A energia mais barata e limpa é aquela evitada sem afetar o resultado do objetivo fim
Enfoque abrangente
Indiscutivelmente, a grande contribuição do AVAC-R na transição energética é a racionalização do uso, priorizando a adoção de processos naturais proporcionados pelo clima do local, a aplicação da energia sob um enfoque termodinâmico holístico, a preparação da edificação por tratamento isotérmico da envoltória de modo a fazê-la termicamente eficiente e resiliente e, por fim, o acionamento a partir de fontes renováveis de energia.
A energia mais barata e limpa é aquela que é evitada sem que afete o resultado do objetivo fim a ser alcançado. Isso é chamado de “primeiro princípio da eficiência energética” no nível da política da UE. Deve-se primeiro diminuir a demanda de energia e, então, cobrir a quantidade restante de baixa demanda com fontes de energia verdes e sustentáveis.Sintetizando: Reduzir antes de gerar.
Independentemente da fonte energética de suprimento, o termo reduzir não se refere apenas à quantidade – à luz unicamente da 1ª Lei da Termodinâmica, mas, também, à qualidade – à luz de enfoque conjunto da 1ª + 2ª Leis, compatibilizando-a com a exigência da carga.Caldeiras de condensação com eficiência energética 96%, quando empregadas para fornecer água quente sanitária predial à temperatura 60°C – com qualidade exigida pela carga q = 0,12 e utilizando energia de qualidade q = 0,90, têm eficiência exergética inferior a 10%,pois incorrem em chamas com temperatura a 1.200°C, 20 vezes superior à temperatura exigida para a carga.
O impacto provocado pela chama, quer por contribuição para o aquecimento em razão da alta temperatura, quer por emissão de CO2 gerado na combustão, pode e deve ser evitado recorrendo-se a fontes naturais e a escolhas criteriosas que considerem a compatibilidade exergética entre fonte e carga.
A adoção do critério de hierarquia da qualidade otimiza o emprego de fontes renováveis não emitentes e reduz o custo de implementação dos processos. Coletores solares planos propiciam aquecimento de água até 70°C (q = 0,15) com boa eficiência e baixo custo inicial,já painéis solares fotovoltaicos propiciamobtenção de energia elétrica – a forma de energia de melhor qualidade (q = 1,00), ensejando suprimento acargas com essa exigência, por exemplo,máquinas de refrigeração por compressão mecânica, as quais têm como finalidade proceder resfriamento de ambientes e/ou processos de produção, e que fornecem, como subproduto, aquecimento a baixas temperaturas, de qualidade suficiente para aquecer piscinas e como preaquecimento para exigências de temperaturas mais altas como, por exemplo, sistemas de água quente sanitária predial, antecedendo bomba de calor acionada por eletricidade fotovoltaica, com COP 4 ou maior, para atender cargas com exigência de qualidade a partir de 0,08.
Como é de conhecimento, a fonte solar,de qualidade0,95 ao nível do topo da atmosfera(transforma 0,05 em entropia no percurso Sol–Terra) disponibiliza,em apenas 45 minutos,uma enorme quantidade de energia, equivalente ao consumo anual total do planeta.Restam como limitações a variabilidade e a intermitência.
Contraposição a variabilidade e a intermitência
O Sol só aparece durante o dia e o vento não sopra 24×7.A acumulação de energia, uma medida estruturantepara mitigar limitação das fontes renováveis de energia – a variabilidade e a intermitência, tornou-se uma das atividades econômicas mais lucrativas nos últimos anos. É preciso transferir energia abundante e limpa, do horário em que está disponível para o horário em que é necessária. A solução para se sobrepor a essas limitações é o armazenamento de energia para eliminar defasagem de perfis entre produção e consumo.
Para a climatização, refrigeração e aquecimento, a termoacumulação apresenta sensíveis vantagens – robustez, durabilidade e custo, sobre o armazenamento elétrico equivalente em baterias.
Fontes renováveis e integração energética
Energia solar
A energia solar é, pois, a principal fonte energética renovável e não emissiva para a transição, quer pela qualidade e versatilidade, quer pela abundância, quer pela confiabilidade.Cuidados especiais devem ser adotados para se contrapor a limitações específicas: edifícios altos, edifícios com grandes cargas internas e possível sombreamento provocado por outras edificações na vizinhança.
Além das vantagens já enumeradas, o reduzido peso sobre a estrutura da edificação e o baixo nível de ruido são, também, fatores favoráveis, tanto que a eletricidade fotovoltaica representa cerca de 85% da capacidade total instalada de micro e minigeração distribuídas e são abrangentes,também,a consumidores de grande porte.
