Instalações com falhas no projeto e instalação e, principalmente, operadas e mantidas fora das boas práticas, geram avaliações negativas do ar-condicionado
Cada vez mais o debate em torno à qualidade dos ambientes internos ganha relevância. Não é por menos, estimativas apontam que passamos entre 80% e 90% do nosso tempo em ambientes fechados. Calcula-se que uma pessoa permanece cerca de 9 horas por dia em ambientes de trabalho.Assim, fatores como acústica, ergonomia, iluminação e conforto térmico em locais fechados são incontornáveis.
Sem pretender hierarquizar cada um dos fatores que empresta qualidade a um ambiente interno, podemos dizer que aquele que nos toca diretamente, o ar-condicionado, é um dos mais notados. Se a má iluminação ou estações de trabalho pouco ergonômicas causam desconforto e até mesmo irritação ao longo do período laboral, é o ar-condicionado que mais rapidamente se manifesta na percepção das pessoas. Talvez isso é o que leva, em muitos casos, a uma avaliação de que ele “faz mal”, quando é exatamente o contrário.
Marcelo Munhoz, diretor da Sicflux, tem uma opinião a respeito. “Ainda há uma parcela que entende dessa forma pelo fato de não saberem o malefício que ele pode trazer se mal instalado ou sem manutenção e limpeza adequadas; além disso, na pandemia, infelizmente o fato de pedirem para desligar o ar-condicionado e abrir janelas, deixou essa percepção de que ele faz mal.”
Essa opinião é, de certa forma, corroborada por Marcos Santamaria Alves Corrêa, da engenharia de aplicação das Indústrias Tosi. “Entendo que este mito de que o ar-condicionado “faz mal” se deva ao fato de, em muitas instalações, não existir renovação de ar ou esta ser insuficiente para o número de pessoas dos ambientes e, também,pela falta de manutenção apropriada dos sistemas.”
“Acredito que (essa percepção) deve-se aos sistemas de climatização que operam fora das normas técnicas. Os sistemas devem ser projetados, instalados e mantidos adequadamente para garantir condições de bem-estar e saúde”, completa Leonardo Cozac, CEO da Conforlab e presidente da Brasindoor.
“Na verdade, não se trata apenas de uma percepção. Realmente existem problemas associados ao uso do ar-condicionado, como síndromes do sistema respiratório (alergias, asma, resfriados, gripes, irritações etc.), dermatites, dores de cabeça, sonolência, desconforto, falta de produtividade, absenteísmo e muitos outros. Porém, é muito importante ressaltar que tais problemas têm causas no uso inadequado, na deficiência da manutenção, nos projetos precários ou mal executados e não na tecnologia em si. A questão, portanto, está em como os sistemas são operados e gerenciados, o que pode levar a consequências que são confundidas como um mal intrínseco do ar-condicionado”, define Murilo Leite, engenheiro de vendas da Munters.
Na realidade, há que se retomar o conceito, segundo Robert van Hoorn, diretor da Multivac. “Ar-condicionado é igual a condicionamento do ar, que vai além da temperatura, mas controla, também, a umidade relativa do ar, a velocidade com que o ar é entregue e, não menos importante, se este ar tem o grau de pureza desejado. Muitas instalações só olham uma parte do problema – a temperatura – negligenciando os outros fatores que garantam a QAI.”
Portanto, não há como negar que algumas instalações colaboram para essa crença. Assim sendo, como garantir que as instalações de climatização produzam saúde, além de conforto? “Projeto bem elaborado atendendo as normas e leis, instalação feita por um profissional qualificado bem como o plano de manutenção e limpeza futuro para que a instalação e seu funcionamento estejam em dia”, sintetiza Munhoz.
“Tal qual o triângulo do fogo, que em cursos de brigada de incêndio se aprende, o fogo depende da existência simultânea de 3 componentes – combustível, comburente e fonte de calor -, a qualidade do ar interno também depende da qualidade de 3 componentes: projeto, instalação e manutenção; se faltar qualidade em qualquer um dos 3 componentes a qualidade do ar fica comprometida”, diz Santamaria.
Cozac, em outras palavras, sistetiza:“Começar com projetos bem-feitos, que levem em conta, por exemplo, a umidade relativa do local. Muitas reclamações de usuários são pela baixa umidade relativa do ambiente. Se essa premissa for considerada no projeto e depois na instalação e manutenção, o ambiente ficará mais confortável e menor será a percepção de incomodo por parte do usuário. Isso vale para a distribuição de ar, controle de temperatura, pressão e qualidade do ar.”
“É essencial uma abordagem sistêmica, da concepção do projeto à operação, não deixando de considerar as premissas básicas, normas, regulamentações, recomendações, requisitos do usuário e as dinâmicas entre as partes. Uma das formas de garantir o resultado, principalmente em sistemas de maior complexidade, é considerar a implementação estratégica de um processo de comissionamento durante todo o ciclo de vida do projeto”, recomenda Leite.
Premissas para um ambiente com qualidade
Afinal, o que seria um ambiente com qualidade? “Entendo que um ambiente interno de qualidade é aquele que gera saúde, conforto e bem-estar aos ocupantes, respeitando as boas práticas e normas vigentes, obviamente atendendo premissas básicas de ar-condicionado que são, velocidade e temperatura adequada, níveis de CO2 e ruídos dentro dos parâmetros, posicionamento adequado dos equipamentos e pontos de insuflamento, entre outros”, opina Maurílio Berto Oliveira, engenheiro de aplicação e de novos negócios da Multivac.
