O conceito de qualidade do ar interno (indoor air quality) tem sido crescentemente ampliado para o de qualidade do ambiente interno (indoor environmental quality), que abarca todos os aspectos do conforto humano, como o controle adequado de temperatura e umidade relativa, conforto lumínico, conforto sonoro, integração com a vizinhança, dentre outros. Estudos disponíveis permitem afirmar que há uma relação direta entre a qualidade do ambiente interno e a produtividade no trabalho, inclusive com redução do absenteísmo. Pesquisas conduzidas por Bjarne W. Olesen, ex-presidente da Ashrae entre 2017 e 2018, apontam ganho de até 20% no aprendizado de crianças estudando em ambientes saudáveis.
Em se tratando de conforto térmico, no entanto, nem sempre é possível quantificar. Leonardo Cozac, diretor da Conforlab e da Abrava, lembra o conceito estabelecido pela Standard 55 da Ashrae: “O conforto térmico é a condição mental que expressa satisfação com as condições térmicas ambientais, sendo uma avaliação de caráter subjetivo”.
Significa dizer que há inúmeras variáveis, desde as humanas, como o metabolismo de cada um e vestimentas, quanto as ambientais, como temperatura do ar, temperatura radiante, velocidade do ar e umidade relativa do ar. Sem contar influências como etnia, idade, hábitos alimentares, gênero etc. Sequer é possível definir com exatidão os parâmetros que mais influenciam este “estado mental”, e ainda que “temperatura do ar e temperatura radiante sejam os fatores de maior sensibilidade das pessoas, não é suficiente medir apenas um deles. Devido a variação biológica entre as pessoas, é impossível que todos os ocupantes do ambiente se sintam confortáveis termicamente. O PPV (percentagem de pessoas insatisfeitas) estabelece a quantidade estimada de pessoas insatisfeitas termicamente com o ambiente”, explica Cozac.
Já quando se fala em qualidade do ar, o coordenador de produto da Trox, André Gallo, avança na definição do que seria uma boa gestão. “Controle de poluentes no ar, diminuir a concentração do nível de CO2, introdução e distribuição de ar externo adequado e a manutenção de temperatura e umidade relativa aceitáveis. A temperatura e a umidade não podem ser negligenciadas porque as preocupações de conforto térmico subentendem muitas queixas sobre má qualidade do ar. Além disso, a temperatura e a umidade estão entre os muitos fatores que afetam os níveis de contaminantes internos.”
Gallo não esquece de fatores como a concentração de fungos viáveis, relação dos ambientes interno e externo, aerodispersóides, dióxido de carbono e velocidade do ar. “Com a análise destes parâmetros básicos temos uma fotografia da qualidade do ar no ambiente. Alguns locais requerem uma avaliação mais extensa e detalhada. A concentração de Compostos Orgânicos Voláteis (VOC do inglês Volatile Organic Compounds), formaldeído, compostos de enxofre e nitrogênio, ozônio e radônio são pontos importantes para uma certificação WELL ou LEED. Cerca de 50% de toda a contaminação por VOC é gerada dentro de um ambiente interno e permanece dentro dos ambientes. 10% a 15 % de todos os imóveis no mundo apresentam elevada concentração de radônio. E estes são só alguns dos numerosos compostos químicos que afetam a vida das pessoas e que estão relacionados com a análise da Qualidade do Ar Interno.”
Parâmetros de conforto
“Sistemas de climatização, como o nome já diz, criam um clima interno para proporcionar conforto para as pessoas. Os parâmetros que estes sistemas controlam são a temperatura, umidade relativa do ar e ar puro para respirar. Se qualquer um destes componentes está fora dos limites, há uma sensação de desconforto”, lembra Robert van Hoorn, diretor da Multivac Ventilação.
“É impossível agradar 100% das pessoas ao mesmo tempo, até por isso os carros mais luxuosos têm controle de temperatura individual. Mas, de acordo com as normas, uma instalação é aprovada quando 80% ou mais dos ocupantes classificam o ar como bom. Dentro do atual contexto da Covid-19 há um foco muito maior na renovação de ar para reduzir os aerossóis suspensos no ar”, completa Hoorn.