Energia geotérmica
Trata-se, na maioria dos casos, de fontes de baixa exergia, ou seja, altas temperaturas de resfriamento e baixas temperaturas de aquecimento. As situações mais adequadas são representadas por edificações denominadas Geotabs, que significam sistemas constituídos por edificações termicamente ativas atendidos por fontes de geotermia para resfriamento ou para aquecimento, proporcionandoambientes climatizados em resfriamento ou aquecimento.A utilização de fontes geotérmicas considera o compromisso com a observância das leis ambientais e os aspectos legais que visam a preservação dos ecossistemas que integram os recursos energéticos geotérmicos, especialmente referentes à:
- tipo de rocha e dureza (afeta a perfuração),
- característica térmica do solo (afeta o projeto e a operação),
- situação da água subterrânea (afeta o projeto, a perfuração e a operação),
- temperatura natural do solo (afeta o projeto).
A situação geológica no local é a parte do sistema de geotermia que não pode ser alterada ou modificada.Ressaltando que as fontes geotérmicas não se resumem a volumes de água; incluem também solo, argila, pedras, areia, ou seja, massas que possam armazenar energia térmica.
Tivemos oportunidade de visitar o Edifício Solar XXI, situado no Campus do INETI (Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação) em Lisboa – Portugal.Além de processos solares térmico e fotovoltaico, a edificação dispõe de resfriamento geotérmico com ar exterior, o qual circula por dutos metálicos não isolados, enterrados no solo a 5 metros de profundidade, com propósito de proceder o resfriamento do ar em contato com o solo que envolve o duto de condução no aterro frio, antes da insuflação no ambiente.Após cerca de 2 anos já decorridos quando da visitação, foi-nos informadode que ao final da estação de verão, ainda se obtinha uma temperatura de insuflação do ar no ambiente de 18°C, o que viabiliza a climatização na estação quente.Essa visita foi objeto de publicação de case na edição correspondente a março/2007 da Revista Climatização (ver a Figura 1).
Um outro caso emblemático de projeto de edificação Geotabs é o Museu de Arte em Brengenz – Áustria, constituído por sistema de frio radiante com construção termicamente ativa, insuflação em displacement flow com tubos de condução de ar de renovação embutidos na parede externa e redes hidrônicas de frio radiante embutidas no piso e no teto.
Trata-se de edificação com 4 pavimentos com suprimento de água gelada oriunda de fonte geotérmica, dispondo de trocador de calor de placas como interface entre suprimento e utilização. A vazão de ar por pavimento resultou em 750 m³/h, substituindo projeto que o antecedeu, cuja vazão de ar totalizava 25.000 m³/h, descartado por inviabilidade de comportar as redes de dutos.
Climatização por processos naturais sazonais
Há várias formas de tirar partido de condições climáticas sazonais para reduzir a potência a ser obtida por processos artificiais, ou até anulá-la.Regiões com estações climáticas fria/seca e quente/seca, têm características especificamente opostas, mas potencialmente equivalentes para receberempreparação psicrométrica do ar a ser insuflado utilizando processos de baixa exergia,dispensando ciclo artificialmente preparado às expensas de uso de energia primária de alta qualidadeem sistema de refrigeração, substituindo-o por admissão de ar externo a baixa entalpia, seja em clima frio/seco, seja em quente/seco.
- Estação quente/seca
Está sendo muito comum,nos últimos anos, registrarem-se temperaturas externas acima dos 36°C eumidades relativas correspondentes entre 10% e 13%.Isso corresponde à entalpia46 kJ/kg,inferior à doambiente interno para 24°C e 50% UR,48 kJ/kg.
No entanto, a 24°C e 50% UR a temperatura de orvalho correspondente é 12,8°C, enquanto que, para 36°C e 10% UR, a temperatura de orvalho correspondente é 0°C, o que permite fazer pré-resfriamento sensível por free cooling até 25°C e posterior resfriamento evaporativo até 14°C, o que resultanuma umidade absoluta na insuflação de 8,3 g/kg, adequada para obter 24°C e 9,3 g/kg no ambiente, ou seja, 24°C e 50% UR (ver aFigura 2).
Com isso, o pré-resfriamento pode ser processado por água a 20°C obtida em torre de resfriamento fechada (Dry-Cooler),considerando a temperatura disponível de bulbo úmido do ar externo 17°C (approach 3°C) e com approach de 5°C nas unidades de tratamento de ar (temperatura de saída do ar 25°C para a temperatura de entrada da água 20°C). Obtêm-se, pois, 100% da energia para a climatização por processo natural – duplo processo de resfriamento,sensível + evaporativo, em cascata, evitando-se o uso de eletricidade tanto para compressão mecânica, quanto para resistências de umidificação. Utilizar-se-ia energia primária de alta qualidade em ambos os processos, enquanto o processo aplicado resultou em energia primária nula, efeito recíproco (umidificaçãoe em contrapartida resfriamento) e economia energética duplicada.
