O planeta Terra, como o conhecemos, nunca esteve tão próximo da destruição. Já lá se vão mais de 50 anos desde a primeira reunião do Clube de Roma que alertava para os riscos da exploração desenfreada dos recursos naturais. Sem contar a percepção esboçada por pensadores das mais variadas correntes que, desde o final do século XVIII, duvidavam da capacidade da natureza repor os insumos que lhe são subtraídos.

A cada ano o fim parece mais próximo. No dia 29 de julho do ano passado, por exemplo, a Global Footprint Network, organização internacional pioneira em calcular a pegada ecológica, total de recursos que os indivíduos podem utilizar sem risco ao meio ambiente, anunciava que o Planeta entrava no vermelho. Ou seja, a partir daquele ponto era como se assinássemos uma duplicata ambiental.

Ainda segundo a Global Footprint Network 60% da pegada ecológica da humanidade é causada pela emissão de carbono. E, suprema ironia, em 2020, o Dia da Sobrecarga da Terra foi adiado em 23 dias devido a uma pandemia que já ceifou cerca de um milhão de vidas. Ela, também, causa direta da intervenção mal planejada e inconsequente do homem sobre a natureza.

Vai daí, que não fica difícil pensar que a forma como utilizamos a energia que nos é oferecida precisa mudar. O contrário é raciocinar como alguns cínicos que veem nas pandemias a solução, não só ambiental, como social.

É imperativo que passemos a racionalizar o uso da energia, além do desenvolvimento de fontes naturais. No que toca aos sistemas de AVAC-R, uma das principais saídas preconizadas é a cogeração, quando são geradas duas ou mais formas de energia a partir de uma mesma fonte primária.

Cogeração a partir de combustíveis fósseis ou biomassa

“Quando a produção de energia tiver como fonte a queima de combustíveis, em que cerca de 60% a 70% da energia é transformada em calor, e apenas 30% a 40% é transformada em energia mecânica a ser transformada em energia elétrica. Como já existirá a geração de calor oriunda do processo de queima do combustível para a geração de energia, utilizar este calor é vantajoso do ponto de vista ambiental. Já a combinação de geração de energia (elétrica) com produção de água gelada e água quente não se aplica quando tivermos como fonte da energia elétrica a energia potencial hidráulica (hidroeletricidade), ou energia eólica por exemplo. No caso da energia solar, a combinação de geração de energia elétrica (fotovoltaica) com produção de água quente pode também sim ser vantajosa, existem placas fotovoltaicas combinadas com placas de aquecimento solar em que a água que circula nestas placas e que será aquecida ajuda a diminuir a temperatura da células fotovoltaicas e com isto até aumentar sua eficiência”, opina Marcos Santamaria Alves Corrêa, da Indústrias Tosi.

“A geração combinada de utilidades, seja água gelada, quente ou energia elétrica é muito importante do ponto de vista ambiental. Imagine todo o calor que é rejeitado em um chiller com condensação a ar, que eleva o consumo de energia deste tipo de equipamento; ou o calor rejeitado nas torres de resfriamento, que se transforma em água evaporada. Se todo este calor puder, de alguma forma, ser transformado em energia térmica, por exemplo, será de grande valia para a preservação de recursos naturais. Ao se combinar ainda com a geração de energia elétrica, podemos considerar que encontramos uma geração sustentável de utilidades”, completa Cristiano Brasil, da Midea Carrier.

Há inúmeros argumentos desencorajadores para a utilização do processo. Entretanto, como diz Eduardo Luis de Souza, diretor presidente da Dunham Bush Brasil, sempre é possível buscar espaços. “Para utilização na área industrial, a geração combinada pode apresentar vantagens em alguns segmentos, que a torna sustentável, como usinas de álcool e siderúrgicas, pois, a obtenção de água quente e fria, vapor e eletricidade com emprego de combustível proveniente de rejeitos da fabricação, a cogeração, apresenta a grande vantagem de reduzir o consumo de energia primária. Em áreas comerciais, além da cogeração apresentar atrativos termodinâmicos, seu emprego em edifícios comerciais como hotéis, escritórios ou shopping centers pode não ser rentável economicamente, pois, a longo prazo os riscos de preços de combustíveis, taxas e impostos, podem inviabilizar a utilização nestes locais, bem como custos adicionais de unidades de back-up, além de barulho e poluição local.”

Souza oferece alternativas. “Os grandes centros brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, poderiam se beneficiar da trigeração (única fonte de combustível é convertida em três tipos de energia: eletricidade, vapor ou água quente e frio). Porém não possuímos infraestrutura para implantar os DHC (District Heating/Cooling) largamente utilizados no Japão, EUA e Europa, podendo ser empregado como combustível o gás natural ou incineração de resíduos, como lixo municipal, que, associado a um controle adequado de emissões poluentes, constituem uma melhor solução ambiental do que a simples deposição de lixo em aterros.  É particularmente adequado para grandes áreas urbanas com elevada densidade de escritórios e serviços e áreas residenciais onde a necessidade de ar-condicionado é elevada. Porém a implantação da infraestrutura para este sistema em nossos grandes centros torna-se economicamente inviável. Para ter uma ideia, o primeiro District Heating, pertencente à cidade de Lockport, NY, USA, foi implantado em 1877.”

