Alto fator de calor sensível em data centers, por conta das características térmicas dos ambientes, dita os requisitos particulares dos equipamentos para ambientes de missão crítica
Os ambientes de missão crítica são espaços que acomodam infraestrutura tecnológica que operam de forma contínua e ininterrupta 24 horas por dia e sete dias por semana, capazes de suportar diversos níveis de impactos ou interferências. A paralização desses ambientes por alguns minutos, ou até mesmo segundos, pode acarretar inúmeros problemas, incluindo prejuízos inestimáveis, como o impacto na operação e manufatura, a perda de informações, risco para as finanças, danos à imagem, podendo chegar ao último estágio, o fechamento da empresa e sua falência. Muitas vezes essas implicações são apenas financeiras, mas podem também riscos de vida, como no caso de hospitais. São considerados ambientes de missão crítica, data centers, hospitais, laboratórios, entre outros.
Para garantir sua operacionalidade há um grande esforço na identificação e avaliação dos riscos nesses ambientes. Para tanto, são elaboradas normas, recomendações e boas práticas que definem diretrizes, não apenas para a construção de equipamentos, mas também para a instalação destes, de modo a torná-los ainda mais confiáveis.
“Faz-se extremamente importante que essas diretrizes iniciais de projeto sejam parte de um gerenciamento de riscos amplo e bem conhecido, que contenha, além do controle, o monitoramento e uma estratégia de respostas prováveis aos riscos”, enfatiza Murilo Leite, sales engineer da Munters Brasil.
Para que esse ambiente funcione sem interrupção é necessário, segundo João José Szwarc, diretor da A.Q. – Air Quality, um cuidado especial desde a concepção do projeto, incluindo o desenvolvimento e a fabricação dos equipamentos e muita atenção na fase de instalação e manutenção, prevendo menores intervalos nas manutenções preventivas, maior estoque de peças sobressalentes, entre outros. “As soluções que o projetista encontra para atender a esses ambientes são praticamente infinitas, dentre elas podemos citar: utilização de equipamento reserva, superdimensionamento para evitar sobrecarga, equipamento com dupla serpentina de resfriamento, gerador de emergência, equipamento com dois motores para acionar cada ventilador, descentralização das operações etc.”.
Em se tratando de ar condicionado, são ambientes de missão crítica aqueles ligados à atividade de processamento de dados, os chamados data centers, que muitas vezes suportam operações bancárias, bancos de dados, redes sociais, sistemas de vendas pela internet, entre outros.
A climatização é ponto chave na manutenção da operacionalidade de ambientes de missão crítica, pois nesses locais o foco sempre será a manutenção das condições ambientais favoráveis ao melhor desempenho dos equipamentos de TI. Diferentemente dos ambientes de conforto, o ambiente de missão crítica destina-se a manter condições ambientais favoráveis ao melhor desempenho dos servidores, de modo que critérios como temperatura, umidade, vazão de ar e disponibilidade física, se diferem das utilizadas em locais de processo produtivo e, principalmente, em ambientes onde se busca o conforto térmico de pessoas.
Ambientes de missão crítica: data centers
“Todo o sistema precisa ter confiabilidade, robustez, operabilidade e perspectiva de manutenção diferenciados. É um erro pensar somente no equipamento, embora ele seja fundamental. Cito como exemplo a falta de estanqueidade ou a demora de acionamento de um registro de ar que garante a não contaminação. Se acontecer uma falha, no caso um vírus, ele deixa de estar em um ambiente controlado e as consequências podem ser muito ruins. O universo do tratamento e controle das condições do ar é enorme, e aplicar tecnologia para lidar com ambientes críticos faz parte da engenharia do nosso setor”, explica João Carlos Corrêa da Silva, da Ergo Ar Condicionado.
Para Roberto Peixoto, engenheiro de vendas da BerlinerLuft, os equipamentos para ambientes de missão crítica são projetados para atender aos mais diversos requisitos normativos, fazendo com que a operação não pare. “O processamento de dados é o ponto mais importante do data center. Dessa forma, a empresa necessita ter confiança no ambiente de TI, cujos componentes produzem uma carga de calor concentrada, somado ao fator de sensibilidade às mudanças de temperatura ou umidade. Uma mudança de temperatura pode provocar o desligamento de todo o sistema, causando paralisação no processamento das informações, situação que pode criar grandes perdas financeiras. Os sistemas padrão de ar condicionado de conforto não foram projetados para atender tamanha concentração de carga térmica com o perfil de exigência dos ambientes de TI, deixando de proporcionar referências precisas de temperatura e umidade requeridas. Já os sistemas de ar condicionado de precisão foram projetados para essa finalidade, possibilitando o controle rigoroso da temperatura e umidade, além de oferecer altos níveis de confiabilidade, funcionando o ano todo, facilitando a manutenção, a redundância e demais flexibilizações que forem necessárias para o ambiente que deve estar em atividade 24 horas por dia”.
