Intensivo no uso de energia, o setor tem inúmeras alternativas que podem contribuir para a solução da crise do clima
Aos negacionistas de plantão: autoridades climáticas globais apontam julho deste ano como o mês mais quente dos últimos 120 mil anos da história do Planeta. Nos EUA, em algumas regiões as temperaturas bateram nos 50oC, gerando risco de vida. Na cidade de New York o prefeito chegou a declarar que as ondas de calor “são uma questão de vida ou morte”. As altas temperaturas alimentam incêndios que já ceifaram mais de 40 vidas no Mediterrâneo e a fumaça das queimadas no Canadá alcança os EUA. Na Ásia, também as altas temperaturas causam estragos, cobrando vidas e colocando em risco a segurança alimentar.
Já em março último o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) declarava que os seres humanos são responsáveis por praticamente todo o aquecimento global nos últimos 200 anos. O recado foi claro e taxativo: ou a comunidade internacional toma iniciativas imediatas ou o colapso não poderá ser evitado. Tecnologias e recursos existem, falta vontade política e sobra ganância. Segundo cientistas, mais de 3 bilhões de pessoas vivem em locais altamente vulneráveis às mudanças climáticas, para quem as consequências serão devastadoras.
Mas, o que tem a ver com isso o setor do AVAC-R? Absolutamente tudo. Em primeiro lugar a refrigeração é intensiva em uso da energia. Usa, ainda, substâncias que contribuem para o aumento dos gases de efeito estufa. Mais, as ondas de calor fazem com que o uso da refrigeração se intensifique, seja para o conforto (e saúde) humana ou para a conservação de alimentos. A pergunta que fica é: estamos, o AVAC-R, dando respostas satisfatórias no sentido de debelar a crise climática?
“Não saberia dizer até que ponto as respostas dadas são satisfatórias, mas elas existem e são bem conhecidas, destacando-se o uso de variadores de frequência, a adoção de mancais magnéticos em compressores, os componentes com carga mínima de refrigerante e o desenvolvimento de refrigerantes de baixo GWP”, diz o Professor Doutor João Pimenta, da Universidade de Brasília. Pimenta diz, ainda, que a “redução do consumo de energia tanto para a produção de produtos quanto para a operação de sistemas e equipamentos”, deve ser a primeira contribuição do setor.
Da Universidade de São Paulo (USP), o também Professor Doutor Alberto Hernandez Neto, completa: “O foco deveria ser na melhoria da eficiência energética, integrando com soluções que propiciem qualidade do ar interno com fluidos refrigerantes de baixo ou nenhum impacto ambiental. O setor tem tentado atender as demandas e tido sucesso, mas o caminho é longo, pois, os desafios são enormes.”
Pela indústria, Danilo Santos, Gerente Comercial da Munters, também opina a respeito. “O setor está diretamente envolvido com diversos temas que impactam na questão climática, consumimos energia considerável em nossos sistemas, utilizamos fluidos que influenciam no efeito estufa, portanto, temos a obrigação de trazer a discussão para o setor e ser parte da solução. Tenho certeza de que o setor está preparado para isto.”
Giancarlo Delatore, Executivo Sênior de Vendas da Trane Brasil, aponta alguns caminhos. “O setor de AVAC tem um papel fundamental no desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias que visam reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs). Os três principais pilares nos quais o setor AVAC-R precisa se concentrar são: 1) Aplicação de equipamentos e soluções de maior eficiência energética visando contribuir com a redução da intensidade de geração de energia elétrica através da queima de combustíveis fósseis; 2) Eletrificação do aquecimento, migrando a fonte de geração de água quente, deixando de queimar combustíveis fósseis e utilizando soluções com energia elétrica e que possuem maiores índices de eficiência energética; 3) Migração para refrigerantes de baixíssimo GWP (Global Warming Potential): atualmente, existem novas gerações de refrigerantes que possuem baixíssimo GWP. É fundamental considerar as novas gerações de refrigerantes de baixo GWP em aplicações de novos sistemas.”
Neste sentido, Delatore afirma que a empresa à qual pertence lançou, em 2019, o Gigaton Challenge, comprometendo-se a reduzir as emissões de CO2 de seus clientes em 1 bilhão de metros cúbicos até 2030. “Essa quantidade representa o mesmo que a soma das emissões anuais da Itália, França e Reino Unido. Com esse compromisso, a Trane reforça a mensagem ao mercado de levar soluções inovadoras e que, de fato, contribuirão com impacto significativo na redução das emissões de GEEs que contribuem para o aquecimento global”, completa ele.
O que pode (e deve) ser feito
As receitas, embora óbvias, nem sempre são reconhecidas por todos os profissionais que militam no AVAC-R. Afinal, negacionistas estão em toda parte. Pimenta começa por apontar algumas soluções que os projetos deveriam perseguir. “Minimizar perdas de carga e de calor pelo uso de materiais adequados (isolamento térmico), mas, também, pelo leiaute e traçado de circuitos otimizados. Adotar esquemas de vazão de ar de renovação variável, aplicar processos de baixo consumo de energia e soluções de free-cooling etc.”