A adoção de ciclo economizador com extração do ar interno e admissão de ar externo para reposição não se deve acritério de eficiência energética – desde que as entalpias respectivas são praticamente idênticas, mas por razões de eficiência exergética, vez que o ar quente e seco possibilita utilizar alta temperatura de resfriamento (20°C), enquanto o ar de recirculação frio e úmido exigiria baixa temperatura de resfriamento (7°C). A baixa umidade absoluta do ar externo (4 g/kg) enseja a oportunidade de praticar resfriamento evaporativo (processo natural precedido de resfriamento sensível), enquanto a alta umidade do ar interno (9,3 g/kg)obrigaria a adoção de processo de desumidificação e resfriamento artificial de alta exergia (sequência 1-2 ® 2-3, ou 4-3, na Figura 2).Temperaturas externas de 25°C, ou inferiores, dispensam o pré-resfriamento sensível.
Síntese: A eficiência exergética efetiva resulta de parcimônia no uso da energia, mesmo que seja oriunda de fontes renováveis. Salienta-se, todavia, tratar-se de processo dependente da sazonalidade da estação climática, cuja duração definirá o quanto da energia será evitada com emprego de processos naturais de climatização.
- Estação fria/seca
Sempre que a entalpia do ar externo situar-se abaixo da entalpia correspondente à do ar interno (48 kJ/kg para 24°C/50% UR) serávantajoso adotar o ciclo economizador – que consiste em exaurir 100% do ar interno e compensá-lo com introdução de ar externo em vazão mássica equivalente.Para valores da temperatura de bulbo seco externa inferiores à 12,8°C (temperatura de orvalho correspondente à condição interna adotada) a climatização poderá ser obtida por processo 100% natural, eventualmente podendo vir a ser necessárioaplicar umidificação – devendo ser realizada por processo de interação entre fluxos, nunca por resistência elétrica de imersão.Configura-se, mais uma vez, procedimento de tratamento de ar totalmente natural, evitando uso de energia primária de alta qualidade em sistemas de refrigeração mecânica e/ou umidificação triviais.Quando necessário proceder calefação, utilizar calor obtido por rejeitos de processos de baixa qualidade, nunca através de eletrotermia.
Legislação e normas técnicas
A prática da geotermia é regulada por Legislação e Normas Técnicas pertinentes que consideram aspectos como higiene, ambiente, geológico e proteção a água.São elas:
- Ashrae Standards and Guidelines
- VDI 4640
- ISSO 73
- ANSI/CSA/IGSHPA Standard C448
Regiões com potencialidades para exploração de energia geotérmica devem disponibilizar mapas com localizações e informações de temperaturas da terra e da água e respectivas profundidades, constituindo-se em dados indispensáveis para determinar a viabilidade de prospecção.No Brasil a regulação cabe ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Conclusão
Tradicionalmente os edifícios recebiam suprimento de energia na forma de eletricidade (qualidade 1,00) e combustíveis (qualidade 0,90), enquanto o consumo ocorria com qualidades conforme exigidas pelas cargas, variando entre 1,00 – todos os dispositivos com energia primária elétrica, até 0,08 – água quente sanitária predial à 45°C e calefação ambiental.Incorre-se em grande destruição de exergia,de 0,90 para 0,08, com os consequentes impactos ambientais.
A partir de 2010 passou-se a cultivar uma conscientizaçãode adotar suprimento energético a partir de fontes de qualidades variadas compatíveis com as exigências das respectivas cargas, especialmente através de sistemas distritais, procedendo o arranjo das cargas em cascata hierárquica de qualidade conforme a exigência de cada uma delas, alimentando uma carga de menor exigência de qualidade (por exemplo o aquecimento de piscina) com o fluxo exergético de retorno de uma carga de maior exigência de qualidade (sistema de água quente sanitária predial).
Dessa forma racionaliza-se qualitativamente o suprimento energético com a hierarquia de exigências de qualidade do conjunto de cargas a atender.É o caminho para atingir a descarbonização e o equilíbrio ambiental entre emissões e retenções,por evitar destruição de exergia e consequente geração de entropia, contribuindo decisivamente para mitigar emissões e favorecer objetivos estabelecidos no Acordo de Paris, de limitar à 1,5°Co acréscimoda temperatura média superficial do planeta em relação à época da revolução pré-industrial europeia e, em ultrapassando, que não atinja 2°C.Com isso alcançar-se-ão edificações termicamente resilientes, exergeticamente eficientes e não emitentes eambientalmente amigáveis, preparadas para atingirem os propósitos dos conceitos NZEBe ZEB.