“Em função da diferença dos ambientes, um primeiro ponto que diferencia equipamentos para ambientes de missão crítica é o alto fator de calor sensível por conta das características térmicas desses ambientes. Um segundo ponto é a robustez e confiabilidade desses equipamentos, que por operarem em regime permanente precisam ser projetados para este regime de trabalho, apresentando alto MTBF – Mean Time Between Fails, reduzindo a necessidade de paradas para manutenção, principalmente as corretivas não programadas e, em complemento, em função da criticidade na manutenção da temperatura desses ambientes, e para a correta operação dos servidores, é conveniente que os equipamentos possuam controle para registro dos dados de funcionamento dos mesmos, eventuais falhas, saturação de filtros, avisos de água sob o piso elevado, fazer o revezamento de equipamentos operantes e reservas, e garantir a entrada em operação do equipamento reserva, no caso de qualquer falha na operação de um equipamento em funcionamento” explica Marcos Santamaria Alves Correa, consultor de climatização II da Aceco TI.
Devido à relevância do tema, a Ashrae possui um comitê técnico só para tratar do assunto de climatização em ambientes de missão crítica, o T.C. 9.9 – Thermal Guidelines For Data Processing Environments (4ª Edição). “Essa relevância parte principalmente da demanda de energia requerida por data centers no mundo. Segundo um estudo do Clicking Clean, em conjunto com o Greenpeace, realizado em 2011, estima-se que o ambiente de computação em nuvem já seja responsável pelo consumo de 3% da energia elétrica mundial, número que alguns especialistas já afirmam ter dobrado atualmente. Se o Cloud Computing fosse considerado um país, ele seria o 6° maior em demanda por energia elétrica. Como o ar condicionado corresponde a uma parcela significativa do consumo energético de um data center (em média 37%), o tema ganha grande importância e relevância dentro do mercado de ar condicionado”, ressalta Sérgio Ribeiro, thermal management da Vertiv Brazil.
Segundo o guideline da Ashrae para ambientes de missão crítica, as condições recomendadas de temperatura e umidade na entrada dos racks de servidores são, respectivamente, 18°C a 27°C e -9°C DP (dew point – ponto de orvalho) a 15°C DP e 60% UR. Esses índices são consideravelmente diferentes dos requeridos nos em ambientes para conforto térmico.
Natália Araujo, analista de produtos da Stulz Brasil, cita, como exemplo, um ar condicionado de precisão, que necessita atender aos seguintes requesitos: 1) alto fator de calor sensível (acima de 0,90); 2) elevada vazão de ar; 3) capacidade de operação 24 x 7 x 365; 4) controle preciso de temperatura e umidade; 5) eficiência energética.
“Cada projeto de missão crítica possui requisitos específicos, porém, em geral, quanto mais robusto o equipamento e menor necessidade de tempo de paradas, melhor para um ambiente de missão crítica. O chiller deve ter capacidade de operação de até 500.000 horas (mais de 57 anos) sem a necessidade de manutenções mecânicas, além de possuir um envelope de trabalho ideal para aplicações em regiões com temperaturas extremas. Isto foi comprovado recentemente por um estudo realizado pela GSA – General Service Administration, órgão do governo federal dos EUA que realiza estudos, testes em campo e elabora diretrizes de especificações técnicas de produtos”, explica Cristiano Brasil, engenheiro de aplicação da Midea Carrier.
Para Leite, a palavra que talvez melhor define a concepção de equipamentos para ambientes de missão crítica seja resiliência, dada às diversas condições que geralmente esses equipamentos são submetidos. “Outros fatores, obviamente, são levados em consideração na construção dos equipamentos como, por exemplo, a operação contínua dos seus componentes e a necessidade, em muitos projetos, de elementos redundantes”.
