica e precisa trabalhar com os dois.”
Outro ponto destacado é a qualidade do ar interno. “Primeiro porque quando tem vigas frias obrigatoriamente existe uma renovação forçada na viga. Nesse tipo de viga você tem o ar que vem de uma UTAE (unidade de tratamento de ar externo) que pega o ar externo, filtra e joga na viga. Como o efeito da viga é por convecção e a indução, ali não tem motor, é mais um dos motivos para ter uma qualidade do ar interno muito controlada porque está sempre renovando, está sempre com pressão positiva e, portanto, sempre expurgando e renovando o ar interno”, explica. Vale lembrar que o mesmo não acontece em equipamentos comuns, que recirculam o ar.
Mas nem todas as áreas possuem vigas frias, como já explanado pelo projetista Mário Sérgio de Almeida, uma vez que essas prestam-se ao conforto. “As salas cirúrgicas foram tratadas com os ICLF, difusores cirúrgicos com filtragem absoluta ao centro e a cortina de ar no perímetro para que não contaminar o ambiente onde o paciente pode estar com a barriga aberta, o campo aberto e evitar que o ar fora do campo do perímetro adentre a área que necessita de assepsia total. Nas unidades de tratamento intensivo, foram usados os FCDF, equipamentos especiais, também com filtragem absoluta. Equipamentos esses que tivemos a felicidade de desenvolver juntamente com a Trox há 20 e poucos anos especificamente para o Mater Dei de Belo Horizonte, na época, apenas com filtragem grossa e fina e, depois, também juntos, desenvolvemos o FCDF com filtragem absoluta”, discorre Motta Filho.
O CEO da JAM destaca, também, a característica do prédio. “Esse foi um problema sério. E, para isso, utilizamos a tubulação em termoplásticos (PVC-U), que permite curvaturas.”
O tratamento da umidade, grande segredo para o funcionamento das vigas frias, também é lembrado. Se o ar for muito úmido, você não consegue o efeito. “O Mário Sérgio desenvolveu um sistema de trocador de passagem que reaproveita o próprio aquecimento do chiller para retirar a umidade e, além de retirar a umidade, gerar água quente para o sistema de banhos. O subproduto que na maioria das vezes é lançado fora, é reaproveitado, gerando ganhos energéticos.”
Esse é um recurso que a JAM já utilizou nas demais unidades do Mater Dei. “Nós usamos desde 1997, quando a Carrier lançou o heat recovery ou recuperador de calor. Obviamente, onde necessita de água quente, seja para lavanderia ou para banho.”
Finalizando seu balanço sobre a instalação no Mater Dei Salvador, Joel Motta Filho entende que ter entrado, após 32 anos de existência, como é o caso da JAM, em uma obra que representava um desafio de uma nova tecnologia, da qual só possuía o conhecimento teórico e não o prático, deve ser entendido como um marco, um renascimento técnico. “A gente morre aprendendo. E como eu não quero morrer agora, eu quero só aprender. Então, para nós, foi um aprendizado. Nós temos que ser humildes e reconhecer que, por mais que a gente saiba, sabe muito pouco.”
Ficha técnica:
Projeto: MSA Engenharia de Projetos
Instalação: JAM Engenharia de Ar Condicionado
Chillers: Compressor parafuso Midea Carrier
Vigas frias, difusores, UTAs, UTAEs, difusores hospitalares: Trox do Brasil
Bombas in line: Armstrong
Automação: Somitec/Mercato
Comissionamento: Comiss Engenharia
Dutos: Alupir Rocktec
Isolamento térmico: Armacell