A cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, viveu uma das piores catástrofes climáticas de sua história em maio de 2024. Chuvas torrenciais causaram enchentes sem precedentes, afetando mais de 471 cidades no estado, colocando 109 municípios em estado de calamidade pública, matando mais de 180 pessoas, confirmadas até o momento,deslocando mais de 700 mil pessoas de suas casas e afetando cerca de 3 milhões de pessoas. Cidadesinteiras desapareceram ou foram afetadas gravemente. O estado já havia sofrido os efeitos deum ciclone extratropical e fortes chuvas em setembro de 2023 e menos de um ano depois enfrenta nova destruição, agora pelas águasde umaenchente.

 O Desastre

A chuva forte começou em 27 de abril em Santa Cruz do Sul, na Região dos Vales.

Sem parar, se estendeu por mais de 10 dias, sobrecarregando as bacias dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos e Gravataí, que transbordaram e a água invadiu municípios, arrasando cidades e destruindo vidas.

Como são interligadas, a água das bacias chegou ao Guaíba, em Porto Alegre, e à Lagoa dos Patos, em Pelotas e Rio Grande, que também transbordaram, inundando os municípios e tirando famílias de casa – a água chegou onde até então nunca havia chegado.

Afirmar que a enchente de Porto Alegre em 2024 foi causada exclusivamente por acaso seria simplista e irresponsável. Diversos fatores contribuíram para o evento, e negar a influência humana seria negar a realidade.

É verdade que eventos climáticos extremos estão se tornando mais frequentes e intensos devido às mudanças climáticas.No entanto, a ocupação desordenada do solo, a impermeabilização do terreno pelo asfalto e concreto e o descaso com a infraestrutura existente (defesa civil, diques e casas de bombas) para a contenção amplificaram o impacto da enchente.Ignorar esses fatores e culpar apenas o “acaso” e a “natureza” nos impede de aprender com a tragédia e de tomar as medidas necessárias para prevenir futuras inundações.

A ciência é clara:as mudanças climáticas estão intensificando e eventos climáticos extremos aconteceram com maior frequência.A ocupação irregular do soloe a falta de infraestrutura adequada para a contenção das enchentes agravam os impactos das inundações.Os ataques a natureza, a poluição, o desmatamento etc.trarãomaisdesastres climáticos e perdas irreparáveis em intervalos de tempo menores.

Há a necessidade de políticas públicas e ações da sociedade para mitigar as mudanças climáticas e adaptar as cidades aos seus efeitos.A enchente de 2024 foi notável por sua escala e intensidade, em poucos dias choveu mais que no evento de 1941, e afetou uma área geográfica maior e causando danos mais significativos em comparação com a enchente anterior.

O Cheiro da morte…

O cheiro da morte após a enchente, oriundo da decomposição de matéria orgânica e dos esgotos, está sendo um problema sério. A população está sendo castigada pelo odor fétido e pelas enormes pilhas de entulhos acumulados pelas ruas. O trabalho de limpeza dos bairros, ruas e casas é um desafio imensurável. No entanto, com a água baixando, surge outra ameaça invisível: o mofo.

 Por que o mofo surge após a enchente?

 Umidade: A água da enchente deixa os ambientes úmidos por um longo período, criando um ambiente ideal para o crescimento de fungos e mofo.

Calor: As altas temperaturas, para o mês de maio em Porto Alegre, frequentes após as chuvas, aceleram a proliferação de mofo.

Pouca ventilação: Casas fechadas pelos moradores em fuga e as atingidassem ventilação adequada facilitam o acúmulo de umidade e o crescimento de mofo.

Quais são os riscos à saúde associados ao mofo?

 Os riscos à saúde associados ao mofo são variados e podem ser bastante sérios.

Aqui estão alguns dos principais riscos:

Asma Alérgica: A asma alérgica pode ser provocada pelo mofo, bem como por pelos de animais, poeira e ácaros.A tosse e a falta de ar excessiva são os principais sintomas dessa doença.

Sinusite fúngica: A sinusite fúngica se desenvolve quando, ao respirar, os fungos ficam alojados na cavidade nasal.Entre os sintomas mais comuns dessa doença estão a dor na face, dor de cabeça, coriza, dificuldade para respirar, obstrução nasal e até mesmo a perda de peso.

Micose broncopulmonar alérgica: A micose broncopulmonar alérgica (MBA) pode ser causada por dois tipos de fungos, o Candidaalbicans e Aspergillus terréus.É preciso ficar atento, pois essa doença tem sintomas bem parecidos com o de uma gripe, incluindo a tosse, a febre baixa e as dores no corpo, especialmente na região do peito e costas.

Aspergilose bronco pulmonaralérgica: A aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA), é uma das doenças causadas por mofo.Ela é muito parecida com a micose bronco pulmonar, no entanto, o fungo causador é o Aspergillus.Asmáticos e pessoas com fibroses císticas são mais suscetíveis à ABPA.

