Introdução

As edificações comerciais e residenciais respondem por 42,3 % do consumo de energia no Brasil, sendo que a energia elétrica é a maior fonte de energia com uma contribuição de 91,6% nas edificações comerciais e 46,4% nas edificações residenciais (Ministério do Desenvolvimento,2014; MME (2019)). No ciclo de vida de uma edificação (projeto, construção, operação e descarte), a fase de operação pode representar mais de 80% do seu custo total e, portanto, esforços para minimizar os gastos e falhas neste período podem ter um impacto significativo no desempenho de uma edificação (Gabrielli&Ruggeri, 2019).

Dessa forma, a detecção e diagnósticos de falhas passou a ser um aspecto importante a ser considerado na gestão de edificações como ferramenta para melhoria de desempenho energético e na redução de custos de operação de uma edificação (Gabrielli&Ruggeri, 2019).

Detecção e diagnóstico de falhas

A detecção e diagnósticos de falhas (DDF) consiste em metodologia para verificação de erros ou falhas em sistemas físicos e identificação da origem do problema. Dentre os diversos sistemas em edificações, temos os sistemas de climatização, ventilação e refrigeração que representam, em média, 40% do consumo da edificação (Kim &Katipamula).

A metodologia de DDF usualmente consiste em quatro processos: detecção de falha, isolamento de falha, identificação de falha e avaliação de falha, conforme mostrado na figura 1. Uma vez que foi determinado que uma falha ocorreu no sistema, ela é isolada e classificada com base no tipo de falha, localização e tempo de detecção. O isolamento da falha, junto com sua identificação – que inclui a determinação do tamanho da falha e como ela se comporta em diferentes momentos – são comumente chamados de diagnóstico de falha. A avaliação de falhas é basicamente uma avaliação para determinar o seu impacto no desempenho do sistema, muitas vezes com base em diferentes categorias de priorização, incluindo energia, conforto, impacto ambiental e de custo (Kim &Katipamula, 2018).

Figura 1. Fases de um sistema de detecção e diagnóstico de falhas (Kim&Katipamula, 2018).

Uma evolução de um sistema de detecção e diagnósticos de falhas passa pela sua automação (em inglês: Automated Fault Detection and Diagnosis -AFDD) cujos principais modelos são apresentados na figura 2 (Kim &Katipamula). Nestes sistemas modelos físicos e/ou modelos de histórico de processos (redes neurais, gêmeos idênticos etc.) podem ser usados isoladamente ou combinados para permitir a aquisição e previsão de comportamento de falhas, permitindo a aplicação dos conceitos de manutenção preditiva ou de produtividade total.

Figura 2. Tipos de sistemas automatizados de detecção e diagnósticos de falha (AFDD) (Kim&Katipamula, 2018).

As falhas podem ser classificadas como (Katipamula & Brambley, 2005):

– baseada em condições: neste critério o sistema e/ou componente está em condições físicas impróprias ou indesejadas (exemplo: válvulas emperradas, serpentinas entupidas, atuadores quebrados etc.)

– baseada em comportamento: nesta condição o sistema e/ou componente apresenta um comportamento impróprio ou indesejado (exemplo: resfriamento/aquecimento simultâneos, ciclagem curta do compressor etc.)

– baseada em resultado: este tipo de falha é associada a um resultado ou métrica do sistema e/ou componente que se desvia do valor correto (exemplo: consumo excessivo de água quente ou água gelada, redução do coeficiente de desempenho do chiller, temperatura de ambiente climatizado fora de condições de conforto térmico etc.)

Em muitos casos, a falha pode ter mais de uma classificação em função dos impactos a serem analisados: uma válvula de controle de água gelada emperrada em um fancoil ligado a um sistema de dutos com caixas VAV (Figura 3). Neste caso, esta falha pode ser classificada como falha baseada em condição (válvula emperrada) ou com falha baseada em comportamento (redução da retirada de carga térmica se a válvula emperrou na posição fechada).

Figura 3. Falha: válvula de controle de água gelada emperrada em fancoil.

As falhas também ser observadas em diferentes tipos de amostras (Figura 4) (NREL, 2015):

– único instante de tempo: as amostras para monitoramento são feitas em um único instante de tempo ao longo do período de operação;

– períodos regulares de tempo: neste caso, a amostragem de monitoramento é feita em diversos períodos regulares de tempo ao longo do período de operação;

– períodos regulares com mudança de horizonte de tempo: para esta amostragem, o tempo de amostragem é mantido constante, porém a janela de amostragem varia ao longo do tempo de operação;

– evento único: a amostragem é realizada em apenas um período fixo ao longo da operação do sistema analisado.

