Para percebermos para onde caminha a substituição dos HFCs, com vistas a sistemas de baixo ou baixíssimo GWP, no contexto do Brasil, primeiramente é importante observarmos que nossa avaliação é centrada com base na nossa região, América do Sul, observada a legislação pertinente e específica, justificando as escolhas.
O movimento do mercado sinaliza, há mais de 5 anos, o caminho pela substituição dos hidrofluorcarbonetos (HFCs) em sistemas de refrigeração e climatização avançando para alternativas com baixo Potencial de Aquecimento Global (GWP), impulsionado por regulamentações ambientais e pelaEmenda de Kigali (emenda ao Protocolo de Montreal). Esse movimento segue quatro principais direções:
1)Hidrocarbonetos (HCs) como Propano (R-290) e Isobutano (R-600a), opções naturais com GWP extremamente baixos e alta eficiência energética.
As aplicações principais são em refrigeradores convencionais de pequeno porte, refrigeração comercial em projetos de chillers para glicol, e sistemas de ar-condicionado de pequeno porte ou grande porte por refrigeração indireta de água.
Desafios: sua inflamabilidade exige cuidados extras no projeto e na manutenção dos sistemas.
2) Dióxido de Carbono (CO₂ – R-744), de GWP = 1, sendo uma alternativa sustentável. Sua principal vantagem é a alta densidade, o que reduz significativamente o tamanho de componentes, diâmetro de tubulações e vazão volumétrica dos compressores.
As aplicações principais são em supermercados, transporte refrigerado e sistemas industriais.
Desafios: alta pressão de operação exige componentes mais robustos e eficientes, além da capacitação técnica específica.
3) Misturas HFC+HFOs (Hidrofluorolefinas) ou HFOs puros, como R-1234yf e R-1234ze, de GWP significativamente menor que os HFCs tradicionais.
As aplicações principais são em automotivas, sistemas comerciais e chillers.
Desafios: avaliação do risco de flamabilidade por características de projetos. Algumas misturas ainda apresentam inflamabilidade moderada e custo elevado.
4) Sistemas de Amônia (R-717), solução ideal para os centros de distribuição dos supermercados, quando aplicada em conjunto com CO2 e Glicol, por apresentar nessa configuração (cascata) a melhor eficiência energética aliada ao menor custo de manutenção.
Características, vantagens e limitações
A Amônia apresenta GWP ≈ 0 e é largamente aplicada em projetos de refrigeração industrial e grandes instalações há mais de um século.
Desafios: toxicidade, o que requer medidas rigorosas de segurança e capacitação técnica específica. Limitação de uso por regulamentações e normas especificas regionais.
Os HFOs puros não são recomendados por serem fluidos desenvolvidos especialmente para médias e altas temperaturas de evaporação.Misturados com HFCs apresentam melhor performance que o R-404A, além de menor GWP, apresentando, portanto, vantagens operacionais. Sistema mecânico convencional e passível de retrofit ao existente.
O CO2é de baixo custo do fluido, GWP:1, ótimo desempenho, maior complexidade, exigindo maior conhecimento técnico e maior investimento por kW. Impossível retrofit ao sistema existente convencional, sistema 100% novo. Já existem compressores fabricados no Brasil.
Os hidrocarbonetos são de baixíssimo GWP, excelente rendimento e eficiência energética, sistemas simples e chillers para resfriamento de glicol, porém, inflamáveis, o que requer capacitação técnica específica e adequação de componentes de segurança ao equipamento. Já existem compressores fabricados no Brasil.
Sistemas CO2transcríticos e sub-críticos
Os sistemas CO2 transcríticos são aqueles de fluido único, o CO2, configuração mecânica em booster, ou seja, a descarga dos compressores de congelados é direcionada para a sucção dos compressores de resfriados. Alta pressão, que pode chegar a até 1300 psig na descarga dos compressores MT. Maior complexidade e custo de componentes e do próprio sistema, o que estica o prazo do pay-back do investimento. Sua manutenção requer alta especialidade técnica. Excelente performance em estações do ano sob temperaturas amenas. Fluido de baixo custo.
Os sistemas CO2 subcríticos são em cascata, o que requer um segundo fluido para condensar o CO2, que pode ser o glicol, o que requer outro fluido também para resfriá-lo. Pressão máxima de operação de 630 psig para o CO2. Média complexidade e de custo de componentes. Sua manutenção requer especialidade técnica. Possui boa performance ao longo de todo ano.
O CO2 é um fluido de baixo custo. Sistemas em cascata, preferencialmente, devem utilizar também fluido natural para a condensação do CO2 (Exemplo R-290 Propano ou NH3 Amônia) para que a solução seja 100% natural. No Brasil é muito comum a aplicação do CO2 para congelados, resfriado (condensado) por glicol, que por sua vez é resfriado por R-134a ou R-290.Sua eficiência energética é similar à deum sistema usando R-404A, considerando a cascata como um todo.