Síndrome do edifício doente: Esse tipo de síndrome é causado por mofos que se instalam nas paredes, carpetes e móveis de prédios antigos.A doença atinge a maioria das pessoas que trabalham em imóveisafetados pelas cheias e principalmente em cidades onde a umidade relativa do ar é alta, como Porto Alegre.

Pessoas com sistema imunológico comprometido são especialmente vulneráveis aos efeitos do mofo.A longa exposição ao mofo pode causar uma condição conhecida como toxicidade do mofo, que pode causar dificuldades respiratórias, como asma e falta de ar, além de estar ligada a sintomas como dores de cabeça e alterações de humor.

 Estratégias de controle de mofo

 A Anvisa possui diretrizes relacionadas ao controle de mofo em seus documentos e orientações sobre a qualidade do ambiente internoque destaca a importância de controlar a umidade e manter a ventilação adequada para prevenir o crescimento de mofo. O DN Qualindoor da Abravano seu site na internet alerta e faz recomendações sobre a melhor maneira de controlar o seu crescimento, que é controlar a umidade.

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), fornece diretrizes para identificação, prevenção e remediação. A EPA destaca a importância de controlar a umidade, essencial para o crescimento do mofo, e promove a educação sobre os riscos à saúde, como problemas respiratórios e alérgicos. A Agência incentiva o uso de materiais de construção resistentes ao mofo e práticas que minimizem a umidade nas edificações.

No guia da EPA sobre “Remediação de mofos em escolas e edifícios comerciais”, capítulo 3, há um roteiro para abordar, investigar, avaliar e remediaros problemas de umidade e mofo.

Primeiramente, é essencial identificar sinais visuais de mofo, como manchas e crescimento de fungos, bem como odores característicos. Também é importante revisar o histórico do edifício e utilizar ferramentas como higrômetros para medir os níveis de umidade.

Na avaliação dos problemas, é necessário determinar a extensão da contaminação por mofo e identificar as causas subjacentes, como vazamentos de água ou ventilação inadequada.A avaliação dos riscos à saúde dos ocupantes e trabalhadores também é fundamental.

A remediação envolve o desenvolvimento de um plano de ação detalhado, que inclui a contenção das áreas afetadas e a proteção dos trabalhadores.

As medidas de contenção utilizam barreiras físicas e ventilação negativa para evitar a propagação dos esporos. Materiais contaminados que não podem ser limpos adequadamente devem ser descartados. As áreas afetadas devem ser limpas e desinfetadas adequadamente e, em seguida, completamente secas para prevenir recorrências.Reparos estruturais e restauração das áreas remediadas são passos finais importantes.

Areas afetadas pela enchente 2024

Finalmente, o monitoramento contínuo e a avaliação pós-remediação são essenciais para garantir que o mofo não retorne e que as condições de umidade estejam sob controle. Essas diretrizes ajudam a manter um ambiente saudável em edifícios escolares e comerciais, minimizando os riscos associados ao mofo.

 Nas residências e pequenas lojas

 A melhor abordagem se dá com:

Secagem rápida: A primeira e mais importante estratégia para o controle de mofo é a secagem rápida. Quanto mais rápido a água for removida e a área seca, menor será a chance de crescimento de mofo. Isso pode ser feito usando bombas de água, desumidificadores e ventiladores.

Limpeza e desinfecção: Após a secagem, a área deve ser limpa e desinfetada. Isso pode ser feito usando soluções de limpeza que matam o mofo e impedem seu crescimento. É importante lembrar que a limpeza deve ser feita usando equipamento de proteção adequado, pois o mofo pode ser perigoso se inalado ou se entrar em contato com a pele.

 O controle do mofo sobre aoptica da engenharia de AVAC

 A American Society ofHeating, Refrigerating and Air-ConditioningEngineers (Ashrae) estabelece um conjunto abrangente de diretrizes e práticas recomendadas para o controle eficaz de mofo em ambientes internos. O objetivo principal é promover ambientes saudáveis e confortáveis para os ocupantes, mitigando os riscos à saúde associados à proliferação de fungos.

Sede da Asbrav em 08 de maio, a água subiria mais 50 cm nos dias subsequentes

Pontos-chave para consideração:

Controle rigoroso da umidade: A Ashrae enfatiza a importância de manter a umidade relativa (UR) dentro de uma faixa ideal entre 30% e 50%. Níveis acima de 50% favorecem significativamente o crescimento de mofo.

Ventilação adequada: Uma ventilação eficaz é crucial para remover a umidade e poluentes do ar interno. A Ashrae recomenda uma taxa de troca de ar mínima de 0,35 vezes o volume do ambiente por hora.

Resíduos da enchente em Porto Alegre

Manutenção preventiva: A inspeção e manutenção regulares de dutos de ventilação e sistemas de ar-condicionado são essenciais para garantir o fluxo de ar adequado e prevenir a formação de mofo. Vazamentos de água devem ser reparados prontamente para evitar acúmulo de umidade.

Limpeza regular: A limpeza frequente com produtos antimicrobianos é fundamental para remover o mofo e impedir seu crescimento em superfícies.

