O presente artigo irá discutir as diferenças entre a terceira e quarta geração de fluidos refrigerantes fluorados HFCs, HFOs Puros e Misturas de HFOs, destacando características, diferenças e aplicação

Fluidos refrigerantes são substâncias químicas empregadas em sistemas frigoríficos como veículos térmicos na realização do ciclo de refrigeração. Sendo assim, são responsáveis pelas trocas térmicas transferindo calor de um ambiente para o outro, ou seja,  absorvendo calor de um espaço a ser refrigerado e transferíndo-o para o meio onde será dissipado

Idealmente, um fluido refrigerante deve apresentar características físico-químicas, termodinâmicas e de segurança que tornam o seu uso não somente adequado, mas também eficiente e seguro. A tabela 1 resume características relevantes relacionadas ao bom desempenho de uma substância química como fluido refrigerante.

Pode-se dizer que até o presente momento não existe um único fluido refrigerante ideal, dada a larga aplicação de ciclos de refrigeração em diferentes condições operacionais climáticas ao redor do mundo. Com base nas características acima a indústria química vem dinamicamente se reinventando e propondo alternativas que contemplem o maior número de requisitos possíveis, buscando satisfazer as condições e exigências das mais variadas aplicações, bem como custo e regulamentações governamentais. Top of Form

Clorofluorocarbonos (CFCs) e hidroclorofluorocarbonos (HCFCs)

Os fluidos refrigerantes fluorados clorofluorocarbonos (CFCs) e hidroclorofluorocarbonos (HCFCs) possuem cloro em sua composição com potencial de degradação da camada de ozônio, gerando o Protocolo de Montreal, com regulamentações para sua eliminação. Apesar dos chamados fluidos refrigerantes naturais estarem no foco atual das principais discussões em relação às tendências de utilização, a maior parte das aplicações comerciais envolvem fluidos refrigerantes fluorados. O Brasil possui um cronograma para eliminação, conforme tabela 2, atualizado em 2023 através da publicação da instrução normativa número 20 de 16/12/2022, antecipando o cronograma para redução de 88,5% em 2027.

* Linha de Base: média do consumo de HCFCs de 2009 e 2010
** Projeção de parcela da linha de base a ser eliminada

Hidrofluorocarbonos (HFCs) – terceira geração de fluidos refrigerantes fluorados

 Hidrofluorocarbonos (HFCs) representam a terceira geração de fluidos refrigerantes fluorados. São uma classe de fluidos refrigerantes que possuem em sua composição carbono, hidrogênio e flúor, sendo desenvolvidos como alternativas às famílias anteriores. A eliminação das moléculas de cloro da estrutura dos CFCs e HCFCs, dando origem aos HFCs, elimina o PDO, tornado sua aplicação mais atrativa do ponto de vista ambiental. Ainda assim, os HFCs apresentam alto potencial de aquecimento global (PAG) e sua aplicação contribui para o efeito estufa quando liberado para a atmosfera. Dentre os HFCs mais utilizados atualmente no setor AVAC-R (Aquecimento, Ventilação, Ar-Condicionado & Refrigeração) nacional destacamos o R-134a, R-410A, R-407C e R-437A para aplicações de ar-condicionado (alta temperatura) e R-404A, R-410A, R-507, R-438A, R-407A, R-407F para aplicações de refrigeração em média e baixa temperaturas.

Hidrofluorolefinas (HFOs) – Quarta geração de fluidos refrigerantes fluorados

Hidrofluorolefinas (HFOs) representam a quarta geração de fluidos refrigerantes fluorados. Estes compostos orgânicos, formados por átomos de carbono, hidrogênio e flúor, se diferem dos HFCs tradicionais por conterem dois átomos de carbono ligados por uma dupla ligação. Como resultado desta dupla ligação, as haloolefinas podem reagir mais rapidamente quando liberadas na atmosfera, o que permite que sua decomposição se dê de forma mais rápida, ou seja, apresentam menor tempo de vida na atmosfera, o que explica seu baixo PAG [1]. Além de Baixo PAG, os HFOs também possuem PDO igual a zero, devido a ausência de átomos de cloro em sua composição molecular assim como os HFCs, conforme figura 1[1,2].                                                                           

Os HFOs oferecem capacidade similar às oferecidas pelos HFCs tradicionalmente utilizados no mercado AVAC-R e, em alguns casos, eficiência aprimorada.

