A humanidade encontra-se frente a uma encruzilhada: continuar explorando os recursos naturais e produzindo emissões de CO2 como se a natureza pudesse se recompor milagrosamente, ou puxar o freio de emergência desta marcha insana. Obviamente a forma de fazê-lo não é tão simples. Mas o negacionismo, traduzido na ilimitada crença na capacidade da ciência em encontrar os meios para reparar futuramente os males do presente, não é o melhor caminho. Se está correto o poeta, no hay camino, se hace camino al andar, é preciso construir o nosso cotidianamente.

“Considero como primeira providência a elevação da eficiência de nossas construções no seu invólucro e minimizar as dissipações internas de calor em equipamentos e iluminação. Um segundo ponto é prosseguir com a evolução dos equipamentos de AVAC-R quanto a sua eficiência energética, incluindo a cogeração e, onde for aplicável, a trigeração”, recomenda George Raulino, life member da Ashrae e diretor da Estermic Engenharia de Sistemas Térmicos.

Na opinião do veterano consultor e projetista, a substituição de equipamentos de baixo rendimento térmico, seja pela tecnologia defasada ou pela deficiência de conservação, poderia diminuir a energia consumida, abrindo espaço para novas instalações energeticamente eficientes sem que se alterasse significativamente o consumo do AVAC-R. “A realidade é que não tendo uma economia saudável, como poder investir, projetar e construir edificações que incluam sistemas de alta eficiência? Ou ter um programa de substituição de instalações obsoletas? Como proceder a isto em um país onde mais de 70% das salas de cirurgia utilizam unidades splits e de janela”, pergunta Raulino.

Alberto Hernandez Neto, professor doutor da do departamento de engenharia mecânica da Escola Politécnica da USP e membro do conselho editorial da revista Abrava+Climatização & Refrigeração, defende que “para reduzir o impacto dos sistemas AVAC-R deve-se focar em uso de equipamentos e tecnologias mais eficientes, com uma gestão de operação e manutenção otimizada. No caso de equipamentos e tecnologias mais eficientes, o uso de fontes renováveis deve ser considerado e, portanto, ciclos de absorção com uso de energia solar e/ou geotérmica, bem como o uso de geotermia para climatização, são alternativas viáveis.”

Também para o projetista Roberto Montemor Augusto Silva, diretor da Fundament-Ar, o caminho para a sustentabilidade ambiental do AVAC-R passa “pelos fabricantes fazendo máquinas que consumam cada vez menos energia, mais eficientes, usando gases refrigerantes cada vez melhores, que agridam cada vez menos a camada de ozônio e o ser humano; máquinas que aproveitem o calor rejeitado em subprodutos, como aquecer água ou ar por exemplo; sistemas de monitoramento através de controles em toda a instalação que auditem temperatura, umidade, vazões, ocupação nos ambientes, com tudo isso indo para um sistema gerencial com inteligência artificial com algoritmos que vão corrigindo a performance e buscando o melhor ponto de funcionamento e, nas curvas, desempenho energético dos equipamentos; hoje já se consegue uma economia significativa de energia e água com esses sistemas e que refletem em grande conforto térmico para o usuário.”

Energias renováveis

Entretanto, as contribuições do AVAC-R podem ser bem mais expressivas. Como costuma repetir um conceituado consultor, os sistemas de ar-condicionado podem passar da condição de pesados vagões à de locomotivas. Para isso, são necessárias soluções de engenharia muito mais do que apenas equipamentos mais eficientes (veja artigo na página XXXXXX). Sem desprezar o uso de fontes renováveis de energia. “O uso de energia solar em sistemas de absorção e o uso de geotermia para climatização são alternativas que devem ser colocadas na pauta do setor, pois podem produzir resultados bastante promissores quanto à redução do impacto do uso de sistemas de climatização no que diz respeito a nível de emissão de CO2 e uso racional dos recursos naturais”, diz Hernandez.

“Tanto para o setor do AVAC-R, como para os demais consumidores, a geração local ou distribuída me parece um passo inicial para diversificar as fontes de obtenção de energia elétrica. Paralelamente, as grandes fazendas de geração fotovoltaica e as instalações eólicas são no horizonte atual as que se mostram promissoras e capazes de alterar nossa matriz energética”, completa Raulino.

GMV solar, da Gree

Engana-se quem considera utópicas as afirmações acima. Allan Denis Bischoff, coordenador de engenharia da área de ar-condicionado comercial da Gree Electric do Brasil, diz que os sistemas de AVAC-R estão cada vez mais eficientes, incluindo soluções de equipamentos alimentados por energia fotovoltaica. Como exemplo, ele cita dois produtos da Gree, já disponíveis no mercado brasileiro, o GMV solar, de expansão direta, e o chiller centrífugo solar. “Ambos os equipamentos podem operar 100% com energia gerada nos painéis solares”, enfatiza.