O diretor de negócios da Star Center, Antônio Uehara, concorda com van Hoorn e lembra os quatro parâmetros relevantes para o conforto nos ambientes internos: temperatura interna (temperatura de bulbo seco), temperatura radiante média, umidade relativa do ar e velocidade de circulação do ar na zona ocupada. “Não existe uma parametrização única que defina efetivamente as condições de conforto térmico, haja vista as múltiplas variáveis envolvidas e, mesmo, os limites de variação admissíveis que são específicos de cada caso. Portanto, por consenso, as melhores práticas de engenharia para determinação das condições de conforto térmico são exatamente aquelas recomendadas pela Norma ABNT – NBR 16.401 (Instalações de ar-condicionado – sistemas centrais e unitários), que são fruto de estudos e extensas discussões desenvolvidos durante sua elaboração e permanente evolução. Lá se encontram as faixas de temperatura, umidade e velocidade do ar consideradas como ideais e, ainda, diferenciadas para as situações de verão e inverno. É papel do profissional responsável pelo projeto conduzir os necessários estudos técnicos que levem à determinação dos parâmetros a serem adotados, considerando os referenciais da Norma e toda a teoria e prática intrínsecos ao seu desenvolvimento.”
“Entendemos que a esses 4 parâmetros deva ser acrescentado um quinto: o nível de ruído que, mesmo quando em volume não agressivo, é responsável por geração de estresse quando a ele submetido por longos períodos. Provavelmente, por questões do custo envolvido e, mesmo, de espaço disponível no projeto de arquitetura, os elementos redutores do nível de ruído, como atenuadores, conceitos favoráveis de dimensionamento de dutos e equipamentos de maior eficiência, não podem ser, ainda, largamente aplicados, mas, diante da evolução dos conceitos de projeto, deverão ter sua aplicação crescente”, complementa Uehara.
Para o diretor da Star Center, o conforto está diretamente relacionado à condição técnica de proporcionar equilíbrio na troca de calor entre o indivíduo e o ambiente interno. “O que se busca é atingir a neutralidade térmica, estado em que a necessidade de troca de calor pelo corpo humano em função da atividade que está sendo por ele exercida seja plenamente atendida. Ambientes mais quentes ou úmidos podem não absorver naturalmente todo o calor metabolicamente rejeitado, gerando sensação de calor traduzida, por exemplo, por sudorese e redução na capacidade produtiva. Ao contrário, ambientes mais frios acabam absorvendo mais calor do que o metabolismo precisa rejeitar naquela condição momentânea gerando a sensação de frio.
“Por todos os fatores descritos, é virtualmente impossível atingir a condição plena e absoluta de neutralidade térmica para todos os ocupantes de um edifício simultaneamente. Por conta disso, os sistemas de ar-condicionado têm a função de prover aos ocupantes do edifício uma condição termo higrométrica estável, conhecida, previsível, em ranges de variação adequada, aos quais cada ocupante, de sua forma, se adaptará psicológica e objetivamente através de seus hábitos cotidianos”, completa Uehara.
Qualidade do ar
Cozac lembra que, no Brasil, a Resolução 09 da ANVISA determina padrões e parâmetros de verificação da qualidade do ar em ambientes climatizados. “Devem ser feitas análises e medições semestrais de dióxido de carbono, fungos, partículas, temperatura, umidade relativa e velocidade do ar. Podem ser feitas análises adicionais, pontuais ou contínuas, de acordo com o local ou, ainda, questionários epidemiológicos como forma de conhecer melhor a QAI.”
A importância da qualidade do ar interior pode ser observada nos ambientes escolares onde, inegavelmente, contribui para o desempenho de estudantes, professores e funcionários e uma sensação de conforto, saúde e bem-estar. “A qualidade do ar interna adequada é um componente importante em um ambiente interno saudável e esses elementos se combinam para ajudar escolas a alcançar seu principal objetivo de educar as crianças”, ressalta Gallo.