Do ponto de vista termodinâmico, a primeira molécula base de HFO desenvolvida pela indústria química, que deu origem às famílias de misturas de HFOs, possui características muito similares às do R-134a, fluido HFC amplamente aplicado em sistemas de ar-condiconado automotivo e refrigeração comercial em média temperatura. O gráfico 1 mostra o comportamento de pressão x temperatura das moléculas R-134a e R-1234yf. Nota-se que na faixa de aplicação de -20°C a 60°C as curvas praticamente se sobrepõem enfatizando a similaridade de comportamento termodinâmico.

Gráfico 1

A tabela 3 apresenta valores de características importantes de fluidos refrigerantes para o HFC R-134a e o HFO R-1234yf. Nota-se que, apesar da similaridade entre as características termodinâmicas, a estrutura da molécula de HFO resulta em PAG (GWP em inglês) 1300 vezes menor que o PAG do HFC. Desta forma os HFOs se diferenciam dos HFCs pois, em sua forma pura, não contribuem para o aquecimento global, já que se degradam mais facilmente quando liberadas no meio ambiente.

Fluidos refrigerantes de baixo impacto ambiental x inflamabilidade

A indústria química desenvolveu os HFOs, como o R-1234yf, atendendo normativas ambientais vigentes como alternativa para redução do GWP. Entretanto, a instabilidade conferida pela dupla ligação entre carbonos também influencia a inflamabilidade desta molécula química, conforme ilustra a figura 2.

 Classificação de segurança:

À medida que o PAG é reduzido, a estabilidade do refrigerante também é reduzida e, portanto, os refrigerantes tornam-se inflamáveis. Muitos dos novos fluidos refrigerantes de baixo PAG são “levemente inflamáveis” ou “2L”, conforme classificado pela ISO 817 e ANSI/ASHRAE Standard 34 (ISO 2014, ASHRAE 2008). Estes fluidos ​são definidos como refrigerantes que têm velocidade de propagação de chama inferior a 10 cm/s e calor de combustão inferior a 19.000 kJ/kg. Portanto, embora a classe A2L seja inflamável, as substâncias dessa classe são mais difíceis de inflamar e, caso potenciais eventos de queima ocorram, são menos severos do que os refrigerantes classe 2 ou classe 3, conforme tabela 4. Além de baixa velocidade de queima e baixo calor de combustão, esses refrigerantes exibem alta energia mínima de ignição (MIE), o que implica que são difíceis de inflamar [6]. Os valores MIE típicos para refrigerantes de 2L são de duas a quatro ordens de grandeza maiores que os mesmos valores para refrigerantes da classe 3. Atualmente, tanto HFOs puros como R-1234yf e R-1234zd são classificados como A2L, bem como algumas misturas de baixíssimo PAG como R-454C, R-455A e R-454B.

 

 Misturas de fluidos refrigerantes de baixo impacto ambiental

Não somente as moléculas base de HFOs, como R-1234yf e R-1233zd ou 1336mzz-Z, fazem parte da quarta geração de fluidos refrigerantes fluorados. Esta geração passou a expandir à medida que foram desenvolvidas misturas destes HFOs com outros fluidos refrigerantes como HFCs ou naturais como R-290 ou CO2 (R-744). As misturas também possuem zero PDO e reduzido, ou até mesmo baixíssimo, PAG. Também oferecem segurança em relação a outras propostas altamente inflamáveis, como o R-290 e R-600a, já que possuem baixa ou nenhuma inflamabilidade. A família de misturas pode ser aplicada em diversos segmentos, entre eles automotivo e varejista, a fim de atender a demanda do mercado, tanto para produção de novos equipamentos quanto de retrofits (substituição do fluido refrigerante de equipamentos já em operação, o que viabiliza prolongar a operação do equipamento de acordo com as diretrizes das normas ambientais). A família das misturas de HFO busca apresentar substitutos que ofereçam características termodinâmicas similares às tecnologias já aplicadas para facilitar tanto a substitução quanto o desenvolvimento de novos sistemas. Sendo assim, vemos duas grandes tendências em misturas, conforme figura 3:

  • Linha de misturas não inflamáveis com PAG reduzido em relação aos HFCs, porém acima da ordem de 1000.
  • Linha de misturas levemente inflamáveis com menor PAG possível, respeitando desempenho desejável e compatível com a aplicação.

A tabela 5 apresenta um resumo dos produtos já desenvolvidos dentro da quarta geração e suas principais características:

Enquanto os HFOs puros apresentam o menor PAG possível, sendo levemente inflamáveis e apresentando comportamento termodinâmico específico, as misturas de HFO com HFC buscam oferecer equilíbrio entre inflamabilidade, PAG reduzido e comportamento termodinâmico compatível com a aplicação.