Figura 4. Tipos de amostras para coleta de falhas (adaptado de NREL, 2015).

Estudo de caso

(NREL, 2017) apresenta estudo de caso em que são analisadas as ocorrências de falhas em edifícios entre 450 a 1000 m2 nos Estados Unidos, que se baseou em levantamentos realizados pelo CBECS (Commercial Buildings Energy Consumption Survey) (CBECS, 2012a; 2012b; 2012c; 2012d; 2012e; 2017). Neste estudo, foram analisados diversos tipos de sistemas e falhas e seu impacto no desempenho energético dos sistemas, a saber:

Roof tops:

– Carga de fluido refrigerante 30% menor: +0,7% no consumo de energia;

– 50% da área do condensador com incrustação: +1,4% no consumo de energia;

– 30% de degradação da eficiência do motor do ventilador do condensador: +0,3% no consumo de energia;

Splits:

– Carga de fluido refrigerante 30% menor: +1,0% no consumo de energia;

– 50% da área do condensador com incrustação: +1,1% no consumo de energia;

– Termostato defeituoso (offset de 4°C): +0,7% no consumo de energia;

Centrais de água gelada:

– Offset de 3°C do sensor de temperatura de entrada da água gelada:+1,0% no consumo de energia;

– Chiller com 5% de não condensáveis no fluido refrigerante:  +8,7% no consumo de energia;

– Condensador do chiller com 40% da área com incrustação: +2,3% no consumo de energia.

O estudo realizado pelo NREL (NREL, 2017) avalia as 05 principais falhas ocorridas em função do impacto energético, a saber:

– Infiltração excessiva no envelope da edificação;

– Vazamentos nos dutos de ar;

– Definição incorreta no período de acionamento dos sistemas de ar condicionado/aquecimento;

– Sistema de iluminação com os sensores de presença inoperantes;

– Definição de setpoint e período de operação dos termostatos dos sistemas de ar-condicionado/aquecimento.

Modelagem do impacto de falhas no desempenho energético de edificações

Uma das formas de analisar e prever o impacto de falhas em sistemas de climatização e aquecimento é o uso de ferramentas de simulação. Neste caso, as falhas podem ser classificadas como (Kim, Frank, Braun, & Goldwasser, 2019) :

– físicas: falhas que podem ocorrer diretamente no sistema e/ou componente (exemplo: temporizador de iluminação com setpoint errado; vazamentos de dutos de ar; sobredimensionamento de equipamentos);

– experimentais: falhas cuja avaliação é baseada em levantamentos experimentais (exemplo: incrustação no condensador; presença de não condensáveis no fluido refrigerante; restrição na linha de líquido);

– semi-empíricas: falhas cuja previsão exige uma combinação de modelos físicos (balanços de massa e energia) e curvas empíricas que representam o comportamento de um sistema e/ou componentes (exemplo: degradação de eficiência de motores de ventiladores; incrustação em trocadores de calor).

Para avaliar como o uso de ferramentas de simulação, foi desenvolvido modelo de edificação na ferramenta de simulação Energy Plus (DOE, 2019) com as seguintes características:

– Edifício com ocupação típica de escritório: definição de planta e dimensões segundo (Cacciatori, 2016);

– Envoltória: uso de propriedades de materiais típicos brasileiros (Ministério do Desenvolvimento. (2014));

– 20 andares (área do andar típico: 1024 m2);

– Densidade de iluminação: 10,6 W/m2;

– Equipamentos: 7,6 W/m2;

– Ocupação: 17,70 m2/pessoa;

– Central de água gelada com condensação à água com COP nominal: 5,5 e IPLV: 6,11;

– Sistemas de distribuição de ar com caixas VAV

Este modelo foi simulado na versão 9.1 do Energy Plus e forneceu um consumo de 147 kWh/(m2.ano) que, comparado com o benchmarking fornecido pelo CBCS (CBCS, 2019) (“típico”: 115 kWh/(m2.ano), “boas práticas”: 80 kWh/(m2.ano)), pode ser considerado um edifício com um desempenho baixo em relação a outras edificações. Para a edificação em análise, tem-se uma matriz de consumo desagregado como mostrado na Figura 5.

Figura 5. Matriz de consumo desagregado da edificação analisada.Neste modelo forma modeladas as seguintes falhas: termostato do fancoil com offset de ±2°C por um período de 01 mês (janeiro), temperatura da água gelada na seção de entrada do chiller com offset de ±2°C por um período de 01 mês (janeiro), temperatura de insuflamento no ambiente climatizado com offset de ±2°C por um período de 01 mês (janeiro). Os impactos da ocorrência destas falhas são apresentados na Tabela 1.