O engenheiro da Air Quality relata um caso prático sobre o desenvolvimento de um equipamento que garantiu condições mínimas – falta de energia elétrica no local – de temperatura interna em containers remotos repetidores de sinal de celular. Devido aos equipamentos eletrônicos internos, a necessidade do cliente, na época, era que a caixa ventiladora possuísse um filtro de ar, que fosse silenciosa (para o caso de funcionamento noturno), garantisse a renovação de ar e que pudesse operar na tensão 24 Volts corrente contínua, ou seja, com motor próprio para funcionar ligado em bateria automotiva. Desta forma, segundo o engenheiro, as máquinas foram fabricadas. O gabinete contemplava ainda uma veneziana que se fechava automaticamente para evitar entrada de ar falso, quando havia energia elétrica, e o condicionador de ar interno do tipo split funcionava normalmente.
Elementos construtivos
“A evolução das características construtivas dos equipamentos de ar condicionado de precisão para ambientes de missão crítica foi significativa nos últimos anos, de modo que, complexos sistemas de controle embarcado, ventiladores eletronicamente comutáveis, compressores mais eficientes, chaves de transferência automática acoplada, entre outros, foram alguns exemplos dessa evolução. Com o barateamento e difusão das soluções de confinamento de corredores, que visam separar a descarga dos servidores (parte quente dos racks) da admissão de ar (parte fria), aliado aos níveis de temperatura e umidade da última revisão da Ashrae TC 9.9, acarretaram na propagação da utilização de técnicas de free cooling indireto para ambientes de missão crítica, que visam aproveitar as condições do ar exterior de forma indireta na climatização dos data centers”, argumenta Ribeiro.
“Em geral, os elementos construtivos dos equipamentos de climatização para ambientes de missão crítica são os mesmos dos equipamentos para conforto. O que mais diferencia estes equipamentos de missão crítica são os ventiladores, que na sua grande maioria são do tipo de acoplamento direto EC – Eletronicamente Controlados, enquanto que nos equipamentos de conforto, por questões de custos, a grande maioria ainda é do tipo correia e polia”, diz Santamaria.
“Os elementos construtivos de um ar condicionado de precisão devem ser robustos, de forma a permitir uma operação ininterrupta sem exigir manutenções constantes. Desta forma, alguns componentes como ventilador e serpentina se diferem construtivamente de um ar condicionado de conforto. Os ventiladores possuem controle de velocidade integrado, dispensando acessórios. O controle de velocidade integrado permite a operação de acordo com a demanda do ambiente, garantindo a precisão necessária em termos de controle de temperatura e umidade. As serpentinas são selecionadas para operar com alto fator de calor sensível nas condições recomendadas de temperatura e umidade. Visando melhorar a eficiência energética dos ventiladores, utiliza-se também aletas com baixa interferência ao fluxo de ar. De modo a atender os níveis de temperatura, umidade e a confiabilidade do sistema, trabalham com dispositivos de prevenção e análise de falhas críticas, sensores de temperatura, umidade e pressão. Opcionalmente podem-se utilizar umidificadores, dispositivos de reaquecimento, supervisão remota, dupla entrada de energia, entre outros”, explica Bárbara Pizzolatto, gerente comercial da Stulz Brasil.
Evolução dos equipamentos
Ribeiro faz um comparativo entre os projetos realizados há alguns anos e os atuais. “Antigamente, os data centers trabalhavam com temperaturas de retorno entre 22°C e 24°C em seus fancoils (para soluções com água gelada). Como não havia separação de corredores frio e quente, a insuflação geralmente atingia patamares muito baixos, o que ocasionava diversos pontos onde a temperatura ultrapassava os níveis exigidos pela norma, pois o ar quente oriundo da descarga dos servidores se mistura com a parte fria dos racks. O controle de umidade nesse cenário necessita ser bastante rígido. Nessas situações era muito comum a aplicação de chillers com temperatura de água gelada na casa dos 7°C, número muito similar ao utilizado em ambientes de conforto. Nos projetos atuais, de missão crítica, a temperatura do corredor quente ultrapassa o patamar dos 30°C (lembrar que a norma cita temperatura na admissão dos racks) e a temperatura de insuflação tem ficado entre 22°C e 25°C, o que eleva a temperatura de água gelada para próximo dos 20°C, acarretando um gigantesco ganho de eficiência naquele que é o maior demandante de energia dentro de um ambiente de missão crítica, o chiller, abrindo caminho para que técnicas free cooling e até mesmo adiabáticas sejam amplamente utilizadas, até mesmo em países tropicais, como é o caso do Brasil”.