É natural que o mercado considere a transição para as soluções de menor PAG possível a maneira mais segura de lidar com a conversão a longo prazo. Entretanto, transicionar para soluções de PAG reduzido que não são inflamáveis, como R-448A, R-449A ou R-531A, pode ser uma boa alternativa que ainda perdure por um longo prazo. Considerando fatores como o cenário regulatório brasileiro, ciclo de vida e idade de uma instalação, orçamento de investimento disponível, bem como requisitos específicos da aplicação e mudanças de projeto requeridas para avançar com soluções levemente inflamáveis, na prática vemos de certa forma limitada a capacidade de avançar rapidamente com fluidos da classe A2L. Ainda hoje a disponibilidade de componentes e dispositivos de segurança para aplicação de fluidos A2L é restrita, apesar de seguir em constante evolução. É por isso que trabalhar com soluções intermediárias pode ser uma boa alternativa, uma vez que o mercado está passando por forte transição e as soluções de misturas não inflamáveis permitem redução significativa no PAG.

RCL: Limite de concentração de fluidos refrigerantes

Os limites de concentração de fluidos refrigerantes são definidos para determinar a máxima concentração limite permitida para aplicação de fluidos refrigerantes em espaços ocupados de forma segura. De forma geral, uma vez que a concentração de um fluido refrigerante supere 25% do LFL (limite inferior de inflamabilidade), ou seja, seu RCL, dispositivos ou inteligência de mitigação de riscos precisam ser considerados para que a aplicação de maiores concentrações também atenda critérios de segurança.  Essa definição é feita com base na toxicidade e inflamabilidade dos fluidos refrigerantes. Ambos, HFCs ou HFOs, não são tóxicos, logo, a diferença de RCL entre as duas classes é definida pela característica de inflamabilidade.

Aplicar misturas de HFOs permite, de forma geral, maior flexibilidade em relação às cargas máximas permitidas, enquanto trabalhar com HFOs puros pode trazer maiores restrições de limite de carga máxima devido a sua inflamabilidade.

Glide

Os refrigerantes não azeotrópicos são misturas de dois ou mais tipos de fluidos refrigerantes em que os componentes têm diferentes temperaturas de saturação no mesmo nível de pressão. Quando um refrigerante não azeotrópico entra em um condensador, o componente menos volátil condensa primeiro. À medida que a concentração desse refrigerante pouco volátil diminui, a temperatura da mistura refrigerante restante também diminui, aproximando-se da temperatura de saturação do segundo refrigerante menos volátil e assim por diante. Em um condensador operando com refrigerantes não azeotrópicos, existem três temperaturas de interesse especial: o ponto de orvalho (a temperatura de condensação mais alta), a temperatura média de condensação e o ponto de bolha (temperatura de condensação mais baixa), que é alcançado pouco antes de todo o refrigerante ter sofriado mudança de estado para líquido. Estas temperaturas e o ponto médio são variáveis importantes para o dimensionamento adequado de sistemas que utilizarão misturas [5]. Muitas vezes as misturas de HFOs são ligeiramente rebaixadas pelo fato de terem glide que precisa ser levado em consideração durante o projeto do sistema. Entretanto, lidar com o glide não é algo novo para projetistas, uma vez que soluções como R-407C, já difundidas, possuem glide comparável ao glide de misturas como R-448A e R-449A. Gerenciar questões de projeto relacionadas ao glide passa a ser algo mais corriqueiro com a adoção de misturas de HFO. Substâncias puras, ou misturas azeotrópicas independente da classe em que se enquadram, não apresentam glide, o que facilita sua aplicação.

Compatibilidade química

 Tanto os HFOs puros, quanto as misturas de HFOs, apresentam compatibilidade química diferente da compatibilidade química dos HFCs de forma isolada. HFOs puros são mais sensitíveis à presença de umidade no sistema, além de serem somente compatíveis com lubrificantes do tipo POE e PAG. Entretanto, o efeito da presença limitada a baixas concentrações de HFOs em misturas com HFCs, como as da classe não inflamável, interfere pouco em sua compatibilidade com os componentes internos do sistema. É por isso que hoje já encontramos a maior parte de componentes e dispositivos de refrigeração homologados para uso com misturas da classe não inflamável de HFOs e, assim, tais misturas podem ser aplicadas em retrofits que considerem somente a substituição do lubrificante e do fluido refrigerante. Entretanto, não somente pela questão de inflamabilidade, mas também devido a compatibilidade química, a indústria vem pouco a pouco desenvolendo portfólio próprio e inovador para a aplicação com HFOs puros e misturas de HFOs da classe levemente inflamável (A2L). Isso, pois, não somente o design, mas também a compatiblidade interna de dispositivos e componentes. precisa ser assegurada e a indústria vem investindo nesse tipo de adaptação.