Sem dúvidas, aqui também se aplica a máxima de que cada caso é um caso. “Qualquer aplicação deve ser analisada do ponto de vista técnico-econômico-ambiental, sem exceção. A geração combinada de energia elétrica e energia térmica pode ser desfavorável quando analisamos do ponto de vista do consumo de água de reposição em chillers de absorção, por exemplo, em regiões onde há pouca disponibilidade de água ou que seu custo seja muito elevado. Por outro lado, se existe um equilíbrio de custos, a sustentabilidade se mostra presente. Redução da tarifa de geração e distribuição de energia elétrica, auto suficiência e redundância de fonte de energia elétrica estão entre os fatores favoráveis para a geração combinada”, alerta Brasil.

De qualquer maneira, segundo o professor doutor Alberto Hernandez Neto, do departamento de engenharia mecância da Escola Politécnica da USP, “a combinação de geração de energia, água gelada e água quente (chamada trigeração) será vantajoso do ponto de vista ambiental se o projeto for otimizado para este fim. A combinação de produção de diferentes energias reduz significativamente o impacto ambiental. A trigeração tem uma grande viabilidade econômica apesar dos constantes aumentos na tarifação do gás e da energia, pois, pode-se otimizar os diversos insumos de forma a obter uma condição de maior eficiência e menores custos. A cogeração será viável desde que haja um balanceamento entre a demanda de energia elétrica e térmica. Este balanceamento é um dos principais fatores que viabiliza a aplicação da cogeração.”

Alternativas para a geração combinada

Santamaria acredita que para uma maior exploração da geração combinada é preciso existir demandas simultâneas em quantidades próximas das formas de energia. “Para a geração combinada de energia (elétrica) e água quente existem muitos métodos, já para a produção também de água gelada, o método mais utilizado é a utilização de chillers por absorção. A produção de água quente a partir da produção de água gelada é sempre vantajosa quando forem utilizados circuitos frigoríficos seguindo o ciclo de Carnot, em que o calor utilizado para a produção de água quente será a soma do calor absorvido pela água gelada adicionado à potência do compressor, pois, desta forma, a quantidade de energia gerada no aquecimento será maior do que a energia elétrica consumida, este é o princípio de funcionamento das bombas de calor. Contudo, a eficiência do sistema será tanto maior quanto menor for a diferença entre a temperatura de água quente e a temperatura de água gelada a serem consumidas.”

“Um segundo método, pouco difundido nos projetos que encontramos, é a geração de água gelada e água quente de forma simultânea em chillers elétricos. Neste caso podemos sair dos tradicionais COP de 1.0 a 1.5 dos chillers de absorção produzindo água gelada para um COP combinado acima de 7.0, quando produzindo água gelada e água quente simultaneamente. Depende muito do consumidor e da sua necessidade dos dois tipos de energia térmica. Podemos citar exemplos como hospitais, hotéis, indústrias no geral. São ótimas aplicações para a geração de água gelada e água quente de forma simultânea. Já fornecemos chillers com esta finalidade tanto para hotéis quanto para indústrias, com redução drástica no investimento em boilers e altíssimo coeficiente de performance da instalação”, comenta Brasil.

O gerente de aplicações da Midea Carrier ressente-se da pouca participação do mercado de projetos de ar-condicionado nos projetos de geração de água quente. “Muitas vezes vemos projetos de ar-condicionado totalmente independente dos projetos de água quente e a integração de projetos poderia trazer mais negócios para nossos parceiros projetistas. Temos todos os recursos disponíveis. Da parte da Midea Carrier eu posso citar os softwares Chiller System Optimizer e Hourly Analysis Program (HAP), que são ferramentas muito poderosas para realizar simulações energéticas de sistemas operando na geração de água gelada, água quente ou ambos simultaneamente.”

“A geração simultânea de água gelada e água quente depende fundamentalmente da demanda simultânea destes dois recursos. Não adianta ter demanda de água gelada somente no calor e de água quente somente no frio. No clima brasileiro, a demanda por água gelada costuma ser muito maior do que a demanda por água quente, que pode ocorrer quando da necessidade de aquecimento, reaquecimento para desumidificação, aquecimento de piscinas e aquecimento de água sanitária para banho”, alerta Santamaria.

No caso da água quente para uso sanitário (banho), existem picos de demanda e outros horários de baixo consumo ou até nulo. “A forma de fazer com que o consumo de água quente entre em sincronia com o de água gelada é dimensionando reservatórios de água quente de tal forma que o consumo total diário de água quente possa ser distribuído através da produção contínua ao longo do dia por pelo menos 20 horas”, continua Santamaria.

