Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, é conhecida pelo seu rigor climático. A sensação térmica de calor é agravada pela baixa velocidade do vento – a cidade localiza-se em uma depressão, entre a Chapada dos Guimarães e a Serra das Araras, denominada Baixada Cuiabana –, e ampliada pelo intenso processo de urbanização – substituição de áreas verdes por construídas e pavimentadas.

Nesse contexto urbano foi construído o edifício do Centro SEBRAE de Sustentabilidade – CSS(1). Com características singulares, inspira-se na habitação vernacular da aldeia indígena Yawalapiti. Este partido arquitetônico, com forma ogival de cobertura, visava, em sua concepção, menor consumo de energia para condicionamento térmico artificial e para iluminação, dentre outros.

Mas qual o diferencial do prédio do CSS em relação aos demais? Destacam-se aqui algumas características relevantes, que interagem com uma gestão de eficiência energética, uso de água e geração de resíduos implementada e atuante:

– O prédio possui dois blocos, um seco e outro de sanitários, interligados por uma passarela. No bloco seco há um salão de trabalho panorâmico no nível da rua e um auditório no pavimento subsolo (semienterrado). O bloco de sanitários atende cada um desses pavimentos (Figura 1). Fez-se uso do paisagismo como estratégia de projeto, utilizando espécies nativas para sombrear o edifício e criar um microclima mais ameno no seu entorno. Além disso, há pouca diversidade de materiais construtivos, pois, 95% dos materiais do edifício, em peso, são concreto e alvenaria, o que lhe confere baixíssima necessidade e custo com manutenção predial, minimização de erros durante a construção, poucos fornecedores envolvidos e simplicidade ao conjunto arquitetônico.

Figura 1 – Vista aérea do CSS (Fonte: Acervo do SEBRAE)

– Integração panorâmica do interior com o exterior por meio de fachadas 100% envidraçadas e protegidas da radiação solar, que permitem que o edifício funcione somente com luz natural, o que promove melhores condições de saúde e bem-estar dos colaboradores (Figura 2). Ainda existe iluminação zenital difusa por meio de seis captadores de luz na cumeeira equilibrando a luz natural proveniente das fachadas laterais no centro do ambiente com 11m de largura.

Figura 2 – Salão de trabalho do pavimento térreo,em conceito panorâmico para que todos possam compartilhar do conhecimento gerado no local Interior do edifício e seus fechamentos verticais 100% em vidro, com abundância de luz natural sem incidência de radiação solar direta. (Fonte: Acervo do SEBRAE))

O primeiro reconhecimento dessa proposta inovadora veio em 2013, quando o projeto e a edificação construída foram submetidos à certificação de eficiência energética PROCEL e obtiveram nível A, o primeiro selo em Mato Grosso.

Em 2016, a avaliação da adequação do edifício ao clima e as práticas de gestão e uso implementadas permitiram a certificação em nível “Excelent” pelo selo BREEAM In Use International (2), o que significa que seu desempenho é melhor que 85% dos edifícios destinados à mesma finalidade e zona bioclimática. O BREAAM é a mais antiga das certificações de edifícios e serviu de base para todas as que surgiram posteriormente, tais como o LEED – Leadership in Energy and Environmental Design e o AQUA – Alta Qualidade Ambiental, dentre outras. Seu processo é baseado em comprovação de evidências de três partes: Part 1 – Asset Performance (Desempenho da construção), Part 2 – Building Management (Desempenho do edifício em uso) e Part 3 – Occupier Management (Desempenho da gestão ambiental e engajamento dos usuários). O esquema de classificação compõe-se de 57 macro questões abrangendo nove categorias ambientais, mais uma chamada Inovação (3). Pelo rigor de avaliação e a solidez do método BREEAM, baseado em evidências, confirmaram-se as premissas do projeto que geraram o ambiente singular do edifício.

Na sequência de suas certificações, em agosto de 2017, foi atribuído ao edifício o certificado de GBC Brasil Zero Energy pelo Green Building Council Brasil, decorrente do parque de geração fotovoltaica inaugurado em 2016, instalado no estacionamento anexo (Figura 3). Essa condição não pôde mais ser atendida desde o ano de 2018, devido ao aumento da demanda energética decorrente do aumento do número de visitações recebidas – são mais de 15000 visitações por ano – e o aumento na oferta de capacitações presenciais no prédio. A expectativa é de que as visitações se ampliem para 22000 visitantes/ano até 2025, o que aumenta ainda mais a demanda por energia no prédio.

