A pandemia da Covid-19 trouxe à baila a discussão sobre a responsabilidade de profissionais e empresas com a garantia da qualidade dos ambientes internos. Por outro lado, a tomada de consciência sobre este aspecto confronta-se com a cada vez mais iminente crise ambiental, criando barreiras para a ampliação do consumo energético. Para compreender como conciliar essas duas necessidades fortemente entrelaçadas, conversamos com o consultor Francisco Dantas, diretor da Interplan – Planejamento Térmico Integrado, de Recife, PE.

A+CR: Embora de menor letalidade, a variante ômicron veio dar razão àqueles que acreditam ser impossível relevar os efeitos da Covid-19. Neste sentido, o que deverá ser definitivamente incorporado ao cotidiano dos projetos de AVAC para garantir a qualidade do ar interno?

Francisco Dantas: Em intervenções ocorridas no ano passado, tivemos a oportunidade de discorrer sobre as recomendações das entidades associativas mais renomadas em nível internacional, para operação das instalações de climatização, no sentido de mitigar a possibilidade de transmissão aérea da Covid-19.

Referimo-nos, principalmente, às medidas de antecipação e postergação da operação dos sistemas de ventilação em relação ao período de ocupação da edificação, da desativação dos sistemas de modulação da renovação de ar em função da variação da ocupação, e da melhoria do sistema de filtração de ar, passando para a classificação F9, além do uso de processo germicida por irradiação ultravioleta.

Além do mais, discorremos, também, sobre microclimatização e processos de ventilação personalizada e ventilação protegida e suas contribuições para a qualidade do ar interior.

Tais conceitos estão respaldados por artigos publicados nos periódicos da ASHRAE (edição novembro de 2011) e da REHVA (edição junho de 2014).

O artigo da ASHRAE, sob o título Advanced Air Distribution, relata as vantagens da insuflação personalizada no combate à contaminação cruzada, tachando-a de método eficiente de limpeza do ar ambiente, acenando, ainda, com uma possível redução do consumo energético de 51% se comparado aos sistemas tradicionais com fluxo turbulento único.

Já o artigo da REHVA, sob o título Protected zone ventilation reduces personal exposure to indoor pollution, conclui por uma redução, da ordem de 20 vezes, do risco de exposição à poluição interna. A microclimatização é, pois, uma grande aliada no combate à contaminação cruzada aérea. E não se deve, necessariamente, associar qualidade do ar interior com consumo energético exacerbado, como se verá mais à frente.

Tais melhorias, a exemplo de outras, podem e devem se constituir em prática disseminada para obtenção do objetivo fim, qual seja, ambientes confortáveis e saudáveis. Temos casos concretos de aplicação dessas tecnologias, um deles objeto de artigo publicado na edição Janeiro de 2018 da Revista Abrava + Climatização & Refrigeração, sob o título: Edifício passa por retrofit e ganha ventilação personalizada.

A+CR: A recomendação por tecnologias para purificação do ar será uma constante?

FD: Acredito que sim. Artigos publicados nas edições de agosto (Ventilation, Filtration And UVGI) e outubro (Mitigating Covid-19 In Public Spaces) passados, no ASHRAE Journal, abordam diferentes processos de como melhorar a qualidade do ar e mitigar os riscos de transmissão aérea em espaços públicos.

Um exemplo do CDC (Centro para Controle e Prevenção de Doenças) mostra que o uso correto dos purificadores de ar para complementar as taxas de ventilação e filtração dos sistemas de climatização reduz em 80% o tempo para limpeza do ar, por remoção de partículas potencialmente infecciosas transportadas.

Outro estudo mostrou que “a filtragem HEPA de altos volumes diminui o risco individual de infecção por um fator de dez”.

Já para remoção através do ar exterior, necessitaria um acréscimo da vazão de 150% para uma redução do tempo de remoção das partículas de 34%.

Esses parâmetros são utilizados para definir o tempo de espera para uma reocupação segura, por exemplo, de salas de aula. Os dados dos estudos acima confirmam, na nossa avaliação, as vantagens do uso dos purificadores de ar portáteis com filtração HEPA, resultando em flexibilidade operacional, economia de energia e maior tempo de disponibilização segura dos espaços.

A+CR: O que deverá ser observado na especificação das taxas de renovação e tratamento do ar de acordo com cada tipo de ocupação?

FD: Segundo a Norma ASHRAE 62.1, o fluxo de ar de ventilação representa a vazão de ar externo somada de qualquer vazão de ar recirculado que tenha sido tratado com a finalidade de manter a QAI aceitável, conceito corroborado pelo ASHRAE Handbook Fundamentals – Capítulo 16.

Desse modo, ar recirculado, filtrado e submetido a um tratamento germicida por irradiação ultravioleta pode aumentar a taxa de ventilação sem incorrer em majoração da vazão de ar exterior, que seria calculada com base nas taxas recomendadas de acordo com os tipos de ocupação e uso dos ambientes.

A+CR: Sabendo-se que existe uma relação direta entre taxas de renovação do ar e dispêndio energético, como equacionar a QAI com a cada vez mais presente crise energética?

FD: Adotando procedimentos energeticamente eficientes, quer seja na eficácia do suprimento do ar de ventilação (e, por consequência, do ar de renovação), como foi exemplificado com os artigos da ASHRAE (distribuição de ar avançada) e da REHVA (zona de ventilação protegida), bem como nos processos com aplicação de purificadores de ar portáteis, além da racionalização energética na produção da refrigeração, por exemplo, a adoção de dupla temperatura no suprimento da água gelada, que pode levar a redução de consumo de energia primária, por eficiência termodinâmica, da ordem de 30%, conforme relato do artigo publicado na edição junho de 2017 do ASHRAE Journal, sob o título Dual Temperature Chilled Water Plant & Energy Savings.

Projeto de nossa autoria com central de água gelada de dupla temperatura teve resultado de 39,5% confirmado de economia energética, comparado a sistema equivalente de temperatura única, distantes entre si de 13 km, com mesma finalidade de uso e mesmo período operacional, conforme medições registradas mês a mês, por um período operacional de doze meses consecutivos.

A+CR: Como você enxerga o futuro da QAI diante do novo quadro?

FD: Enxergo com a emoção e o otimismo de uma demonstrada conscientização do mercado pela valorização da pessoa humana em relação aos objetos, priorizando o bem-estar em relação a valores, propiciando ao ocupante um ambiente que lhe permita atingir a plenitude de sua capacidade cognitiva e a preservação de sua saúde. Ainda mais, a prática da boa engenharia, comprometida com a qualidade do objetivo fim, com a mitigação de impactos ambientais e com a viabilidade econômica dos empreendimentos conduzirá à praticabilidade, à longevidade e à irreversibilidade da tendência, transformando-a em prática consolidada.

 

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