Mas a questão pode ser equacionada de outras maneiras. “Um exemplo de fácil explicação é a instalação de um chiller com condensação a água que pode trabalhar com geração simultânea de água gelada e água quente. A instalação da linha da água de condensação poderá ter duas funções. A primeira, propriamente da água de condensação, fazendo um looping do chiller com as torres de resfriamento. A segunda, com a implantação de uma válvula de três vias na mesma linha, direcionar a água para o circuito de água quente quando o chiller estiver trabalhando no modo água gelada/água quente simultâneo. Existe ainda uma terceira alternativa que é somente um chiller da Central de Água Gelada/Água Quente ser destinado a produção de água quente de forma simultânea”, explica Brasil.

“Uma das soluções para a compatibilização dos diferentes perfis de demanda de energia, água quente e água gelada está no uso de tanques de acumulação de água quente e/ou água gelada. Estes tanques permitem a acomodação destes perfis ao longo da operação destes sistemas fazendo com que o sistema opere o maior tempo possível na sua condição de eficiência máxima”, lembra o professor Alberto Hernandez Neto, da Poli-USP.

Ou, como entende o profissional da Tosi, “a recuperação parcial de calor através da inserção de um trocador de calor na descarga do compressor para recuperar o calor do superaquecimento, e os chillers com recuperação total de calor em que todo o calor a ser rejeitado pelo chiller é transformado em água quente. As Indústrias Tosi, seguindo a linha de pensamento de sua parceira americana Multistack, entende que é mais vantajoso dimensionar um chiller com recuperação total de calor pela demanda de água quente em que haja simultaneidade de consumo de água gelada, e ligar este equipamento em série com a central de água gelada responsável pela demanda total de água gelada do empreendimento, do que dimensionar um ou mais chillers para a demanda de água gelada que tenham recuperação parcial de calor.”

Santos, da Dunham Bush, introduz uma novidade: “Atualmente os sistemas conhecidos têm por princípio a queima de material combustível sejam eles líquido (diesel), gás natural ou sólidos (madeira, bagaço de cana de açúcar e biomassa), porém, há equipamento em desenvolvimento que será muito útil, principalmente nos grandes centros, convertendo a energia gravitacional em energia elétrica que pode ser aplicada na iluminação e consumo de eletroeletrônicos, bem como em sistemas de climatização com chillers dotados de dessuperaquecedor, fornecendo água quente quando necessário. A DB Brasil acompanha e apoia o desenvolvimento do conversor de energia gravitacional, que levará a tecnologia do Brasil para o mundo.”

O diretor presidente da Durham Bush explica, ainda, que há chillers com recuperação total de calor, como o Double Bundle Condenser, em que a recuperação de calor da compressão do refrigerante é obtida de forma total, porém, a eficiência energética pretendida pode ser prejudicada já que em chillers centrífugos o lift limita a capacidade do equipamento. “Outro modo de recuperação de calor é a recuperação parcial, feita por trocador de calor instalado entre a descarga do compressor e o condensador. Dessa forma há recuperação com o dessuperaquecimento do ciclo de compressão do gás refrigerante podendo, neste caso, ser utilizado em todos o s equipamentos, com condensação a ar ou a água. Como o tamanho do condensador é mantido e parte do calor residual foi rejeitado pelo dessuperaquecedor, a rejeição de calor restante pelo condensador é menor do que a rejeição total de calor. Isto resulta em menor temperatura de descarga saturada e entrada de energia da unidade. Consequentemente, menor KW e menor conta de energia.”

Mas neste conceito elástico de cogeração, particularmente em relação à água resfriada e água quente, também os sistemas do tipo VRF podem contribuir. “A geração de água quente com sistemas centrais VRF são vantagens das unidades heat recovery, podendo atender tanto unidades no modo resfriamento quanto unidades no modo aquecimento ou, também, módulos que denominamos kit hidráulico, responsável pelo aquecimento de água. Com nossa marca Midea possuímos uma linha de altíssima eficiência e versatilidade denominada VRF V6R com capacidade até 54HP, para atender clientes que precisam de modo resfriamento e aquecimento simultâneos, sendo o modo aquecimento de ambiente (condicionamento do ar) ou geração de água quente, feito pelas unidades switch box, atendendo a 1, 4, 6, 8, 10 ou 12 unidades internas simultaneamente. Apesar de pouco aplicado no Brasil, pode gerar água quente para diferentes aplicações como água a 30ºC para aquecimento de piso, água a 43ºC para utilização doméstica e água 80ºC para uso diverso” conclui Cristiano Brasil.

Finalmente, Hernandez Neto, da Poli-USP, explica que “existem diversas metodologias para o projeto de sistemas de cogeração e/ou trigeração, mas todas se baseiam na otimização do balanceamento das demandas de energia, água gelada e água quente. Normalmente edificações que tenham demanda alta de energia elétrica e térmica são adequadas para a implantação de sistemas de cogeração com hotéis e hospitais.”

Ronaldo Almeida
ronaldo@nteditorial.com.br

Veja também:

A geração simultânea de várias formas de energia é ambientalmente necessária e economicamente viável

Bombas de calor em aplicações industriais

Geração distribuída e a CHP

 

Tags:, , ,

[fbcomments]