Ainda em relação ao projeto, Hernandez lembra que as soluções “devem contemplar as necessidades do usuário/cliente, mas integradas com as demais disciplinas da edificação, como civil, elétrica e arquitetura”. Em relação às soluções, ele aponta o uso de resfriadores mais eficientes, sistemas de recuperação de calor e resfriamento geotérmico, entre outros.
Do lado da indústria nota-se algum esforço no desenvolvimento de soluções, particularmente para deter as emissões de gases de efeito estufa. “Atualmente, a aplicação de bombas de calor é a tecnologia que mais se destaca e que pode trazer reduções mais significativas nas emissões de CO2. A queima de combustíveis fósseis para a geração de calor ainda é muito utilizada e impacta diretamente nas emissões de CO2. Em países como o Brasil, onde a utilização de matrizes energéticas renováveis é superior a 80%, é fundamental migrar o aquecimento para soluções elétricas. E as bombas de calor são uma ótima opção para atender essa migração, pois combinam altos índices de eficiência energética e podem operar com refrigerantes de nova geração, com baixíssimo GWP”, opina Delatore.
Da mesma maneira, Joseney Costa, coordenador de P&D da Gree, diz que “há algum tempo o setor tem demonstrado seu comprometimento buscando entregar ao mercado produtos mais eficientes e que usam materiais, principalmente, mais duráveis, e os fluidos refrigerantes alinhados com os acordos ambientais.” Para ele, as principais tecnologias que podem ser destacadas são a atualização para tecnologia inverter nos condicionadores de ar, entregando produtos mais eficientes e econômicos, e a atualização dos fluidos refrigerantes, no primeiro estágio para R410a e atualmente para R32.
O Professor Pimenta vislumbra soluções já em uso e aposta no futuro. “Acredito que, já de forma consolidada, os mancais magnéticos e os variadores de frequência merecem destaque. Olhando adiante, eu diria que a utilização de IA, associada ao conceito de IoT, possui grande potencial e deve se destacar nos próximos anos, contribuindo para um controle operacional ótimo dos sistemas de AVAC-R e, assim, para uma redução significativa do seu impacto sobre o clima.”
Fluidos refrigerantes
A discussão em torno ao desenvolvimento e uso de fluidos refrigerantes tem sido uma constante no setor desde o final da década de 1970. A preocupação inicial concentrava-se em dar uma resposta à destruição da camada de ozônio. As respostas de então mostraram-se ainda mais agressivas ao meio ambiente. O debate em torno ao tema ganhou centralidade. “Por sinal, há quase dois séculos os fluidos refrigerantes têm sido um vetor de desenvolvimento determinante. A evolução no uso de fluidos refrigerantes naturais e de baixo GWP são as respostas principais e que mais têm contribuído”, diz Pimenta.
“Atualmente, existem diversas opções de refrigerantes de baixíssimo GWP aplicados em equipamentos e sistemas em todo o mundo. Refrigerantes como R1233zd, R1234ze, R514A, por exemplo, são ótimas opções para equipamentos que operam a baixas e médias pressões e possuem GWP quase zero. Para equipamentos que operam em alta pressão, o R454B surge como uma das melhores opções no mercado, por possuir menor GWP em comparação a outros refrigerantes. O Brasil vem passando por um processo de maturação sobre as novas gerações de refrigerante e ainda há pouca demanda por opções de refrigerante de baixo GWP. Porém, cabe à nossa indústria trazer soluções e fomentar a aplicação de refrigerantes de novas gerações”, opina Delatore, da Trane.
Hernandez acredita que, na questão dos refrigerantes, a indústria tem respondido “buscando soluções para reduzir o seu impacto na redução dos efeitos de gases estufa com crescimento, por exemplo, dos chamados fluidos naturais.”
Por outro lado, há que se pensar na quantidade de fluidos em circulação nos sistemas, notadamente em sistemas de expansão direta. “Para ambos os casos, a minimização do volume interno nos pontos em que o refrigerante se encontra líquido, reduzirá significativamente a carga de refrigerante. Uso de trocadores de calor compactos com micro canais é uma solução importante. Com relação às linhas nos sistemas de expansão direta, reduzir o comprimento das linhas de líquido separando as unidades interna e externa é uma medida efetiva, desde que o projeto arquitetônico assim o permita (shafts e áreas técnicas posicionadas favoravelmente). Além disso, o uso de circuitos com fluidos secundários é uma solução bem conhecida que também permite reduzir significativamente a carga de refrigerante na instalação”, defende Pimenta.
A este respeito, Costa, da Gree, diz que “estamos em processo de atualização do fluido refrigerante usado em nossos produtos. Até o final de 2024 essa migração deve ficar completa em todas as famílias de produtos residenciais e comerciais leve. No momento, por questões de tecnologia e disponibilidade, o Brasil vem fazendo a migração para o fluído R-32. A migração para fluidos refrigerantes mais eficientes já traz essa redução da quantidade de fluido aplicado nos produtos.”