Bischoff defende que “a fonte renovável com maior viabilidade é a energia fotovoltaica, pois a tecnologia está bem difundida no mercado e avançando tecnologicamente a cada dia. Uma prova disso são as placas fotovoltaicas que estão gerando mais energia elétrica, utilizando a mesma área quadrada. Além disso, a aplicabilidade das células fotovoltaicas está cada vez mais flexível, podendo-se até instalar células na fachada dos prédios como vidros espelhados.”

Painéis fotovoltaicos ou coletores solares

A energia solar pode ser aplicada na climatização tanto em processos por absorção, como diretamente acionada por painéis fotovoltaicos. “Já existem equipamentos com resfriadores de absorção que operam em temperaturas em torno de 88°C a 90°C que podem ser alimentados por coletores solares com tubos a vácuo, de forma a gerar água gelada para climatização de edificações. A eficiência destes equipamentos está em torno de 0,6 a 0,7, mas já existem diversas pesquisas mostrando que este valor pode ser elevado nos próximos anos”, explica o professor da Poli USP.

Raulino, entretanto, pondera que as atuais tecnologias de utilização de radiação solar na obtenção direta de energia elétrica em sistemas fotovoltaicos e a de transformação em energia térmica estão em patamares distintos. “A elevada eficiência das células fotovoltaicas, se comparada com a de duas décadas atrás, possibilitou termos, hoje, instalações que se multiplicam e são financeiramente viáveis. A produção de energia térmica em coletores a temperaturas utilizáveis em sistemas de absorção ainda não oferece condições de plena viabilidade econômica, não obstante o desenvolvimento de coletores concentradores e a utilização dos nanofluidos indicarem um futuro promissor nesta opção.”

A superioridade dos painéis fotovoltaicos é defendida, também, pelo executivo da Gree. “Além de alimentar os equipamentos de ar-condicionado, a energia gerada pode ser utilizada para alimentar outras cargas dentro do ambiente beneficiado.”

Bischoff explica que o sistema fornecido pela Gree é alimentado com painéis solares de forma direta, pois são 100% inverter corrente contínua. “A energia gerada pelos painéis solares alimentam nosso produto sem a necessidade de passar por um conversor de CC (corrente contínua) para CA (corrente alternada), com isso, o equipamento reduz perdas por conversão. Caso os painéis solares não estejam gerando a energia suficiente para o sistema de ar-condicionado funcionar, a energia elétrica da rede pública passa pelo conversor gerando a corrente contínua necessária para o equipamento.”

“Nos sistemas de condicionamento de ar que incluem painéis fotovoltaicos (PV), duas diretrizes podem ser adotadas, ambas com interligação à concessionária de energia (Grid Tie). A primeira é de um sistema onde há a geração PV e, através de inversores de frequência, com conexão ao consumo da edificação e à rede externa (Grid). A segunda opção é o sistema com equipamentos de ar-condicionado, condensador VRF ou chiller, que já incorporem os inversores AC/DC e DC/AC, opção que melhora a eficiência do aproveitamento de energia e reduz os custos. Neste caso, externamente somente é necessário um quadro de proteção da rede, similar à instalação convencional”, explica Raulino.

O consultor da Estermic tem bons argumentos para defender a utilização da energia fotovoltaica. “Exemplificando”, diz ele, “em prédios comerciais com sistema de climatização de um pavimento na região Centro Oeste do Brasil, e gerando energia localmente com PV, se toda a área de cobertura for ocupada por painéis PV,  pode-se atingir a meta NZNE (net zero energy), isto é, a soma de todas as energias fornecidas para o interior dos limites da edificação são menores das que as produzidas (PV) localmente.”

Sistemas geotérmicos

Também os sistemas geotérmicos podem ter um espaço para a viabilidade ambiental do AVAC-R. “Eles usam o potencial de troca térmica com o solo e a água dos lençóis freáticos para aquecer ou esfriar. Estes dois, solo e água, viram o condensador, ou evaporador, do sistema, isto é,  comparando com um sistema de um split residencial, por exemplo, usa-se a terra ou a água no lugar da serpentina do equipamento que fica externo ao ambiente; colocam-se tubos enterrados, que são como serpentinas, verticalmente ou horizontalmente, no entorno da edificação, que fazem esse papel”, explica Montemor.

Entretanto, o diretor da Fundament-Ar explicita algumas ressalvas: “Em todos os estudos que fizemos até hoje não tivemos pay-back, por não ter o solo mapeado ou pelo custo de trazer esses sistemas de fora ou, ainda, por não termos quem domine todo o processo no Brasil num custo atrativo. Por outro lado, pelo mercado livre de energia ter custos bastante atraentes para o KW/h, principalmente em grandes centros, e com pay-back bastante melhores.”