Pode-se verificar que os impactos das falhas aqui simuladas têm impactos de ordem de grandeza semelhantes tanto para o consumo de energia no sistema de climatização e da edificação bem como no consumo de água. Destacam-se os resultados obtidos na simulação da falha na temperatura do termostato em que existe uma redução do consumo de energia e de água, porém com um aumento muito significativo do número de horas em desconforto térmico.

Conclusões

Neste artigo procurou-se apresentar os conceitos principais relacionados a detecção e diagnósticos de falhas bem como quantificar, em alguns estudos, o impacto de algumas falhas no desempenho energético, consumo de água e conforto térmico. Deve-se ressaltar que, no Brasil, há necessidade de criar-se maiores e mais transparentes bases de dados para permitir uma melhor análise do impacto das falhas de operação em edificações climatizadas.

Alberto Hernandez Neto, é professor doutor no Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP e coordena vários grupos de pesquisas em eficiência energética e qualidade do ar

 

 

 

 

Referências

Cacciatori, M. M. F. (2016). Diretrizes dinâmicas para projeto de fachadas de edifícios de escritórios de alto padrão, na cidade de São Paulo, com base no potencial de eficiência energética e viabilidade econômica. Mestrado Tecnológico, IPT, 340 páginas.

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CBECS (Commercial Buildings Energy Consumption Survey). 2012a. Table E1. Major fuel consumption (Btu) by end use. Disponível em: ww.eia.gov/consumption/commercial/data/2012/c&e/pdf/e1-e11.pdf, Acesso em : 01/09/2020.

CBECS. 2012b. Table B39. Heating equipment, floorspace. Disponível em: www.eia.gov/consumption/commercial/data/2012/bc/pdf/b39.pdf, Acesso em : 01/09/2020.

CBECS. 2012c. Table B41. Cooling equipment, floorspace. Disponível em: www.eia.gov/consumption/commercial/data/2012/bc/pdf/b41.pdf, Acesso em : 01/09/2020.

CBECS. 2012d. Table E2. Major fuel consumption intensities (Btu) by end use. Disponível em: www.eia.gov/consumption/commercial/data/2012/c&e/pdf/e2.pdf, Acesso em : 01/09/2020.

CBECS. 2012e. Table B7. Building size, floorspace. Disponível em: www.eia.gov/consumption/commercial/data/2012/bc/pdf/b7.pdf, Acesso em : 01/09/2020.

CBECS. 2017. U.S. Energy Information Administration. Accessed 3.16.17. Disponível em: www.eia.gov/consumption/commercial/, Acesso em : 01/09/2020.

DOE. 2019. Manual de Engenharia – Energy Plus, Disponível em : https://energyplus.net/sites/default/files/pdfs_v8.3.0/EngineeringReference.pdf, Acesso em : 01/09/2020, 847 páginas.

Gabrielli, L., & Ruggeri, A. G. (2019). Developing a model for energy retrofit in large building portfolios: Energy assessment, optimization and uncertainty. Energy and Buildings, 202, 109356. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.enbuild.2019.109356, Acesso em : 01/09/2020.

Katipamula, S., & Brambley, M. R. (2005). Methods for Fault Detection, Diagnostics, and Prognostics for Building Systems—A Review, Part I. HVAC and R Research, 11(1), 3–25. Dispnível em: https://doi.org/10.1080/10789669.2005.10391133, Acesso em : 01/09/2020.

Kim, W., & Katipamula, S. (2018). A review of fault detection and diagnostics methods for building systems. Science and Technology for the Built Environment, 24(1), 3–21. Disponível em: https://doi.org/10.1080/23744731.2017.1318008, Acesso em : 01/09/2020.

Kim, J., Frank, S., Braun, J. E., & Goldwasser, D. (2019). Representing Small Commercial Building Faults in EnergyPlus, Part I: Model Development. Buildings, 9(11), 233. Disponível em: https://doi.org/10.3390/buildings9110233, Acesso em : 01/09/2020.

Ministério do Desenvolvimento. (2014). Regulamento Técnico da Qualidade para o Nível de Eficiência Energética de Edificações Residenciais (RTQ-R) – Portaria nº. 18, de 16 de janeiro de 2012.

MME – Ministério de Minas e Energia. (2019). BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL – ano base 2018.

NREL. (2015). Development of Fault Models for Hybrid Fault Detection and Diagnostics Algorithm, 71 páginas.

NREL. (2017). Common Faults and Their Prioritization in Small Commercial Buildings, 55 páginas.

 

 

 

 

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