O coordenador de produto da Trox afirma que estudos comparativos de risco realizados pela Agência de Proteção Ambiental estadunidense (United States Environmental Protection Agency – EPA) classificaram consistentemente a poluição do ar interior entre os cinco principais riscos ambientais para a saúde pública. “Muitos são os benefícios com ambiente que têm a boa gestão da qualidade do ar e do conforto térmico, como o de prevenir ou reduzir os problemas de saúde a longo e curto prazo para os estudantes e funcionários, tais como: tosse, irritação ocular, dor de cabeça, reações alérgicas e, em casos mais raros, condições que ameaçam a vida, como pneumonias ou intoxicação por monóxido de carbono. Outros grupos de pessoas podem ser particularmente vulneráveis à exposição de certos poluentes ou misturas poluentes, como o de doenças respiratórias e cardíacas.”
Além disso, lembra Gallo, o organismo em desenvolvimento das crianças pode ser mais suscetível a exposições ambientais. “Crianças respiram mais ar, comem mais alimentos e bebem mais líquidos em proporção ao peso corporal do que os adultos. Portanto, deve-se ter atenção quanto à qualidade do ar nas escolas. A manutenção adequada do ar interior é mais do que uma questão de qualidade; abrange a segurança e a administração do seu investimento em estudantes, funcionários e instalações.”
Tecnologias de purificação do ar
A pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 elevou a preocupação com tecnologias de purificação do ar. “Purificadores de ar portáteis com filtros de ar particulado de alta eficiência (HEPA – high-efficiency particulate air) podem ser úteis para reduzir a exposição a vírus emitidos por pessoas infectadas. No entanto, os aparelhos devem ter o tamanho adequado para a sala e seu posicionamento deve ser cuidadosamente considerado. Para uma sala de aula normal, uma métrica útil é a ‘taxa de fornecimento de ar limpo’ da unidade, ou CADR (sigla em inglês), que deve ter cerca de 3 metros cúbicos de ar limpo por minuto (cfm) por 23 metros quadrados. Deve-se tomar muito cuidado ao realizar a substituição dos filtros em purificadores de ar portáteis, pois vírus ativos podem estar presentes no filtro, que deve ser trocado durante o recesso por alguém que esteja usando óculos de proteção, máscara e luvas. O filtro deve ser retirado com cuidado e colocado em um saco de lixo grande de amarrar, para descarte imediato”, recomenda Gallo.
“Já existem diversas alternativas que devem ser selecionadas em função de cada necessidade específica. Não existe uma solução para todas as fontes de contaminação. Normalmente são usados um conjunto de soluções junto com o sistema de climatização para garantir um ar de boa qualidade”, diz Cozac, que relaciona algumas soluções disponíveis:
– Filtros de ar: excelente para retenção de partículas, existindo modelos para gases também. Tecnologia utilizado há muitos anos com diversos tamanhos, tipos e características disponíveis.
─ Ozônio: excelente biocida, usado em larga escala em água, alimentos e ar e para remoção de odores. Tem o uso restrito a ambientes sem a presença de pessoas, ou seja, desocupados.
─ Fotocatálise: excelente biocida, ação comprovada contra microrganismos e alguns gases. Importante prestar atenção a equipamentos que geram ozônio como subproduto.
─ UV-c: bom biocida, deve ser utilizado diretamente nas superfícies a serem tratadas. Usado muito em serpentinas. Não deve ser utilizado em locais com pessoas.
─ Ionização: mais eficiente para partículas. Necessita grande quantidade de equipamentos para fazer efeitos em locais maiores.
É possível conciliar IEQ e eficiência energética?
As emissões de carbono tiveram uma redução substancial em 2020 devido à depressão econômica provocada pela Covid-19. Por outro lado, a renovação do ar é a principal recomendação para a diluição do coronavírus nos ambientes internos, o que pode significar maior consumo de energia e mais emissões. É possível conciliar tratamento do ar com a necessária economia de energia?
“Esta é uma boa questão”, responde Danilo Santos, gerente de vendas da Munters. “O aumento da taxa de renovação e a utilização de classes de filtragem mais rígidas inevitavelmente refletirão em um consumo maior de energia. Há estratégias que podem minimizar este aumento de consumo, como a utilização de recuperadores de calor, porém é possível que a SARS-CoV-2 traga novos debates com relação às condições estabelecidas para o conforto térmico.”
“Na minha visão, com o aumento da taxa de renovação de ar, estratégias de descolamento das cargas sensível e latente, com consequente adoção de sistemas DOAS (sistemas dedicados para tratamento do ar externo) ganham espaço. Sistemas compactos sem possibilidade de renovação perdem”, opina Santos.
