O sistema de climatização foi baseado em um conceito de barrar a poluição do ar externo por meio de sistemas de filtragem, resfriamento e distribuição desse ar para um grande número de pessoas. A conservação da energia se dá pela recirculação do ar, já parcialmente resfriado. Este conceito se torna inválido em uma situação onde o contaminante é interno. Na pandemia, a recirculação de ar é arriscada. Para se entender melhor a importância do sistema de ventilação é preciso entender que a maioria das partículas virais com potencial infectante medem menos de 1 micrometro de diâmetro.(1) Isso faz que elas fiquem em suspensão por horas, se difundam nos ambientes contíguos e sejam levadas pelo sistema de ventilação junto com o ar de retorno.
A recomendação preconizada pelo CDC americano em situações de transmissão aérea de agentes contaminantes é de 12 trocas de ar por hora. (2) O cuidado com o sistema de ventilação me parece ser das medidas mais importantes no controle da pandemia. Cito um estudo que, usando a modelagem espacial, demonstrou em um condomínio em Hong Kong, onde a exaustão do sistema de ventilação de um prédio era próxima a captação do ar de outros 6 prédios, levou a uma situação em que um doente usando o banheiro, contaminou mais de 300 pessoas pela aerossolização. (3)
Os ambientes hospitalares são os locais mais sensíveis. Neles estão os profissionais de saúde que, se ficarem doentes, leva ao colapso do sistema de saúde, com a disparada da mortalidade.
Só para se ter uma ideia da importância, cito um artigo publicado em importante revista médica, em 2004, que relata que 1 doente com outro tipo de corona vírus (SARS), internado na enfermaria de um hospital em Hong Kong, infectou 138 pessoas, na sua maioria profissionais da saúde. A modelagem espacial identificou o sistema de ventilação desbalanceado como o responsável pela disseminação. (4)
Em recente artigo americano onde foram realizadas amostras de superfície em hospital com pacientes infectados, a maior concentração de vírus recuperada foi justamente na grade do sistema de ventilação. (5) Isso demonstra claramente o potencial papel disseminador do sistema de ventilação em ambientes contaminados.
Conforme orientação do CDC, a exaustão do ar de renovação em áreas de UTI e isolamento, exige pressão negativa e 12 renovações do ar por hora, sem retorno do ar. É preciso que os ambientes hospitalares tenham cascatas de pressão, não permitindo que o patógeno caminhe das áreas contaminadas para as áreas adjacentes, e que o descarte do ar passe por filtragem capaz de eliminar os contaminantes virais.
É vital, neste momento, a conscientização da comunidade do AVAC. Problemas críticos necessitam soluções críticas. Na China, e mesmo aqui, os sistemas de condicionamento de ar têm sido desligados para mitigar este problema. Alguns conceitos básicos precisam ser repensados. Ambientes de saúde não deveriam ter sistemas de ar sem grande renovação. Técnicas de ventilação mista com uso arquitetônico de sistemas de captação da ventilação natural para aumentar a renovação são necessárias. É hora de pensar fora da caixa, ou em outras caixas.
Da mesma forma, os sistemas de filtragem, com o objetivo de minimizar a proliferação do SARS-CoV-2, teriam que atender duas faixas de partículas: uma de 0,25 a 0,5 micrometros e outra acima de 2,5 micrometros. (1) Eu diria que um sistema de filtragem capaz de segurar mais de 90% de partículas abaixo de 1 micrometro é inviável devido ao custo de implantação, consumo de energia e necessidade de manutenção. Em unidades assistenciais de saúde, os filtros usados precisam ser manipulados como material infectante para serem desativados ou ficarem em locais lacrados por mais de 72 horas antes do descarte.
Assim, para reduzir os efeitos da contaminação cruzada, em sistemas hospitalares é necessária a renovação elevada do ar e níveis de pressão positiva e negativa para evitar que o patógeno contamine as demais áreas do hospital; em sistemas de uso comunitário, pode-se pensar em sistemas de filtragem ou outras medidas viricidas para diminuir o consumo de energia decorrente da ventilação, mas esses dispositivos ainda carecem de validação para a situação atual. Nesse momento eu recomendaria o uso de máscaras em todos os locais com sistemas de ventilação para uso comunitário.
Há que se observar que, apesar de o vírus se manter em algumas superfícies por 72 horas, a meia vida dele cai após 6 horas, tornando-o menos infectante. Se não houver aerossolização das superfícies, o risco da disseminação é pouco significativo.
Gustavo Graundenz,
MD, PhD – Alergia e Imunologia e Saúde Ambiental
Referências:
LIU, Yuan et al. Aerodynamic Characteristics and RNA Concentration of SARS-CoV-2 Aerosol in Wuhan Hospitals during COVID-19 Outbreak. bioRxiv, 2020.
Chinn, R. Y., & Sehulster, L. (2003). Guidelines for environmental infection control in health-care facilities; recommendations of CDC and Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee (HICPAC).
McKinney, K. R., Gong, Y. Y., & Lewis, T. G. (2006). Environmental transmission of SARS at Amoy Gardens. Journal of environmental health, 68(9), 26.
Lee, N., Hui, D., Wu, A., Chan, P., Cameron, P., Joynt, G. M., … & Lui, S. F. (2003). A major outbreak of severe acute respiratory syndrome in Hong Kong. New England Journal of Medicine, 348(20), 1986-1994.
Santarpia, Joshua L., et al. “Transmission Potential of SARS-CoV-2 in Viral Shedding Observed at the University of Nebraska
Veja também:
Limites e especificações dos sistemas de filtração
Renovação total do ar é a principal recomendação das várias entidades
Tecnologias para desinfecção de unidades assistenciais de saúde
Contribuições do AVAC-R para tempos de pandemia