Para Santamaria, mais importante que o desempenho individual dos equipamentos é o desempenho total do sistema. “A métrica atualmente mais utilizada para medição de desempenho da infraestrutura de um data center é o PUE – Power Usage Effectiveness, a razão entre o consumo total anual de energia de um data center em kWh e o consumo anual dos servidores de TI. Quanto mais eficiente for a infraestrutura elétrica e, principalmente o sistema de climatização do data center, menor será este número, que por suas características não pode ser inferior a 1,0”. Ainda, segundo o consultor, atualmente estima-se que em média o PUE dos data centers esteja na faixa de 2,0. Para o Brasil, PUE abaixo de 1,6 já é um excelente valor, e dificilmente se atingiria PUE abaixo de 1,3. Já em regiões mais frias durante o ano todo a PUE pode chegar até 1,1.
“Normalmente, os equipamentos aplicados em missão crítica estão sujeitos aos mesmos requisitos de medição de desempenho utilizados para equipamentos de conforto. O que se aplica em ambientes de missão crítica é a classificação da instalação, denominado TIER e, os equipamentos, normalmente, são testados em condições extremas”, explica Brasil.
O representante da Berliner acredita que testes e homologação nos laboratórios normativos são fundamentais para garantir a performance dos equipamentos. Há a possibilidade de haver laboratórios de testes na própria empresa, mas que também tenha aceitação das entidades normativas e certificadoras.
“Cada vez mais temos exemplos de projetos que optam por temperaturas mais altas na climatização, mas há ainda clientes que trabalham com baixas temperaturas. Nesse caso, a consequência é um gasto energético maior. A Munters, por exemplo, possui uma solução que incorpora a tecnologia do resfriamento evaporativo indireto para climatização de data centers que permite a otimização de recursos e alta eficiência energética, resultando em um custo operacional significativamente mais baixo. Nesse caso, a eficiência energética de um data center pode ser conferida através do seu PUE. Essa métrica é amplamente utilizada, mas, atualmente, estão sendo empregadas, também, métricas adicionais, como o pPUE (Partial PUE), ERE (Energy Reuse Effectiveness), WUE (Water Usage Effectiveness) ou o CUE (Carbon Usage Effectiveness)”, esclarece Leite.
Eduardo Rusafa, diretor geral e comercial da Stulz Brasil, também cita alguns parâmetros que ajudam a medir o desempenho dos equipamentos, como, por exemplo, o EER – Energy Efficiency Ratio ou Índice de Eficiência de Energia. É a relação entre a capacidade de refrigeração de um ar condicionado e a entrada de energia elétrica total em Watts; e o ERA, que descreve a relação entre o consumo de energia do ventilador e o fluxo de ar de uma unidade de ar condicionado a uma determinada pressão estática externa. A unidade utilizada para o valor AER é W/(m³/h). Quanto menor o valor da AER, melhor. Quanto menor o consumo de energia necessário para alcançar certo fluxo de ar, melhor. “Com aumento do uso de sistemas de ar condicionado com free cooling o consumo de energia do ventilador está se deslocando para o foco, pois o ar precisa ser transportado através do data center, mesmo no modo de free cooling. Daí a necessidade de um indicador para este consumo”.
“Se compararmos o Brasil (clima quente, úmido e com baixa amplitude térmica anual) com países do hemisfério norte, o melhor sistema de climatização para data center convencional e com servidores resfriados a ar é o sistema de free cooling indireto, operando em conjunto com o resfriamento adiabático do ar externo. Neste sistema, o ar de retorno dos corredores quentes passa por um trocador de calor que troca somente calor sensível com o ar externo, previamente resfriado através de um processo adiabático, sendo na sequência resfriado, se necessário, por um processo mecânico tradicional, que tanto pode ser de expansão direta como de expansão indireta (água gelada), para depois ser introduzido nos corredores frios. Vale ressaltar que em um data center tradicional e com servidores refrigerados a ar, o gerenciamento do fluxo de ar é tão ou mais importante do que os equipamentos utilizados na climatização do data center. Quanto maior for a segregação entre o ar frio de alimentação dos servidores e o ar quente de expurgo dos mesmos, maior será a eficiência do sistema de climatização como um todo, pois será este fluxo de ar otimizado que permitirá tanto a redução da vazão de ar necessária, como, também, o aumento na temperatura de insuflação, fatores essenciais para a eficiência dos equipamentos e do sistema como um todo. Neste sentido, estão utilizando, cada vez mais, a tecnologia dos softwares de simulação CFD – Computational Fluid Dynamics. Eles permitem simular o comportamento do sistema de climatização de um data center, como um todo, averiguando os melhores resultados após inúmeros testes, alterando tanto os equipamentos, como também os tipos de placas perfuradas ou grelhas, considerando ou não o enclausuramento de corredores e outras ações possíveis”, detalha Santamaria.
Charles Godini – charles@nteditorial.com.br
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