“Não dá para conciliar conforto, qualidade do ar e menor dispêndio de energia. A recomendação para melhor qualidade do ar nestas novas condições da Covid-19 é o aumento da taxa de renovação de ar. O aumento da eficiência da filtragem do ar também resulta em aumento na perda de carga dos sistemas de ventilação que também resultam em aumento no consumo de energia”, diz Patrice Tosi, diretora das Indústrias Tosi.
Por outro lado, a diretora da Tosi acredita que novas tecnologias ganharão relevância, como a utilização de lâmpadas UV-C, o uso de ozônio em ambientes desocupados, a ionização radiante catalítica e o uso de equipamentos de filtragem portáteis com filtros HEPA. “Perdem aquelas que não têm uma renovação de ar adequada. Em complemento, o uso de caixas de ventilação com filtragem mínima G4 + M5 em instalações com equipamentos do tipo ar-condicionado de janela, split system de ambiente e VRV, cujos filtros têm baixa eficiência para partículas de pequeno tamanho. Perderão espaço não propriamente tecnologias, mas sim instalações que não atendem às normas no que se referem à renovação e filtragem do ar.”
Leonardo Cozac lembra que o sistema de climatização faz um papel fundamental através da ventilação mecânica realizada com a utilização do ar exterior como renovação de ar. “É possível garantir essa eficiente troca do ar aliada com consumo energético se as instalações atenderem as normas técnicas e legislações brasileiras em vigor. Manter os sistemas de climatização limpos e instalar tecnologias de purificação também colaboram na melhoria da QAI. A eficiência energética estava no topo das preocupações, tenho observado que, com a pandemia, esse conceito abriu espaço, felizmente, para a qualidade do ar interno. O desafio é aliar os dois conceitos para benefício da sociedade.”
“Conforto, qualidade do ar interno e racionalização do uso da energia não são conceitos concorrentes, ao contrário do que possa a princípio parecer”, rebate Uehara da Star Center. “Sistemas que demandam maior renovação de ar, por exemplo, não são necessariamente sistemas de maior consumo de energia. Assim como, economia de energia não precisa ser associada à redução do conforto térmico. A aplicação das tecnologias atuais de equipamentos e sistemas disponibiliza recursos suficientes para o desenvolvimento de projetos que conciliem esses três fatores”, completa.
Uehara lembra que, para um mesmo projeto, a seleção de equipamentos e sistemas de altíssima eficiência permitem elevar os níveis de conforto e qualidade do ar, mesmo com redução do consumo de energia. “Recursos como free-cooling, cogeração, variação de fluxo de ar e água, automação, uso de energias alternativas, entre outros propiciados pelo know-how das empresas de ar-condicionado viabilizam a conjugação destes três conceitos citados. É preciso compreender que os edifícios existentes não estavam projetados para fazer frente à pandemia. Para que se obtivesse uma mínima condição de operação segura, diversas adaptações foram feitas e outras ainda deverão ser adotadas. Para esses edifícios, novamente, os procedimentos de manutenção preventiva precisam ser rigidamente aplicados e monitorados. A maior renovação de ar dos ambientes é recomendada, porém, nem sempre tecnicamente viável. Dependendo da evolução dos fatos relacionados à pandemia, é possível que muitas modificações críticas serão exigidas para sistemas existentes. Para os novos edifícios, recursos de flexibilização e melhoria da operação visando mitigação dos riscos de contaminação podem ser implementados desde o projeto.”
Gallo, da Trox, aposta na automação para conciliar as duas necessidades. “Existem hoje muitas ferramentas no sistema de automação que oferecem quase todas as possibilidades de controle que permitem fazer a economia sem afetar a qualidade do ar interior, que é a primeira prioridade. É mais barato manter o ambiente dentro dos padrões de temperatura, umidade e renovação de ar. Existe uma tendência em olharmos unicamente para os gastos energético e esquecermos do custo das pessoas, bem como salários e encargos que são muitas vezes maiores que o custo com energia e equipamentos. Reduzir o tempo de afastamento por problemas de saúde e aumentar a produtividade das pessoas se mostra muito mais econômico.”