Possíveis soluções
Uma solução que tem sido colocada em prática em alguns países, notadamente no Japão, é a alteração do set point dos sistemas como forma de reduzir o consumo energético. “Diversos estudos têm confirmado isso, por exemplo, um aumento de apenas 0,5 °C no setpoint para a temperatura do ar de retorno pode reduzir o consumo de energia em um chiller em 19%, o que é um melhoramento expressivo”, diz o professor da UNB.
No entanto, ele pondera: “Primeiramente é necessário um estudo cuidadoso avaliando o impacto da alteração do setpoint sobre o conforto térmico. Em seguida é necessário garantir que os sensores afiram a variável de controle (temperatura do ar) precisamente, o que requer calibração e instalação corretas. Finalmente, mais que uma alteração manual episódica do setpoint, é interessante incorporar um controle ótimo automático, via sistema supervisório.”
“Sem dúvida. Tanto no conforto como no processo é muito importante ter a consciência que um grau a mais ou menos na temperatura, 1% a mais ou a menos na umidade, têm um preço e pode impactar seriamente, principalmente as gerações futuras. Acho que o processo tem que envolver os grupos de trabalho existentes no nosso setor levando informação diretamente para sociedade civil. As redes sociais abriram este canal direto e vejo que entidades como a Abrava, Smacna e Ashrae se utilizam muito bem destes canais. Somos os experts no assunto e temos que difundir nosso conhecimento”, corrobora Santos.
Hernandez também se mostra favorável ao procedimento. “Modificações de setpoints têm mostrado resultados muito interessantes do ponto de vista de redução de consumo de energia e consequentemente no aquecimento global em diversas tipologias, desde edifícios comerciais até data centers. No caso de edificações comerciais poderia se chegar até 26°C de setpoint no ambiente climatizado sem prejuízo de conforto térmico. No caso de data centers, pode-se chegar até 27°C sem detrimento das operações.”
O calor excessivo, a exemplo do que acontece no atual verão do Hemisfério Norte, tende a castigar os mais vulneráveis. Ambientes fabris no Brasil raramente são climatizados. Assim, o stress térmico pode ser fatal para o bem-estar e produtividade de operários. Alguns recursos de ventilação podem mitigar tais efeitos.
“O benefício da ventilação na mitigação do stress térmico é bem conhecido e aplicado. Para tal, é necessário primeiramente projetar a envoltória de forma a tirar máximo proveito da ventilação natural. Adicionalmente, a utilização de ventilação induzida e forçada – inclusive localizada, é bastante efetiva. Por fim, a conjugação da ventilação (natural ou forçada) com o processo de resfriamento evaporativo é também importante. Em climas excessivamente secos a correção da umidade do ar pode ser alcançada por processos de umidificação passiva (espelhos d’água, chafarizes etc.) ou ativa (pulverização direta, painéis evaporativos etc.). Já em climas muito úmidos é necessário recorrer a processos como desumidificação química e por adsorção”, defende Pimenta.
A solução também é defendida pelo professor da USP. “Analisando cenários futuros de aquecimento global, o nível de stress térmico chega a níveis emergenciais que promove danos à saúde dos ocupantes. O uso de ventilação pode amenizar esta condição, mas não será suficiente, caso as projeções feitas para as temperaturas externas continuem crescendo, obrigando ao uso incondicional de ar-condicionado para atingir conforto térmico.”
Para Hernandez, a umidade poderá ser controlada com uso combinado de processos de resfriamento e desumidificação. Mas, alerta ele, “o uso de dessecantes só é viável em edificações comerciais. No caso de edificações residenciais, o usuário deve encontrar soluções que caibam no bolso, que é limitado no momento.”
Joseney Costa lembra que “o processo de troca de calor do ambiente acontece através da movimentação do ar por meio dos trocadores de calor. Sistemas de ventilação eficientes que permitem um grande fluxo de ar dos ambientes podem criar condições mais confortáveis.”
Outra questão colocada é o descarte de equipamentos. Costa esclarece que a indústria tem buscado oferecer produtos mais robustos e eficientes. “Já em relação ao descarte, a indústria vem implementando ou participando de sistema de logística reversa, a fim de recolher produtos no fim da vida útil e promover a desmontagem e descarte correto das partes desses produtos.
“A ventilação seguramente pode contribuir para esta questão e para os casos de calor extremo, associada ao resfriamento evaporativo, pode ser a solução sem grande impacto na questão climática. Hoje há diversas linhas de montagem que se utilizam deste sistema com ótimo resultado. Uma vez bem dimensionado, projetado e instalado, o sistema de ventilação associado ao resfriamento evaporativo produz níveis de umidade dentro dos parâmetros de conforto, mitigando os efeitos do estresse térmico”, finaliza Danilo Santos.