Materiais de construção resistentes: A escolha de materiais de construção resistentes ao mofo, como tintas antifúngicas e azulejos, contribui para a criação de um ambiente menos propício à proliferação de fungos.

Métodos de combate à proliferação de mofo

O combate ao mofo em edificações e a garantia da qualidade do ar interno exigem uma abordagem abrangente que combine medidas preventivas, corretivas e tecnologias eficazes. Entre as soluções mais eficientes, podemos destacar:

Controle da umidade:O uso de desumidificadores é ideal para ambientes com alta umidade, remove o excesso de vapor d’água do ar, criando um ambiente menos propício ao crescimento de fungos.

Ventilação adequada: Abra portas e janelas regularmente para promover a circulação de ar fresco e eliminar a umidade acumulada.

Sistemas de ventilação mecânica:Para os locais com pouca ventilação natural, como banheiros e cozinhas. Exaustores removem o ar úmido e quente, enquanto ventiladores de teto promovem a circulação geral.

Sistema arcondicionado: Controla a temperatura, umidade e a pureza, condicionando, desumidificando e filtrando o ar e impedindo a proliferação de mofo.A utilizaçãoem casos críticos (devido ao custo) de filtros HEPA, que removem os esporos de mofo do ar, melhoram a qualidade do ar interno.

Sensores ambientes de umidade: Monitoram os níveis de umidade em tempo real e podem ser conectados a sistemas automatizados para controlar desumidificadores ou ventilação.

Purificadores de ar com tecnologia de irradiação radiante catalítica: Eliminam esporos do ar, melhorando a qualidade do ar interno.

Tintas e revestimentos anti-mofo: Contêm agentes antimicrobianos que impedem o crescimento de mofo em superfícies pintadas.

Lâmpadas UV-C: Utilizadas para desinfetar superfícies e matar esporos de mofo. Essas lâmpadas emitem luz ultravioleta que destrói microrganismos.

Sistemas de impermeabilização: Produtos e métodos para selar áreas propensas a umidade, como fundações e paredes de porão.

Considerações adicionais para Porto Alegre

Devido ao clima úmido da região, medidas adicionais são recomendadas para o controle eficaz do mofo em Porto Alegre:

Utilização de desumidificadores: O uso de desumidificadores em ambientes com alta umidade pode ajudar a reduzir os níveis de UR e prevenir o crescimento de mofo.

Distanciamento de vegetação: É importante manter plantas e jardins longe das paredes e janelas da casa para minimizar a umidade externa e o risco de proliferação de fungos.

Ventilação frequente: A ventilação regular da casa, especialmente após chuvas, é crucial para remover o ar úmido e prevenir o acúmulo de umidade.

Consultoria profissional:A Ashrae recomenda consultar um profissional qualificado em engenharia de AVAC ou qualidade do ar interno para realizar uma avaliação completa do ambiente e desenvolver um plano de controle de mofo personalizado, garantindo a implementação eficaz das medidas adequadas para cada caso.

Conclusão

 A catástrofe de maio de 2024 em Porto Alegre foi um lembrete trágico do poder da natureza e da importância para a escalada de destruição do planeta. Estes a acontecimentos e outrossimultâneos no mundo todo fazem coro ao 6º relatório de avaliação emitido, em agosto de 2021, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), destacando que a temperatura da Terra está subindo mais rápido do que o esperado e fazendo alertas alarmantes sobre as consequências da catástrofe climática para o planeta e, portanto, para a humanidade.

O relatório apresentou evidências contundentes de que os eventos climáticos extremos estão se tornando mais frequentes e severos. O aumento do nível do mar, por exemplo, é uma das mudanças que não poderá ser revertida em séculos, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa sejam drasticamente reduzidas.

A tragédia em Porto Alegre exemplifica as previsões do IPCC, demonstrando que estamos vivendo os impactos das mudanças climáticas agora. As inundações devastadoras, que causaram imensas perdas humanas e materiais, sublinham a necessidade urgente de ações eficazes de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

A engenharia de AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar-Condicionado) é uma das áreas técnicas que mais se preocupa com os impactos ambientais causados ao planeta. Os profissionais dessa área enfrentam desafios constantes para garantir ambientes internos saudáveis e confortáveis, enquanto minimizam os impactos ambientais. Um exemplo disso é o combate ao mofo, que se torna um problema ainda maior em regiões afetadas por enchentes e alta umidade. A atuação eficaz dos profissionais de AVAC é essencial para manter a qualidade do ar e a saúde pública, mostrando que a engenharia e a ciência têm papéis cruciais na luta contra as mudanças climáticas e na proteção da humanidade.

Porto Alegre, com sua tragédia recente, serve como um doloroso aviso das realidades das mudanças climáticas. É imperativo que se reverta a destruição da natureza e se invista em infraestrutura resiliente e em tecnologias que possam mitigar os efeitos dos desastres naturais, para que possamos enfrentar um futuro em que esses eventos se tornarão cada vez mais comuns.

Anderson Rodrigues é engenheiro mecânico, consultor e projetista na Artécnica e secretário da Asbrav

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