Figura 3 – Usina fotovoltaica do CSS – (Fonte: Acervo do SEBRAE-MT)

Movendo-se o olhar para os aspectos de conforto térmico, foco deste artigo, deve-se destacar o papel da cobertura no projeto. São duas cascas de concreto, com o vão entre elas ocupado por uma câmara de ar e uma camada de placas de polietileno expandido (isopor), desempenhando duas funções. A primeira é de coletar a água da chuva que incide sobre a edificação, que escorre até uma viga calha, coletada pelo sistema de captação e conduzida ao reservatório, sendo utilizada para descarga nas bacias sanitárias, irrigação e limpeza, permitindo economia no consumo de água potável fornecida pela concessionária de até 78% (4) (Figura 4).

Figura 4 – Corte esquemático do projeto do prédio mostrando a casca dupla e o sistema de captação e água de chuva entre elas (Fonte: Acervo do SEBRAE-MT)

A segunda é de impedir que o fluxo de calor seja transmitido ao interior do prédio, o que já foi verificado por meio de medições da temperatura externa e interna da casca, tendo sido obtida uma diferença de cerca 10˚C entre elas (Figura 5). O conjunto de dupla casca pintada de branco pela face externa absorve pouca radiação solar e oferece elevada inércia térmica, mantendo a temperatura interna sem muitas variações.

Face exposta ao sol da casca superior

Face interna da casca interior

Figura 5 – Temperatura superficial externa (42,2°C) e interna (32,4°C) da casca, evidenciando 9,8°C de amplitude térmica (Fonte: Acervo do SEBRAE-MT)

Como consequência dessas estratégias de projeto, o ambiente térmico no interior do edifício é ameno, chegando a dispensar o uso do condicionamento artificial do ar em alguns dias do ano. No entanto, a equipe de gestão sustentável tem os sistemas de ar-condicionado como um de seus alvos de melhoria, com base nos resultados de monitoramento das condições de temperatura no Salão Principal e no Auditório, apresentados a seguir.

Figura 6 – Sistemas de condicionamento de ar e dutos aparentes (Fonte: Acervo do SEBRAE-MT).

O sistema do Salão de trabalho é do tipo Multi Split, com Volume de Refrigerante Variável (VRV), no qual uma condensadora atende seis evaporadoras interligadas por dutos ogivais aparentes (Figura 6a). O sistema do Auditório possui duas unidades centrais para climatização do ambiente, constituído por duas evaporadoras e duas condensadoras do modelo Splitão, também com dutos aparentes (Figura 6b).

Salão de trabalho e auditório

Em um dia sem ocupação do prédio e com ar-condicionado desligado, a amplitude térmica externa é de 11,94°C e a interna é de 4,88°C, com atraso e amortecimento térmicos de 1h e mais de 4°C, respectivamente (Figura 7a). Esse isolamento é atribuído à cobertura e ao sombreamento dos vidros.

A Figura 7b apresenta o monitoramento do Auditório, onde a amplitude térmica foi de apenas 1,18°C. Atribui-se esse potencial de isolamento do Auditório ao fato de não ter aberturas, encontrar-se no Subsolo, parcialmente em contato com o solo e não receber radiação solar direta.

Sobre o ambiente térmico do Salão, os colaboradores têm autonomia para controlar a temperatura, pois acessam o controle manual do sistema e regulam cada uma das seis evaporadoras independentemente. Os ocupantes definem condições de controle em comum acordo, evitando ajustes fora dos limites de 22°C a 26°C, de forma a atender à maioria dos ocupantes. O traje exigido para o trabalho não é rígido, aumentando as possibilidades de obtenção de satisfação com o ambiente térmico. Nos meses do ano de temperatura mais amena, verifica-se que, durante algumas horas do início e final do dia, os ocupantes mantêm as janelas abertas e sem ar-condicionado. Além disso, os ocupantes controlam os brises, o que é feito conforme a época do ano, quando percebem que a radiação solar começa a incidir em determinado local do ambiente, onde antes não incidia. Essa percepção estreita o vínculo dos ocupantes com o lugar e sua sazonalidade, sendo essa relação valorizada pela instituição.