“No que se refere a sistemas de ar-condicionado, a qualidade do ambiente interno necessita de temperatura adequada, normalmente entre 22ºC e 25ºC, umidade entre 40% e 60%, velocidade do ar não superior a 0,25 m/s, renovação do ar adequada proporcional a área do ambiente e ao número máximo de pessoas que ocupam simultaneamente o ambiente, níveis baixos de contaminantes e material particulado em suspensão, conforme parâmetros estabelecidos em normas, nível baixo de ruído e distribuição do ar adequada para nem criar zonas quentes e zonas frias, nem tampouco locais com velocidades altas do ar conforme já mencionado”, explica o engenheiro da Tosi.
No entanto, a percepção varia de usuário para usuário. Por isso, Cozac define o que seria um ambiente com qualidade. “Quando você tem mais de 80% dos usuários satisfeitos, bem como as concentrações de gases, material particulado e microrganismos dentro dos limites de aceitação para a saúde humana.”
“Tem-se, portanto, dentro das características relativas à QAI, um ambiente interno com qualidade quando os contaminantes estão dentro de limites pré-estabelecidos (regulamentações e normas), quando a temperatura, a umidade, a velocidade e distribuição do ar promovem condições adequadas para o conforto e saúde dos ocupantes. Em condições adequadas, o ar-condicionado é uma tecnologia segura e tem papel fundamental no dia a dia de muitas pessoas, indo muito além do conforto térmico. Pode ser um elemento transformador na qualidade dos ambientes internos”, sintetiza Murilo Leite.
Qual pode ser a contribuição do ar-condicionado?
Maurílio Oliveira começa a resposta para fraseando o presidente executivo da Abrava, Arnaldo Basile: “Ar-condicionado é bom e faz bem, um bom sistema de climatização pode até melhorar a produtividade em um ambiente, especialistasjá desenvolveram estudos que comprovam que um ambiente bem equilibrado e mantendo os parâmetros adequados de CO2 e temperatura, faz com que os ocupantes fiquem mais atentos, menos dispersos e até com mais energia.”
Para Leonardo Cozac a contribuição do ar-condicionado para a qualidade dos ambientes internos acontece de diversas maneiras, que ele relaciona:
– Filtragem do ar: retirada de material particulado do ar tanto interno como externo;
– Renovação do ar: diluição de gases e microrganismos no ambiente interno;
– Pressão: controle do fluxo do ar para reduzir contaminantes indesejados;
– Umidade relativa do ar: ambientes muito úmidos favorecem o crescimento e microrganismos.
“Um sistema completo, como já exposto acima, traz bem-estar e uma boa qualidade do ar.Dessa forma, diminui o absenteísmo em empresas, pois, as pessoas adoecem menos por doenças respiratórias e produzem mais”, sintetiza Munhoz.
Instalações de split
Seria possível dotar os ambientes climatizados por sistemas split ou mini split da mesma maneira que em sistemas centrais?
“Normalmente, em equipamentos do tipo split se faz necessário um sistema independente de reposição de ar para balanceamento dos níveis de CO2, a tão falada TAE (tomada de ar exterior), que tende a melhorar significativamente a QAI.Outros cuidados, como capacidade correta dos equipamentos, pontos de instalação etc. vão contribuir significativamente com esse ambiente. Obviamente, estamos falando em ambientes de conforto e partindo do pressuposto que o split por si só atende a demanda em questão, pois quando tratamos de ambientes mais técnicos se faz necessária uma análise mais aprofundada para a QAI”, opina Oliveira, da Multivac.
Marcelo Munhozendossa a opinião. “Sim, é possível utilizando equipamentos de tomada de ar externo com filtragem adequada a cada tipo de ambiente, os mesmos atendem as exigências da NBR 16401 relacionada a qualidade do ar , além disso, se faz necessário um plano de manutenção adequado a esse sistema (PMOC).
“É possível resguardar a qualidade do ambiente interno em instalações com equipamentos tipo split system, em alguns tipos de ambientes, não todos”, pondera Santamaria.“Desde que seja feito um projeto por profissional qualificado que leve em consideração a renovação do ar em vazão adequada a área e número de pessoas no ambiente, a distribuição do ar para não criar zonas quentes e zonas frias ou zonas com velocidade excessiva do ar e, também, se incorporem equipamentos de filtragem do ar, caso os equipamentos tipo split não disponham de filtragem conforme estabelecida na Norma NBR 16.401 para aquele determinado ambiente.”
Da mesma maneira entende Leonardo Cozac. “Importante a instalação complementar no ambiente atendido por aparelhos tipo split com renovação e filtragem (tratamento) do ar para controle de gases, materiais particulados e microrganismos presentes no ar. Lembrando que esse projeto e instalação deve ser feito por profissional legalmente habilitado e capacitado.”
“O tema escolhido é relevante. O mercado de ar-condicionado tem uma oportunidade grande de crescimento usando a qualidade do ar interno. A conscientização de que seu benefício vai além do conforto térmico é fundamental para a percepção e uso do consumidor final. Quando isso ocorrer, irá proporcionar sistemas mais bem projetados, instalados e mantidos, gerando uma maior cadeia de valor ao setor de AVAC-R”, conclui o presidente da Brasindoor.
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