 Eficiência

Existe a tendência em se pensar que o menor PAG possível oferecerá a melhor eficiência possível, entretanto, nem sempre essa correlação é verdadeira. HFOs puros apresentam curva termodinâmica distinta das misturas de HFO e, portanto, são fluidos que apresentam relação entre pressão e temperatura, densidade e entalpias não equivalentes para um mesmo ponto. Assim, o deslocamento volumétrico requerido para entregar a mesma capacidade poderá variar, o que indica diferentes aplicações para cada um dos produtos.

 Conclusão

HFOs puros são substâncias da quarta geração de fluidos refrigerantes halogenados que, devido as suas características químicas, possuem estabilidade desejável operando em sistemas de refrigeração e se degradam facilmente quando liberadas diretamente no meio ambiente; sendo assim, apresentam o menor PAG possível dentro de sua classe, o que também as confere leve inflamabilidade. Isso faz com que sua aplicação seja de certa forma restrita a cargas seguras e que novos sistemas sejam desenvolvidos para a sua aplicação. Já as misturas de HFOs podem ser dividias em dois grandes grupos: misturas não inflamáveis e misturas levemente inflamáveis. Em ambos os casos as misturas são desenvolvidas para atender requisitos de projeto e eficiência pertinentes a sua aplicação. É importante enfatizar que as misturas não inflamáveis podem ser aplicadas para desenvolvimento de novos projetos ou retrofits em sistemas que já operam, porém, as misturas levemente inflamáveis requerem desenvolvimento de projetos próprios para sua aplicação, respeitando limites de carga, mitigação de riscos e compatibilidade química dos materiais. De forma geral, as misturas não inflamáveis apresentam redução significativa de PAG em relação aos tradicionais HFCs, enquanto as misturas levemente inflamáveis apresentam o menor PAG possível dentro da sua aplicação recomendada específica. Até o momento algumas aplicações de fluidos A2L ainda esbarram em limitações como a atualização de códigos e normas de segurança para seu uso, assim como a disponibilidade de equipamentos e componentes para o desenvolvimento de sistemas seguros e compatíveis com as melhores práticas. Entretanto, o avanço vem acontecendo pouco a pouco e empresas comprometidas com a redução do impacto ambiental vêm aplicando fluidos A2L no mercado nacional. Assim, é importante pontuar que as misturas de reduzido GWP podem ser uma ótima alternativa de fácil implementação  transitória na busca por sustentabilidade.

Joana Bercht Canozzi, Diretora de Serviços de Engenharia da Copeland e vice-presidente do Comitê de Mulheres da Abrava

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências bibliográficas:

[1] Steve Kujar, Elyse Sorenson, Haloolefins Refrigerants Highly Unstable in the Atmosphere, But Good Stability in HVAC&R Equipment. ASHRAE Journal, June 2018.

[2] Xi Wu, Chaobin Dang, Shiming Xu, Eiji Hihara, State of the art on the flammability of hydrofluoroolefin (HFO) refrigerants, International Journal of Refrigeration, Volume 108, 2019, Pages 209-223, ISSN 0140-700.

[3] IPCC, 2014: Climate Change 2014: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, R.K. Pachauri and L.A. Meyer (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, 151 pp.

[4] American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers (ASHRAE). 2008. Addenda to ANSI/ASHRAE Standard 34-2007, Designation and Safety Classification of Refrigerants. 1st Public Review of BSR/ASHRAE Addendum w to ANSI/ASHRAE Standard 34-2007.

[5] SWEP Refrigerant Handbook, 2023. Disponível em: https://www.swep.net/refrigerant-handbook/refrigerant-handbook/. Acesso em 28 maio 2023.

[6] Koban, Mary; Minor, Barbara; Coughlan, Patrick; and Gray, Nina, “Hot Surface Ignition Testing of Low GWP 2L Refrigerants” (2016). International Refrigeration and Air Conditioning Conference. Paper 1759.

[7] Instrução Normativa IBAMA n° 20 de 16/12/2022 Acesso em 28 maio 2023

Tags:, ,

[fbcomments]