O ano de 2015 marcou a história da refrigeração comercial brasileira com a explosãodo custo da energia elétrica
O consumo no varejo acontece por inúmeras demandas dos consumidores, da necessidade de um determinado produto à compra por impulso, e esta última sempre foi a grande aposta para aumento do faturamento de um ponto de venda.
Os expositores frigoríficos abertos, aplicados em supermercados, sempre atenderam a demanda de expor um produto na altura dos olhos e ao alcance das mãos dos consumidores, sem barreiras ou quaisquer empecilhospara sair da prateleira em direçãoao carrinho.Este contato direto com o consumidorfacilita a compra por necessidade e provoca a compra por impulso, porém, para gerar esta facilidade, ele cobra uma conta, que as vezes pode ser mais alta do que o retorno financeiro que oferece.
A potência elétrica consumida por um expositor frigorífico está diretamente relacionada a carga térmica que ele possui, bem como uma série de outras características do sistema de refrigeração, então, entender este fundamento, e poder trabalhar com variáveis que possam reduzi-lo,é fundamental para a otimização da operação dos equipamentos.
A carga térmica é uma característica individual de cada ambiente climatizado, sejam eles expositores, câmaras frigoríficas, salas de preparação de alimentos e antecâmaras, bem como o salão de vendas de um supermercado, climatizado a partir de um sistema de ar-condicionado, visando o conforto térmico dos consumidores.
Por princípio de projeto, um expositor frigorífico é destinado a expor produtos perecíveis, mantendo-os a uma temperatura de conservação adequada de acordo com suas características, mas não tem a função de reduzir a temperatura do produto, ou seja, não é um equipamento de resfriamento ou congelamento, apenas de manutenção da temperatura. Esta definição, por consequência, resulta na conclusão de que pouco calor deve entrar no expositor junto com os produtos, não sendo ele o grande influenciador da carga térmica.
A transferência de calor pelas paredes, teto e tanque, o calor dissipado pelos ventiladores, iluminação e resistência de orvalho e degelo, quando existem, são fatores a considerar no levantamento da carga térmica, mas a característica operacional de um expositor que mais influênciatem na determinação deste valor é o quanto o volume de ar frio interno tem contato com o volume de ar quente externo a ele, o quanto de transferência de calor por convecção, em função da diferença de temperatura, ocorre nesta área que divide estes dois ambientes. Quanto maior a área de contato, maior a transferência de calor. Isto significa ar quente entrando dentro do expositor, elevando e definindo o valor da carga térmica.
A carga térmica é uma das características mais importantes dos expositores frigoríficos, pois é ela que, somada às cargas térmicas das câmaras, vai definir os equipamentos e componentes do sistema de refrigeração de um supermercado, tais como:
- Capacidade e quantidade de compressores e condensadores a serem aplicados;
- Potência elétrica dos motores, consequentemente, o consumo de energia elétrica;
- As dimensões dos evaporadores e condensadores;
- Os diâmetros das tubulações e conexões de cobre;
- A quantidade de fluido refrigerante em circulação no sistema.
Por décadas os expositores abertos predominaram em todo tipo de ponto de venda do varejo de produtos perecíveis, e os supermercados foram os grandes consumidores deste tipo de equipamento.Avaliando algumas convenções mais antigas de projetos de sistemas de ar-condicionado, o ar frio proveniente dos expositores era considerado como uma carga térmica negativa quando do dimensionamento de equipamentos, bem como no posicionamento de dutos e difusores de ar, pois a região onde encontravam-se os expositores frigoríficos era, naturalmente, fria, não necessitando de climatização adicional. Uma consequência da forma construtiva do expositor, porém, um contrassenso, pois a climatização daquela área estava sendo executada por um sistema de refrigeração cuja temperatura de evaporação do fluido refrigerante estava em -10 ou -30°C, quando poderia seguir as características do projeto de ar-condicionado, com algo em torno de 10°C, um desperdício de energia.
Esta condição, por anos, criou situações inusitadas, em que clientes dos supermercados reclamavam dos corredores exageradamente frios, principalmente aqueles entre dois alinhamentos de expositores frigoríficos abertos, evitando circular por eles. A compra por impulso destes consumidores, nestes expositores, simplesmente não acontecia.
Aaplicação de expositores frigoríficos abertos, resultando em elevadas cargas térmicas nos sistemas de refrigeração de supermercados, e os corredores frios, reclamados por alguns, aliado ao alto consumo de energia elétrica, sempre tiveram uma convivência pacífica em um setor cujo faturamento elevado, a disponibilidade de energia no país, proveniente de fontes renováveis, e o baixo custo do kW.h, não exigiam reações dos projetistas, fabricantes ou supermercadistas, até que o ano de 2015 chegou.