Há, também, os sistemas modulares, que permitem o controle independente de diferentes zonas de refrigeração.São soluções que, por um lado, entregam mais simplicidade, porém, o conjunto das máquinas mostra-se apresentando maior consumo energético em comparação com sistemas centralizados.
Tecnologia aplicadas
Compressores semi-herméticos a pistão ainda são os mais robustos e que podem, de maneira geral, serem aplicados com quaisquer fluidos refrigerantes, desde que utilizando o óleo correto. Esses compressores acompanharam as tecnologias de controle de capacidade existentes por bloqueio de sucção via cabeçote ou uso de variador de frequência, além de ter a vantagem de poderem ser remanufaturados após ocorrência de danos mecânicos ou elétricos. Entendemos que esse tipo de compressor seja o mais adequado para as aplicações críticas comerciais, como é o caso de supermercados.
As principais tecnologias aplicadas às unidades condensadoras têm sido a de compressores com variação de capacidade, ventiladores dos condensadorestgambém com velocidade variável, sistemas de monitoramento com conexão para supervisório remoto, separadores de óleo de alta performance. No caso de unidades condensadoras com compressores scroll, temos a tecnologia de injeção de líquido na descarga, possibilitando sua operação em baixas temperaturas, bem como injeção de vapor com sub-resfriamento mecânico (economizer), trazendo, além disso, melhor eficiência energética. A tendência predominante para o futuro das unidades condensadoras é a utilização de compressores com fluxo de fluido refrigerante variável e aplicação de fluidos de baixo GWP. Percebemos,também,uma tendência para crescimento na aplicação de unidades condensadoras carenadas.
Em relação aos evaporadores de ar, os principais avanços têm sido os ventiladores de velocidade variável, degelos inteligentes com tempo reduzido e aplicação de degelo a gás quente com válvulas a pistão motorizado reguladoras de pressão. No caso de evaporadores feitos sob encomenda, a aplicação de aletas alternadas de menor comprimento permite um espaçamento maior entre aletas nas regiões de maior tendência a formação de gelo, reduzindo assim o bloqueio por gelo.
Os principais avanços em câmaras frias são na direção da consagração dos painéis termoisolantes em material PIR anti-chamas, nos evaporadores de altodesempenho e nas unidades condensadores com compressores semi-herméticos a pistão aplicados com fluidos de baixo GWP e controle de vazão variável de fluido refrigerante. Aliados a isso, os sistemas de automação e monitoramento remoto, alguns inclusive utilizando Inteligência Artificial para solucionar problemas críticos e otimizar a manutenção.
A automação e a IoT contribuem pela inteligência embarcada na busca da aplicação em melhor performance de acordo com as condições internas da câmara e externas de temperatura ambiente, o que faz com que a máquina de refrigeração gaste exatamente a energia necessária para a retirada da exata carga térmica sob cada momento de funcionamento. Além disso, a IoT reduz significativamente os custos de manutenção através do uso de seus algoritmos de análise para a manutenção preditiva de excelência e rapidez na solução. A automação e a IoT permitem o diálogo assertivo entre o mantenedor e o equipamento.
Estratégias de eficiência e energias renováveis
O aproveitamento de calor dissipado pelo sistema de refrigeração para o aquecimento de água em supermercados já é implementadohá alguns anos, utilizando o calor proveniente do fluxo de fluido na descarga dos compressores para seu reaproveitamento no aquecimento para uso sanitário, limpeza geral ou processos. A implementação é simples, basta utilizar trocador de calor na linha de descarga dos compressores.
Em relação à utilização de fontes de energia renovável nos sistemas de refrigeração, existem casos de implementação de painéis de energia solar sobre os tetos de supermercados, por exemplo, e a energia produzida contribui significativamente para a redução da fatia de energia gasta pelas máquinas de refrigeração do estabelecimento.
Por fim, alertamos que é de fundamental importância o treinamento e preparo técnico dos refrigeristas que atuam nos sistemas de refrigeração dos supermercados. Fluidos refrigerantes inflamáveis, inovações tecnológicas, redes de comunicação e processamento em nuvem, entre outras das tendências mencionadas, exigem conhecimento específico e adequado. Sem isso, teremos um aumento nos problemas e incidentes em campo, pressionando em direção contrária aos benefícios trazidos pelas mudanças. Sendo assim, há também uma clara tendência por uma maior necessidade de preparação, conhecimento e formação técnica multidisciplinar para os profissionais que já atuam ou virão a atuar na área.
- Luiz Villaça Engenharia de aplicação da RAC Brasil
- Marcos Euzébio Gerente de Engenharia de Aplicação da Bitzer do Brasil