Com o condicionamento de ar em funcionamento, foram realizadas análises utilizando a Temperatura Efetiva (Tef) com base nas diretrizes fornecidas pela da NR17(5) e pelo Voto Médio Previsto(6).

a)Salão principal, NR17 como referência

b) Salão principal, Voto Médio Previsto (VMP) como referência

c) Auditório, NR17 como referência

d) Auditório, Voto Médio Previsto (VMP) como referência

No Salão Principal, Figura 8a, a Tef permanece dentro da faixa de 20 a 23°C durante o período do expediente, destacado em cinza e com o desligamento do condicionamento de ar, a Tef eleva-se para limites acima de 23°C, inclusive no intervalo para almoço. O valor do Voto Médio Previsto (VMP), na Figura 8b, tende a se manter entre 0 e +0,5, conforme o ar-condicionado é acionado, dentro do intervalo de conforto de -0,5 e +0,5, preconizado pelo Método de Fanger. Em nenhum momento do expediente verifica-se desconforto por frio, evidenciando que o sistema de condicionamento térmico opera de forma adequada.

No Auditório, Figura 8c, a Temperatura Efetiva apresenta valores inferiores a 20°C e, portanto, com condições de desconforto térmico por frio. Com o desligamento do ar-condicionado, a Tef eleva-se para limites acima de 23°C. O PMV (Figura 8d) tende a se manter sempre negativo, sendo de -0,5 no período da manhã e -0,6 no período da tarde, com desconforto por frio em 25% das horas de ocupação, evidenciando que o sistema de condicionamento térmico não opera de forma adequada. Considerando que o ambiente acomoda um público de até 100 pessoas, não há como operacionalizar controle individual de temperatura e a implementação de ações de gestão sobre o ambiente térmico encontra dificuldades, pois o comando é fora do Auditório, na Casa de Máquinas e, ainda, existe a subjetividade da sensação de cada ocupante e suas diferentes posições em relação às saídas de ar.

Sobre o sistema do Auditório acima descrito, pesa a questão de possuir eficiência energética nível “D” segundo o PROCEL. Já sobre o sistema do Salão pesa a questão do desconforto acústico, que tem origem nas próprias características do ambiente que potencializam a reverberação sonora no seu interior: forma ogival, grande volume (o pé direito na cumeeira é de 6,50m) e superfícies fonorreflexivas em concreto aparente e vidro. O fato de as unidades evaporadoras terem sido locadas dentro do Salão eleva o ruído de fundo, não obstante a existência de coxins para acomodação das máquinas e isolamento sonoro no interior de suas caixas de retorno. A operação plena das seis unidades evaporadoras produz ruído máximo de 65,8dB(A), apresentando 6dB(A) a mais que o resultante das evaporadoras desligadas (Figura 9), sendo 65dB(A) o limite normativo para exposição de 8h diários estabelecido pela NR 17(7).

Figura 9 – Ambiente acústico no Salão (Fonte: Acervo do SEBRAE)

Essas questões diretamente relacionadas aos sistemas de condicionamento de ar e a insuficiência de geração para manter o prédio como NZEB citada anteriormente, levaram a gestão do CSS a elaborar proposta de intervenção, ainda não implementada, abrangendo:

– Substituição parcial do sistema de condicionamento do Auditório: as duas máquinas do Auditório de 7,5TR, Splitão, de COP 2,95, serão trocadas por duas máquinas de 7,5 TR, classificação “A”, tecnologia VRF, sistema de automação e COP de 5,5, aproveitando a rede de dutos existente;

– Substituição total do sistema de condicionamento do Salão: o conjunto de 39 TR e tecnologia VRF, com seis evaporadoras de 6,5 TR, duas unidades condensadoras, sistema de automação e COP de 3,35 será trocado por conjunto de 30 TR, tecnologia VRF, com três evaporadoras, sistema de automação e COP de 6,48, ambas de classificação de eficiência energética A.

– Substituição total da usina fotovoltaica: o conjunto com área de 289,53m2 de Painéis de 255Wp, com potência nominal máxima c.a. de 45 kW (sistema BIPV) e eficiência 15,85% será substituído e ampliado para área de 468,3m², painéis de 420Wp, com potência nominal máxima 72 kW e eficiência de 19,01%, sendo ambos com módulos de silício cristalino (c-Si), do tipo policristalino, vida útil de 25 anos e perda de potência máxima de 20%.