“O uso de sistemas de climatização por geotermia tem um potencial de aplicação muito alto no Brasil, principalmente para tipologias como hotéis e hospitais. Estudo recente por equipe da qual fiz parte, mostra a viabilidade técnica e econômica do uso de geotermia para climatização de baixa temperatura. No caso do Brasil, devido a sua formação geológica, não se tem fontes de geotermia com alta temperatura (acima de 100 °C) para produção de energia e/ou para uso em sistemas de absorção. Sendo assim, a geotermia no Brasil deveria estar mais focada no uso para climatização. Deve-se ressaltar que sistemas de resfriamento geotérmico já fazem parte do Plano Decenal de Energia de 2050 do Brasil na categoria de tecnologia disruptiva”, esclarece Hernandez Neto.

O professor da Poli USP explica, ainda, que os sistemas de climatização com uso de geotermia fazem a rejeição de calor para o solo, ao invés de ser feito para uma torre de resfriamento ou condensador a ar. “Esta seria a principal diferença pois, para os demais componentes, como evaporadores, dutos, controles e dampers, é exatamente igual a um sistema de climatização convencional. Dessa forma, a água de condensação é bombeada para tubos que são enterrados no solo (na direção vertical e/ou horizontal), onde a rejeição de calor é realizada. Em alguns casos, no sentido de reduzir custos de implantação, o sistema de climatização geotérmico pode ser acoplado a uma torre de resfriamento fechada para otimizar a operação do sistema. O uso de bombas de calor é muito comum neste tipo de aplicação, pois, em função da demanda, pode-se utilizar a bomba de calor para produção de água gelada e/ou de água quente, que seria a aplicação ideal em hotéis e hospitais.”

Assim como Montemor, Hernandez Neto aponta as dificuldades da geotermia. “O sistema de resfriamento geotérmico já é uma tecnologia consolidada, porém, tanto no Brasil como em outros países em que ele é usado, demanda um custo de implantação mais alto devido principalmente ao grande número de perfurações no solo para a colocação dos tubos. Além da questão econômica citada anteriormente, a mão de obra a ser empregada tanto no seu projeto como na implantação e operação deve ser qualificada para lidar com as especificidades do sistema. Como já mencionado, o sistema não é complexo, mas exige alguns cuidados que, se devidamente abordados, podem proporcionar um sistema de climatização muito confiável e com alta eficiência.”

Aproveitamento das condições entálpicas

É possível, também, fazer uso das diferenças de entalpia para economizar energia nos sistemas de climatização, como explica Bruno Bonaldi, coordenador de vendas da Evapco. “Utilizar sistemas com condensação a água acarreta em uma menor temperatura de condensação do fluido frigorífico, gerando economia de energia elétrica nos chillers. Como a torre de resfriamento trabalha em função da temperatura de bulbo úmido, é possível resfriar água a temperaturas mais baixas, quando comparado com ar impactando diretamente o consumo elétrico dos chillers.”

Uma opção em regiões onde o clima local permitir, seria utilizar torres de resfriamento circuito fechado como free-cooling nos períodos mais frios do ano, sendo o resfriamento da água do circuito de água gelada feito diretamente na torre circuito fechado, desligando o chiller. “Outra opção para sistemas que possuem grande diferencial de temperatura, sendo a temperatura final da água abaixo da temperatura de bulbo úmido local, é utilizar uma torre circuito fechado em série com um chiller, com a torre resfriando a água até uma temperatura alguns graus acima da temperatura bulbo úmido, e o chiller fazendo o resfriamento restante, resultando num sistema com chiller de menor tamanho e consequente menor consumo elétrico”, diz Bonaldi.

Torre de resfriamento para o free cooling

Uma variante da concepção é defendida por Montemor. “Gosto muito de usar em meus projetos sistemas que, quando a temperatura externa fica abaixo da temperatura interna, tomam mais ar de fora, desligando os compressores e admitindo mais esse ar já resfriado. Consegue-se reduzir, na cidade de São Paulo, o consumo de energia em 30% em média num restaurante, comparando com um outro restaurante com a mesma capacidade térmica em TR (toneladas de refrigeração) que não tem esse sistema economizador. Essa solução, além de economizar energia, melhora consideravelmente a qualidade do ar interno e a diluição de contaminantes do ambiente.”

“Para garantir que o sistema atenda a eficiência projetada, devem ser utilizados equipamentos com garantia de performance, preferencialmente por entidades reconhecidas internacionalmente, como o Cooling Technoly Institute (CTI), que asseguram que, mesmo nas condições mais críticas, os equipamentos irão performar conforme projetado. Basta um equipamento não atender ao que foi projetado para que o consumo elétrico e consumo de água sejam superiores ao projetado. Muitas vezes, quando isto ocorre, a solução será extremamente custosa ao cliente final, tendo como única alternativa um custo operacional maior que o previsto acompanhando o empreendimento por toda sua vida útil”, alerta Bonaldi.

Ronaldo Almeida
ronaldo@nteditorial.com.br

 

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