2015 foi um ano que marcou a história da refrigeração comercial brasileira, tudo porque, no período de poucos meses, o custo da energia elétrica sofreu sucessivos e altosíndices de reajustes. Em uma época em que o consumo de energia do mercado livre ainda era limitado, o custo da energia elétrica saltou para o segundo maior custo operacional de um supermercado, logo depois do custo da mão de obra. Esta nova condição chamou a atenção dos varejistas, que reagiram rapidamente e passaram a questionar os fabricantes sobre quais seriam as soluções para reduzir este impacto negativo nas margensdo negócio, e a resposta estava pronta: instalar portas nos expositores abertos e reduzir a carga térmica do sistema de refrigeração.
De fato, os fabricantes de equipamentos não tinham bola de cristal para enxergar esta demanda, mas sempre se soube que a aplicação de portas nos expositores abertos seria o grande pulo do gato para aumentar a eficiência dos sistemas de refrigeração comercial, porém, o assunto de aplicar portas em expositores frigoríficos sempre foi um tabu entre os varejistas, quase que um assunto proibido, principalmente pelo motivo das portas criarem uma barreira física entre o produto e o consumidor, reduzindo o consumo, principalmente aquele por impulso, mas, em 2015, se abriu o caminho para a mudança, na verdade, mudanças, pois mexeu em todo o mercado.
O índice de redução da carga térmica de um expositor vertical de autosserviço aberto para um fechado foi de 70%, justamente no tipo de expositor mais aplicado em um supermercado, ou quase que único em um atacarejo (conceito misto entre um supermercado e atacado). A grandiosidade deste índice impactou a todos e chamou a atenção sobre o assunto, que passou a ser tema de qualquer abordagem sobre eficiência energética e economia no consumo de energia elétrica.
Figura 1 – Ilustração comparativa entre um expositor vertical de autosserviço aberto e um fechado com portas.
Uma grande rede de varejo norte-americana, que hoje não está maispaís, deu o pontapé inicial, rapidamente seguida pelas principais demais redes, até que todos seguiram pelo mesmo caminho.A adaptação ao novo conceito de exposição foi rapidamente percebida e aceita pelo consumidor, inclusive com elogios de grupos de pessoas que associavam a presença das portas à melhor qualidade de conservação dos produtos, já que nas geladeiras domésticas, a porta sempre se fez presente.
E assim se fez a mudança, que ao longo dos anos seguintes foi se adequando a uma demanda ou outra, como a permanência da condição aberta para a exposição de folhagens, por exemplo, mais foi o começo de grandes mudanças para muitas empresas do setor de refrigeração brasileiro.
A economia de energia foi o foco da mudança, mas também acertou, de forma precisa, nas demandas do Protocolo de Montreal e Emenda de Kigali, reduzindo significativamente a quantidade de fluido refrigerante fluorado nos sistemas de refrigeração. Antes de eliminar o uso destes fluidos que atacam a camada de ozônio e possuem elevado potencial de aquecimento global, ou qualquer outro tipo de dano ambiental, tem-se que passar por um processo de transição, e a redução na quantidade aplicada é um dos principais elementos que estão auxiliando neste processo.
A redução da carga térmica se traduz na necessidade de menores capacidades de refrigeração, consequentemente, compressores de média e baixa potência se tornaram predominantes nos equipamentos de refrigeração comercial, afetando diretamente os fabricantes de compressores, tanto no volume de produção quanto no faturamento para atender este segmento. Os condensadores remotos, diretamente vinculados a potência dos compressores, foram para o mesmo caminho, bem como todos os componentes, partes e peças que fazem parte deste contexto.
Mas um dos pontos mais significativos deste processo de mudança foi o aspecto visual do expositor, que passou a apresentar uma face frontal quase que totalmente formada por vidro, material este que se tornou a segunda matéria prima mais importante na formação de custo do produto. Dominar o processo de fabricação, manuseio e montagem das portas de vidro se tornou fundamental para manter a competitividade neste mercado.
São muitos os fabricantes de expositores frigoríficos no mercado nacional e internacional. Se expositores verticais de autosserviço fechados, de diversos fabricantes, forem postos lado a lado, os incautos poderão afirmar que são equipamentos iguais, dada a similaridade de uma porta com outra. O expositor se tornou uma “pele de vidro”, alcunha dada a face frontal do equipamento, tornando-se um risco na análise da qualidade do produto, já que a performance, durabilidade e baixo custo de manutenção não estão relacionados somente à face frontal, mas sim a todo o conceito de desenvolvimento de projeto, materiais aplicados,processos de fabricação e testes.
De 2015 para cá, as portas de vidro evoluíram rapidamente. Hoje, cumprem a função de reduzir drasticamente a carga térmica de um expositor frigorífico e estão cada vez mais imperceptíveis aos olhos do consumidor, deixando de ser um obstáculo visual entre ele e o produto exposto, e abrir uma porta de um expositorcomeçou a fazer parte da rotina de quem vai ao supermercado, afinal, abrimos as portas das nossas geladeiras domésticas todos os dias.