Essas medidas visam manter a atuação do CSS como um laboratório de práticas de construções sustentáveis, refletindo as expectativas postas no momento da concepção de seu projeto: “Ser um ambiente inovador, destinado a captar, gerar e irradiar conhecimento para conectar e alinhar o empreendedorismo com a sustentabilidade da vida(8)”.

Implementadas essas propostas, o edifício mantém sua classificação de eficiência energética “A”(9), com um percentual de redução da emissão de CO2 de 110%, o que significa dizer que ao converter seu consumo de energia elétrica em energia primária, tem superávit energético de 110%. Por esse método, sempre que a geração de energia elétrica for superior ao consumo, a etiqueta geral alcançará o nível de eficiência energética “A”. Destaca-se que a etiqueta PROCEL se restringe à eficiência energética e não à sustentabilidade de edificações, sendo que para este último fim, existem outras certificações mais adequadas, já citadas anteriormente.

Isso conduz a um aprofundamento da reflexão acerca das edificações sustentáveis: Ao comparar duas edificações que atendam a requisitos mínimos de adequação dos materiais ao clima, ambas autossuficientes energeticamente, quão mais sustentável é uma em relação à outra?

Sabe-se que no consumo total de energia elétrica das edificações residenciais, comerciais e institucionais(10), o condicionamento de ar é o responsável pelo maior consumo e este, por sua vez, tem relação direta com os materiais da envoltória, com a forma do edifício e as estratégias de projeto, ou seja, materiais iguais podem ser aplicados a projetos de conceitos e partidos arquitetônicos diferentes, resultando em ambientes térmicos e comportamentos de consumo energético muito diferenciados.

A resposta se dá através da importância de um bom projeto, tanto de arquitetura quanto do sistema de condicionamento de ar, um refletindo no outro as potencialidades e suprindo as fragilidades, utilizando a produção de energia em uma relação linear com a demanda para seu funcionamento, após explorados profundamente os potenciais de redução oriundos da i) adequação dos materiais de construção e estratégias ao clima e ii) das medidas de eficientização no uso ao alcance da gestão do edifício.

O CSS continua servindo como um bom exemplo a essa resposta!

Luciane C. Durante
Ivan Júlio Apolônio Callejas
Laboratório de Tecnologia e Conforto Ambiental
Universidade Federal de Mato Grosso

Alberto Hernandez Neto
Grupo de Pesquisa em Refrigeração e Ar-Condicionado
Escola Politécnica – USP

Notas

  • Projeto do Arquiteto e Urbanista José Afonso Botura Portocarrero, as obras iniciaram em 2008 e foram concluídas em 2010
  • BREEAM In-Use International. Technical Manual. SD221 – 1.0:2015. March 2015
  • BUILDING RESEARCH ESTABLISHMENT (BRE). BREAAM International New Construtction:Technical Manual. Reino Unido, 2016. Disponível em: <https://www.breeam.com/discover/technical-standards/newconstruction/>. Acesso em: 10 mar. 2019.
  • Dados da gestão do CSS.
  • Portaria n° 3214, de 08 de junho de 1978: Aprova as normas regulamentadoras que consolidam as leis do trabalho, relativas à segurança e medicina do trabalho. Norma Regulamentadora nº 17 (NR 17): Ergonomia. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 1978.
  • INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. Moderate thermal environments -determination of the PMV and PPD indices and specification of the conditions for the thermal comfort: ISO 7730. Switzerland, 1984.
  • Portaria n° 3214, de 08 de junho de 1978: Aprova as normas regulamentadoras que consolidam as leis do trabalho, relativas à segurança e medicina do trabalho. Norma Regulamentadora nº 17 (NR 17): Ergonomia. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 1978.
  • Briefing do projeto datado de 2008.
  • Segundo o Aperfeiçoamento do Regulamento Técnico da Qualidade para a Classe de Eficiência Energética de Edifícios Comerciais, de Serviços e Públicos – INI-C, na Instrução Normativa do INMETRO para Edificações Comerciais, de Serviços e Públicas (INI-C). Disponível em: https://www2.inmetro.gov.br/pbe/parceiros.php
  • Excetuam-se as indústrias, onde o parque fabril é o maior consumidor, na maioria das situações.

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